1 de setembro de 2012

Portugal país de paradoxos, do gamanço e da corrupção


No dia em que morreu Neil Armstrong, o primeiro homem que pisou a Lua, tive acesso ao acórdão do famigerado caso Freeport. São cerca de 100 páginas demolidoras contra a democracia, contra a honestidade, contra os valores supremos da cidadania. (Depois da (ir)resolução deste imbróglio internacional, nada mais tem sido numa sociedade que se diz democrática, justa, coerente, fraterna, igualitária e consequente com a sociedade portuguesa.

Nunca aflorei nas minhas congeminações semanais, nesta e noutras colunas da imprensa, este tema que se conheceu através de uma carta anónima, entregue em 20 de Outubro de 2004 no Departamento de Investigação Criminal de Setúbal da Polícia Judiciária. Nessa carta se afirmava que o Freeport fora aprovado à pressa em 2001/2002, mediante a entrega de dinheiros ao então ministro do Ambiente para a campanha eleitoral autárquica do seu partido político. Essa Averiguação Preventiva teve o nº 73/2004 e, segundo esse acórdão, “esteve a marcar passo” na comarca de Montijo, desde 4/2/2005 até 1/10/2008. Por esse facto, tal processo recebeu o título de “sui generis”.

Foi apresentado à Diretora do DCIAP em 13/7/2010 que não lhe deu o melhor seguimento.

Entretanto, as televisões, a imprensa escrita e falada fizeram manchetes de todos os tamanhos, apontando nomes de políticos de proa, antes e depois do empreendimento. Apesar das graves acusações sobre políticos locais, regionais e nacionais, foram adquiridas 80 testemunhas que permitiram ao Coletivo dos Juízes e ao Ministério Público exarar no Acórdão com 91 factos provados, cada qual o mais escandaloso, o mais preocupante e o mais nocivo à formação cívica das novas gerações. Não foi um juiz só, nem uma ou duas testemunhas a confirmar as provas. Foram inquiridas 80 pessoas; formuladas 91 acusações que mencionam muitos milhões de euros, favores pagos a pesos de ouro; despachos redigidos à medida dos corruptores, enfim, uma sentença que vai ficar na história como uma das maiores catástrofes política, ética e social, em nove séculos de odisseia, reduzida a cinzas. Os democratas mereciam provas concludentes do contrário desta vergonha que ensombra a Lusofonia, desacredita a honorabilidade da justiça portuguesa e, em vez de convidar as novas gerações à prática dos valores morais, antes os incita a mais assaltos, mais criminalidade organizada e a menos respeito pelos sãos princípios que foram timbre do Povo Português.

Nestes quase quarenta anos de vigência democrática já muitos casos semelhantes se deram.

Quanto mais mediáticos e onerosos para o erário público, mais terríficas têm sido as conclusões. Sempre viradas do avesso. Sempre contra os indefesos. Sempre a lei do mais forte a triunfar em nome da justiça que não passa de uma antecâmara para o atropelo aos valores da cidadania.

Rui Ramos, na revista do Expresso, de 25 de Agosto, que analisa os acontecimentos da década de 1993/2002, sob a epígrafe Tempo de incubar monstros escreveu: “A política adaptou-se ao novo ambiente. O grupo do Jornal “O Independente” abriu uma frente de direita contra o governo. Mário Soares, na Presidência da República, despertou subitamente. Em 1993 mostrou o reverso do “progresso”, com uma “presidência aberta em Lisboa. Em 1994 tentou coordenar as oposições, através do “Congresso Portugal que futuro”. Nessa altura, “Guterres era o anti-Cavaco, redondo onde o outro era seco, verboso onde o outro era lacónico, cordial onde o outro era crispado. Fez do “diálogo” a sua senha. Era uma diferença de estilos, mais do que de ideias. Muitos tinham-se convencido de que o mundo ia entrar numa fase de paz e de prosperidade. Nada se passou assim. O antigo “bloco de Leste” redescobriu o nacionalismo e o populismo”. Em Portugal estava-se na era da abstenção. Iniciou-se assim uma discussão sobre o “desprestígio crescente dos políticos” e a “qualidade da democracia”. Tudo o que acontecia, acontecia na televisão e era a televisão que fazia acontecer tudo. Esta cultura comercial, plebeia e instável, oscilando entre o cinismo e a comoção. Horrorizou as elites políticas e intelectuais, conclui Rui Ramos que remata: “o quadro para o país em 1995, parecia estar na chamada “globalização”. Foi a grande ideia da década de 90. “Foi o início dos anos perdidos. A década começara mal e acabava pior”.

Os cidadãos que aceitaram as promessas de Abril como propiciadoras de uma nova era para quem estava a entrar na idade adulta, viveu estes quase quarenta anos em sobressalto. Porque nunca chegou o emprego para todos, nunca transpareceu a igualdade de oportunidades, nunca houve paz social. Antes, redobraram as cunhas. Institucionalizaram-se o clientelismo e a lei do mais forte.

A emigração, em vez de acabar, prolongou-se. Noutros tempos apenas emigravam os rurais. Hoje emigram os urbanos: os professores, os engenheiros, os comerciantes, os operários qualificados da construção civil. Os políticos profissionalizaram-se. E os excessos desse exercício não têm pejo, nem vergonha, nem limites. Tudo o que vier à rede é peixe…

Barroso da Fonte

A Voz de-Trás-os-Montes, 30 de Agosto de 2012