Sempre me fascinaram os grandes burlões. De tal forma que escrevi uma série para televisão sobre o maior entre os maiores, o Alves Reis, célebre falsário que na década de 20 do século passado encharcou o País com notas de 500 escudos com um golpe quase perfeito e com tal impacto que pôs o País à beira da bancarrota.
Também o Alcibiades, um poderoso feiticeiro da palavra, conseguiu vender a ponte 25 de Abril a um grupo americano. O fascínio resulta de perceber que vigaristas deste coturno começam por acreditar nas suas próprias palavras, nas suas fantásticas propostas, para passarem aos actos com a convicção de que aquela verdade é tão óbvia que basta a sedução e a exploração dos sentimentos interesseiros das suas vítimas para realizarem as suas proezas criminosas.
Vale e Azevedo não chega aos calcanhares dos dois campeões que recordei. Persiste na verdade que criou, na sua convicção construída, para já condenada pelos tribunais portugueses, forjando, alimentando e produzindo a imagem de uma vítima perseguida pelas forças maléficas da Justiça portuguesa. Porquê? Porque era o arauto da transparência contra a corrupção que minava o futebol. O lusitano Viriato, espada desembainhada, a defender o seu Benfica, que, diga-se, também vigarizou para os seus negócios ilícitos, contra todos os bandidos futebolísticos do País e dos arredores. Esta posição vingadora fez furor na altura. Ele sabia manipular as paixões. Porém, veio o balde de água fria.
Um punhado de crimes descobertos, e Vale e Azevedo na cadeia. No tribunal, a mesma defesa. Ele era vítima dos poderosos interesses obscuros, que, dizia o próprio, estavam amedrontados com a sua fabulosa cruzada purificadora. Terá havido um tal juiz Barroso que não foi na cantiga e o meteu cadeia. Passados tempos, libertado. Tempos de depois, pira-se para Londres, vivendo na zona luxuosa dos lordes. Teve um mérito a sua fuga. O pedido de extradição anda embrulhado há anos nos tribunais ingleses, revelando que os atrasos não são só na nossa Justiça, até que agora um tal juiz Purdy declarou que não estava perante uma vítima, mas frente a um criminoso fugido à Justiça portuguesa.
Declaração mais relevante de Vale e Azevedo, e dita com convicção, depois da decisão: Eu não fugi! Pois não, acrescento eu. Malta deste calibre não foge. Apenas dá de frosques.
Correio da Manhã, 18 de Março de 2012