O escritor Mia Couto disse hoje que gostaria de usar o valor do Prémio Camões para desenvolver um projeto que dê "espaço aos jovens escritores moçambicanos", algo que, considera, Moçambique não dispõe nesta altura.
"Gostaríamos (o escritor e os seus irmãos) muito de poder intervir (...) em áreas junto do livro, dos jovens escritores que não têm espaço", disse Mia Couto, quando falava, em Maputo, numa conferência de imprensa a propósito do Prémio Camões, que lhe foi atribuído ontem.
Segundo Mia Couto, "todas as semanas", algum jovem escritor lhe bate à porta com um "manuscrito para mostrar", o que lhe causa "muita impressão", pois revela "uma grande solidão", uma vez que "essas pessoas" não têm com quem partilhar a "preocupação" do valor da obra.
"Não existe instituição em Moçambique que possa receber esta gente, que possa organizar um momento que é essencial, que é alguém escutar, olhar aquele texto preparado pelo jovem e poder ver se ali há uma potencialidade de alguém que pode ser amanhã um escritor", disse.
Sobre a importância do Prémio Camões que recebeu para a literatura moçambicana, Mia Couto afirmou ter dúvidas quanto ao seu significado, argumentando que ela "é muito maior que a contribuição de um escritor", apontando ainda críticas à situação que o país vive neste aspeto.
"Literatura não é produzir livros, é esta dinâmica que anda à volta da escrita literária, que envolve as escolas, as famílias, as bibliotecas, a circulação dos livros. Tudo isso faz uma literatura. Não pensemos que há literatura moçambicana porque há meia dúzia de escritores que têm alguma projeção", sublinhou.
"Se a política oficial e prática do Governo não a tomar como prioridade, estamos a colocar em risco isso que se chama de literatura moçambicana", acrescentou.
Sobre o espaço da lusofonia e do seu potencial literário no mundo, Mia Couto entende que é necessário "acertar, dentro da família" de países de expressão portuguesa, "determinadas coisas", antes de se começar a "pensar num território tão grande, que é o mundo".
"Se não nos impomos, se não somos capazes de mostrar alguma coisa que tem um valor único, alguma espécie de contribuição inovadora, o mundo não quer saber de nós", considerou.
"Mesmo nós (Moçambique) temos uma posição de grande ambiguidade: às vezes a língua portuguesa é nossa, outras vezes, não é nossa; às vezes, é tida como língua nacional, outras vezes, não", lamentou.
Mia Couto, nascido na Beira, em 1955, é o mais recente vencedor do Prémio Camões, este ano na sua 25ª edição, com um valor de 100 mil euros.
Entre a ficção e a poesia, Mia Couto soma perto de 30 livros, sendo os títulos "O Último Pé da Sereia", "O Último Voo do Flamingo", "Terra Sonâmbula" e "Raiz de Orvalho", alguns dos mais conhecidos.
O júri da 25ª edição decidiu, na segunda-feira, premiar Mia Couto pela "vasta obra ficcional, caracterizada pela inovação estilística e pela profunda humanidade".
A obra de Mia Couto, "inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade", disse à Lusa José Carlos Vasconcelos, membro do júri.
O Prémio Camões foi criado por Portugal e pelo Brasil e atribuído pela primeira vez em 1989, distinguindo o escritor Miguel Torga.
Mia Couto é o segundo escritor moçambicano a receber o Prémio Camões, depois de José Craveirinha, em 1991.
Lusa, 28 de Maio de 2013