Segurança Social: História - Antecedentes
Um longo processo de construção
Desde a fundação da nacionalidade portuguesa, com clara inspiração nos valores da caridade cristã, por iniciativa de clérigos, de ordens religiosas, de monarcas, de membros da família real, das corporações de mestres e de particulares abastados, assistiu-se ao desenvolvimento de esforços tendentes a dar corpo ao sentimento do dever moral de protecção contra situações de necessidade nos planos individual e familiar.
Assim, até ao fim da Idade Média, a par de meros impulsos de beneficência individual, foi-se desenhando uma organização embrionária da assistência privada, conduzindo à primeira grande reforma da assistência, por iniciativa da rainha D. Leonor que, em Agosto de 1498, fundou, em Lisboa, a primeira Irmandade da Misericórdia. Este novo tipo de instituições – as Santas Casas da Misericórdia – multiplicou-se por todo o País, tornando-se no grande polo da assistência privada, a nível local, nos domínios da saúde e da acção social e cuja obra multisecular chegou pujante até aos nossos dias.
Com a fundação da Casa Pia de Lisboa, nos finais do século XVIII, ensaiou-se o primeiro passo no sentido da instauração da assistência pública que o liberalismo se propôs estimular, sem grande sucesso. Implantada a República, foi longo e penoso o caminho até à aprovação, na primeira metade dos anos quarenta, do Estatuto de Saúde e Assistência, apontando para a função supletiva do Estado na acção assistencial que, a nível local, passou a ser coordenada pelas Misericórdias.
No quadro do vigoroso associativismo operário do século XIX, nomeadamente nos principais centros industriais-urbanos, assistiu-se a um importante movimento mutualista que, ao longo da segunda metade daquele século, estimulou o rápido crescimento do número de associações de socorros mútuos e dos respectivos associados. Os principais fins destas instituições mutualistas abrangiam a prestação de cuidados médicos e o fornecimento de medicamentos, a atribuição de prestações pecuniárias nas situações de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e a atribuição de subsídios de funeral.
As insuficiências da protecção social de base mutualista, designadamente no que se refere à velhice, levaram à criação, ainda nos finais do século XIX, das primeiras "Caixas de Aposentações".
Através de cinco diplomas publicados em 10 de Maio de 1919, assistiu-se à primeira tentativa de instituição de um sistema de seguros sociais obrigatórios, destinados a abranger a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, com salários ou rendimentos inferiores a determinado montante.
Na sequência da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional, foi aprovada a Lei nº 1884, de 16 de Março de 1935, que definiu as bases gerais em que devia apoiar-se a organização da previdência social.
O campo de aplicação pessoal foi abrangendo progressivamente os trabalhadores por conta de outrem, do comércio, indústria e serviços, mantendo-se insignificante o enquadramento dos trabalhadores independentes, ao passo que os trabalhadores da agricultura e os das pescas passaram a ser gradualmente enquadrados, respectivamente, pelas Casas do Povo e pelas Casas dos Pescadores.
O campo de aplicação material incluía, relativamente aos trabalhadores subordinados do comércio, indústria e serviços, a protecção nas eventualidades de doença, invalidez, velhice e morte, além dos encargos familiares, tendo-se mantido a protecção no desemprego como mera possibilidade teórica: aos trabalhadores do sector agrícola apenas era garantida a cobertura das eventualidades de doença (cuidados médicos e subsídios) e de morte; a protecção dos trabalhadores das pescas tinha carácter basicamente assistencial, pelo que, na medida das disponibilidades financeiras, poderiam contar com a assistência médica, subsídios de doença e de nascimento, pensões de invalidez e de reforma, subsídios por morte e abonos de família.
O financiamento da protecção social dos trabalhadores do comércio, indústria e serviços, apoiava-se em contribuições obrigatórias dos trabalhadores e dos empregadores; o dos trabalhadores da agricultura e das pescas, em cotas dos sócios das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores, respectivamente, que contavam ainda com subsídios diversos, incluindo os atribuídos pelo Estado. Quanto ao método de equilíbrio financeiro, ele variava de acordo com as eventualidades:
•Repartição antecipada, no caso da doença, que incluía um fundo de reserva e do abono de família, em que os eventuais défices eram suportados por um "Fundo Nacional de Abono de Família";
•Capitalização pura, no caso das pensões de invalidez e de velhice.
A reforma da previdência social só se foi concretizando a partir da publicação da Lei nº 2115, de 15 de Junho de 1962, e dos efeitos da sua regulamentação, sendo de destacar, neste aspecto, o Decreto n.º 45 266, de 23 de Setembro de 1963, posteriormente revisto por numerosos diplomas.
Como aspecto assinalável desta reforma, refere-se o alargamento do campo de aplicação material a eventualidades não cobertas, tornando-se mais completo o esquema de prestações, bem como a manutenção da dominante do financiamento apoiado em contribuições dos trabalhadores e dos empregadores, sem comparticipação financeira do Estado, fazendo-se evoluir o método de equilíbrio financeiro da capitalização pura para a capitalização mitigada.
À margem daquela reforma, mas ainda nos anos sessenta, foi publicada a nova lei quadro da protecção social dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, mantendo-se o princípio da responsabilidade dos empregadores, transferida para companhias de seguros.