Falar de qualquer coisa jota lembra irresistivelmente os famigerados vagões-jota, que noutros tempos – os tempos em que tínhamos comboios a circular nas nossas linhas – transportavam mercadorias e, se preciso fosse, gente também (coisa que ei cheguei a ver, com estes dois que a terra há-de comer), e que inspiraram o título do (talvez) último romance neo-realista de Vergílio Ferreira.
Mas não é de vagões-jota que quero falar agora, nem de qualquer outra coisa com rodas; é de uma coisa com pernas: políticos. (Se bem que estes, em matéria de rapidez, ultrapassem de longe os ronceiros e saudosos vagões-jota, como se tem visto e demonstrado todos os dias.)
Quem como eu já escreveu bem para cima de um milheiro de crónicas provavelmente já teve ocasião de falar de tudo e mais alguma coisa.
Este caso da licenciatura de Miguel Relvas – que cheira tão mal ou pior do que a de José Sócrates – já andava prefigurado numa crónica minha de há mais de vinte anos atrás, de que já perdi o rasto, mas me lembra que fazia uma previsão sombria sobre o comportamento dos futuros homens de estado e de partido. Dizia eu então que a qualidade humana e ética dos políticos vinha decrescendo a olhos vistos. Em vez de uma cultura de serviço público instalava-se insidiosamente uma cultura de carreirismo. Pessoal. E concluía qualquer coisa como isto: quando chegar a altura de essa rapaziada das jotas tomar o poder, passarão a reinar o oportunismo, o cambalacho, as promiscuidades duvidosas, os golpes palacianos, o arranjismo, o erigir das ambições pessoais em fim último da política.
Era pouco mais ou menos isto que eu dizia, por outras palavras, bem entendido.
De facto as jotas, aconchegadas aos partidos de que mamaram ma ronha, foram – com excepções, evidentemente – uma escola de políticos talvez competentes (no sentido de capazes de atingirem os seus fins, que todavia não eram, como deixo dito, de uma brancura angélica), mas seguramente dúbios humana e eticamente.
Pois bem: as minhas previsões estão a mostrar-se certeiras. A hora da rapaziada das jotas chegou. Há por aí a circular uma geração de políticos oriundos das jotas que não me deixa mentir. Cumprido o rito de passagem, ei-los a ocupar os mais variados lugares da administração pública, onde deixam demasiadas vezes impressa a dedada do pecado original da sua formação partidária e da sua concepção da política, em cujo topo estão a busca da eficiência e de resultados a todo o custo – e quando se diz ‘ a todo o custo’ tem-se em mente toda uma série de manigâncias, cumplicidades, compadrios, golpes baixos, em suma.
Não sei se José Sócrates e Miguel Relvas pertenceram às jotas respectivas (por acaso até me está lembrar que julgo ter lido algures que Sócrates debutou na JSD, mas não tenho à mão meios de o confirmar). Mas de alguma forma eles constituem o tipo do jovem político-jota. São eficientes, disso não restam dúvidas. Mas a sua eficiência deixa um rasto de situações equívocas, rabos-de-palha, irregularidades, vícios de carácter que se vão somando até que o cidadão comum, que ainda acredita que a política pode ser construída segundo outros padrões e sobre outros alicerces, sente uma náusea pior do que a sentia Sartre quando se interrogava sobre o sentido da existência.
Pires Cabral
Repórterdomarão, 22 de Julho de 2012
Nota: Este texto foi escrito com deliberada inobservância do Acordo (?) Ortográfico.