27 de novembro de 2011

Este é o mesmo Soares que apoiou Sócrates? (João Miguel Tavares)


Este é o mesmo Soares que apoiou Sócrates?

O doutor Mário Soares veio encabeçar um manifesto chamado ‘Um Novo Rumo’ que cheira mais a bolor do que um queijo Roquefort, com a desvantagem de causar azia só de olharmos para ele. Você já conhece a lenga-lenga de cor, caro leitor, mas é sempre divertido repeti-la: Soares & Amigos "opõem-se a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão", recusando-se a "assistir impávidos à escalada da anarquia financeira internacional". Vai daí, apelam "à participação dos cidadãos" e à "construção de um novo paradigma".

Manifesto que é manifesto tem de ter um novo paradigma. E que novo paradigma é esse? É tão novo, mas tão novo, que passa por "denunciar a imposição da política de privatizações" (uma ideia extremamente original), condenar o "recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais" (uma ideia incrível da qual nunca ninguém se tinha lembrado), repudiar as afrontas à "dignidade no trabalho" (uma ideia tão espantosamente nova que até reluz ao sol do Inverno) e convidar ao "aprofundamento democrático".

A parte do "aprofundamento democrático" é a minha favorita, até porque o doutor Soares foi durante largos anos um comovente apoiante do engenheiro Sócrates, que aprofundou tanto a democracia em Portugal que abriu túneis directos até à Líbia, Venezuela e Queluz de Baixo. Foram, aliás, tantos os seus buracos democraticamente abertos que tivemos de pedir à troika para vir a correr tapá-los. Pois é, caro leitor: o novo rumo que o doutor Soares e os seus amigos têm para propor ao país é o velho rumo que nos trouxe até aqui. E se fossem aprofundar a democracia para outro lado?

Por: João Miguel Tavares
Correio da Manhã, 25 de Novembro de 2011