Entrevista feita por Allen Isaacman ao Presidente Samora Machel - Maio de 1979, Moçambique
SAMORA MACHEL, GRANDE ENTREVISTA, Maio de 1979
Allen Isaacman: Moçambique condenou o ataque da China contraVietname. Isto representa uma mudança da política da FRELIMO em relação a divisão Sino-Soviética no movimento comunista internacional?
Samora Machel: já que fala ai no mundo queremos responder. Não são vocês [que estão preocupados]; são os outros que estão preocupados “há mudanças em Moçambique.” O Partido FRELIMO defendeu e defende a unidade do movimento comunista e operário internacional. Agiremos sempre em favor desta unidade. Em diferentes situações podemos ter divergências com partidos irmãos e até mesmo termos posições opostas. Abstemo-nos por princípio de fazermos debates públicos sobre essas divergências e contradições. Muito embora em privado não hesitemos em apresentar os nossos pontos de vista quando para isto solicitados. Temos como principio sistematicamente distinguir os erros dos amigos por graves que sejam da acção do inimigo. Esta distinção leva-nos a dar um tratamento diferente as situações. Igualmente por grave que sejam os erros dos amigos nunca esquecemos o seu apoio nas horas difíceis e a contribuição dada ao movimento revolucionário noutros momentos. Entendem? Os princípios do respeito das fronteiras e da inviabilidade do território nacional, do regulamento [resolução] pacifico nos diferendos entre estados, do não recurso à força nas relações internacionais são princípios básicos e elementares que garantem a paz e segurança internacionais, são princípios cuja defesa compete a todos os estados. A República Popular da China é um estado amigo que ao agredir o Vietname violou estes princípios básicos. Calarmos é aceitarmos tacitamente uma grande violação das normas que regulam as relações internacionais. A violação feriu-nos tanto mais que tratava-se de um estado socialista atacando outro estado socialista. Nossa amizade com a República Popular da China mantem-se inalterável tal como permanece inalterável a alta apreciação que temos pelo apoio que nos foi prestado nas horas dificeis e pela contribuição histórica da revolução chinesa para o desenvolvimento do processo revolucionário mundial. Apoiamos a ajuda fraternal prestada pela República Socialista do Vietname ao Campuchea. Da mesma maneira como apoiamos a ajuda fraternal da República Unida da Tanzânia ao Uganda. O Vietname como a Tanzânia foram atacados diversas vezes por regimes despóticos e expansionistas no quadro da legitima defesa tinham o direito de neutralizar os agressores. No quadro do dever internacionalista de solidariedade apoiaram as insurreições contra regimes despóticos. Importa-nos sempre sabermos contra quem estão viradas as armas. Se contra o povo ou se contra a tirania. Hoje no sudoeste asiático entre o Vietname, Laos e Campuchea, surgem laços fortes de amizade e solidariedade que constituem factor fundamental para o triunfo da causa do socialismo na zona. E permitem a consolidação da paz e segurança internacionais em toda a região. Entre a Tanzânia e o Uganda gere-se um clima de paz e cooperação que contribuirá para a estabilidade e progresso da África Oriental e para o reforço da luta de libertação na África Austral. Felicitamo-nos pelo recomeço das negociações entre o Vietname e a China e desejamos ardentemente que elas tenham sucessos de modo a restaurar a tradicional amizade revolucionária entre os povos e estados da região e a refazer a frente anti-imperialista. É esta nossa posição.
Allen Isaacman: como é que caracteriza as relações com os Estados Unidos da América e a política de Carter em relação a África Austral é diferente na sua opinião do que a política do presidente Ford e Nixon e o que os Estados Unidos pode fazer para melhorar as suas relações com a República Popular de Moçambique?
Samora Machel: eu vou responder a sua pergunta e sublinhar algumas coisas. Nós dizemos que o povo dos Estados Unidos da América condenou o colonialismo português [e] opôs-se ao apoio das administrações americanas a guerra colonial de agressão [e] empreendeu numerosas acções de apoio material e humanitário ao nosso combate. O governo Nixon contra a vontade do povo dos Estados Unidos distinguiu-se tristemente na ajuda ao regime colonial fascista. O governo Ford foi obrigado a aceitar a realidade da derrota política e militar do colonialismo português em África estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular de Moçambique. O presidente Carter e seu governo procuram apresentar uma nova política americana em relação a África que leve os Estados Unidos por sua vez a demarcar-se das causas injustas do colonialismo, racismo e do apartheid. Esta intenção é positiva. Todavia as realidades permanecem muito aquém da boa vontade expressa. Temos observado posições hesitantes continuamente no que se refere ao Zimbabwe e a Namíbia. O abandono do plano anglo-americano em relação ao Zimbabwe, o abandono virtual do plano das cinco potências ocidentais em relação a Namíbia testemunham a falta de coerência ou de capacidade de realização de uma política de boas intenções. Estas são dificuldades que ultrapassam a boa vontade individual dos dirigentes do sistema. São contradições e incapacidades próprias do regime. Lá a parede existe e quando o presidente Carter entra encontra essa parede que não pode destruir. Portanto, a vontade e o sistema montado. Como combinar, como fazer a conciliação? Mas é verdade que há diferença. O sistema Nixon distinguiu-se pela agressividade, imperialismo, agressividade. No Vietname, em vários lugares. Agressividade, violência. Carter boa vontade tem. Talvez, esperemos mais tempo. Esperemos mais tempo e veremos. As relações bilaterais têm se desenvolvido normalmente e o seu melhoramento um pouco depende exclusivamente dos Estados Unidos. Nós não podemos dizer faça isto Estados Unidos. Nós estabelecemos relações com os Estados Unidos da América pondo esponja, passando esponja, estabelecemos relações diplomáticas com os Estados Unidos mas os Estados Unidos decidiram pôr Moçambique na lista negra, um país com quem têm relações diplomáticas. Agora, não sei o que devemos dizer para dizer aos Estados Unidos. Por isso, dizemos tudo depende exclusivamente dos Estados Unidos. Mas no entanto com os meios empresariais tem-se desenvolvido com benefício mútuo. É esta minha resposta em relação aos Estados Unidos. Os Estados Unidos é que vão decidir. Eles decidiram classificar na lista negra, os Estados Unidos; eles dirão quando é que tiram e quando é que não tiram.
Alguém na audiência: talvez, eles já decidiram.
Samora Machel: eles dirão quando é que tiram e quando é que não tiram. O que é que há? Já estamos cansados.
Transcrito pelo pessoal do Centro de Documentação Samora Machel, Moçambique