Há surpreendentes notícias em Portugal. O Governo está convencido de que consegue cumprir à força a legislatura. Não interessa para onde vai e não lhe importa que só descubra inimigos por toda a parte. A lista é extensa. Consumidores, professores e outros funcionários públicos, militares, polícias e agora os juízes do Tribunal Constitucional. Mas também empresários - vários empresários e gestores -, padres, bispos. Na lista negra há ainda sociais-democratas, democratas-cristãos, reitores, bastonários, até certos ministros e secretários de Estado. Cá dentro, Passos e Gaspar já não confiam em ninguém: jovens, velhos, além do milhão de desempregados que deambula por aí.
Para Gaspar somos uma soma lamentável: há portugueses por todo o lado. Demasiados portugueses. O ministro das Finanças vê-se cercado por um povo que não capta a magnífica ciência económica e que só reclama e importa coisas que já não consegue pagar. É malta não transacionável. Como não pode desvalorizar a moeda, desvaloriza as pessoas, as instituições e a confiança. Evidentemente, Durão subscreve e Cavaco dá a outra face para tentar evitar o que é cada vez mais provável. O Governo esperneia - é a nova técnica para tranquilizar os mercados... - e cheira a fraqueza.
Não tinha de ser assim. O chumbo do Tribunal Constitucional podia ter sido o derradeiro impulso para reformar o Estado, a única saída que nos resta, além da contínua renegociação das condições dos empréstimos com a troika e com outros credores e rendistas. O melhor momento para mudar o Estado (devia ser um processo, não uma bomba) teria sido há dois anos, com o PIB ainda não reduzido a pibinho e com o desemprego longe dos 20%. Mas isso já não existe. A última oportunidade deste Governo era, portanto, esta. Agora.
Mas para a aproveitar, o Governo não podia hostilizar o País. Não podia ser incompetente. O despacho que congela a despesa, assinado por Gaspar, é a prova do desvario: deixou as empresas privadas que fornecem o Estado no limbo financeiro, além de ter criado espaço para que surgisse todo o tipo de demagogia sobre fornecimentos hospitalares, etc. Bastava ter acrescentado uma data (os gastos ficam bloqueados um mês, o que seria adequado face às dúvidas orçamentais ), em vez de remeter os detalhes do despacho para um Conselho de Ministros em data incerta. Que falta de sentido de Estado, que impulso destrutivo. Nem a economia privada respeitam. Grandes liberais.
A eleição deste Governo revelou-se um erro trágico. Paradoxalmente, é a brutalidade da crise que o segura. Só um louco pode não ter medo da incerteza: os juros a galope, o pouco crédito que desaparece, os bancos que tremem, o segundo resgate que Passos tanto negou (e trabalhou para evitar), mas que agora usa como arma de manipulação maciça. Somos reféns de um primeiro-ministro perdedor e de uma oposição perdida. Assim estamos hoje, ninguém sabe onde estaremos amanhã.
Diário de Notícias, 11 de Abril de 2013