País de solidão
Fosse outra a cultura cívica e era sobre este problema quea atenção estaria centrada. Mas isso pouco importa.
Há um país dentro de nós que muito raramente chega às notícias e é irrelevante para o alegre debate que cruza a agenda do dia. Esta semana, o tema foi saber se o primeiro-ministro chamou ou não piegas aos portugueses ou se o ministro das Finanças estava ou não de cócoras na conversa com o homólogo alemão. O ruído foi de Carnaval, e fez bem Passos Coelho em não dar tolerância de ponto porque para foliões já basta o dia-a-dia destes casos levados ao clímax de tão ridículos e patéticos.
Só a inutilidade se dedica tão intensamente a este concerto de coisinhas que em nada condicionam ou nos libertam deste apertado nó que a vida impôs. Deixámos de ver e ouvir. Passámos a ser um eco daquilo que se quis ouvir e desejou ver. Pouco interessa a realidade. Vale apenas a gritaria. Ouvi o primeiro-ministro dizer o que disse mesmo. Vi e ouvi o ministro das Finanças a falar com o ministro alemão. Nada tem a ver com as grandes tiradas que se seguiram, solenes e decadentes, meras extrapolações sem sentido, vazias, sem consciência do país em que vivemos este Carnaval contínuo que não é folião e é pesadelo. Nada há de mais natural do que um primeiro-ministro procurar mobilizar pessoas, recusando que seja a lamúria, a pieguice, o lamento a saída do buraco.
Como é natural o ministro das Finanças sublinhar que Portugal está a cumprir os acordos internacionais e que, caso exista um embaraço, espera ajuda. Para que o país não morra de fome de pão. Pois que de linguaradas, queixumes e melodramas vai saciando a fome da decadência. E de repente, como se fosse uma banalidade, surge a notícia de que no Portugal interior cresce assustadoramente o número de idosos que vivem sozinhos. Ficámos a saber que 780 mil casas são habitadas por um ou dois idosos. Que em 400 mil vive um idoso. E que esta realidade cresceu 29% nos últimos anos. Interessa isto à propaganda política? De que vale este intenso drama comparado com aquilo que este ou aquele disse? Fosse outra a cultura cívica de quem se diz comprometido com a política e era sobre este problema que a atenção estaria centrada. Sobre como parar a desertificação. Como reorganizar a malha social e económica para que a onda de solidão não traga os desequilíbrios, assimetrias e tristezas que está a produzir. Além do sofrimento. Mas isso pouco importa. Não dá para o folclore. E faz pensar.
Francisco Moita Flores
Correio da Manhã, 13 de Fevereiro de 2012