Mouzinho de Albuquerque escreveu uma página de ouro na história de Portugal. À frente de um punhado de soldados, penetrou no reduto da revolta anti-lusitana e capturou o imperador vátua, Gungunhana. Enquanto o “Leão de Gaza” era levado preso para Lisboa, o herói concluía a pacificação de Moçambique.
Apesar da cedência do Governo ao humilhante Ultimato britânico de 1890, que impusera a retirada do nosso país dos territórios entre Angola e Moçambique incluídos no chamado Mapa Cor-de-Rosa, os ingleses continuaram a manobrar contra a presença portuguesa na África Oriental.
Em 1894-1895, agentes britânicos baseados na África do Sul incentivaram – e financiaram – a revolta dos vátuas, indígenas do sul de Moçambique, que chegara a ameaçar a própria capital, Lourenço Marques.
As tropas portuguesas, comandadas pelo comissário régio António Enes, contra-atacaram, conseguindo, em Novembro de 1895, conquistar Manjacaze, a principal praça-forte do imperador vátua, Gungunhana, que retirou para Chaimite, no território moçambicano de Gaza. António Enes pediu a Lisboa reforços para concluir a pacificação de Moçambique – e, na falta de uma resposta satisfatória, apresentou a demissão.
Sucedeu-lhe no comando das operações o então capitão Mouzinho de Albuquerque, nomeado, a 10 de Dezembro, governador militar da província de Gaza. Mouzinho decidiu então dar um golpe de mão audacioso.
À frente de poucas dezenas de soldados de cavalaria e umas centenas de auxiliares africanos, internou-se no mato e, ao fim três dias de marcha, pôs cerco a Chaimite, a “capital” vátua, onde residia Gungunhana.
Às 7 da manhã do dia 28 de Dezembro, Mouzinho de Albuquerque entrou no povoado através de um pequena abertura na paliçada, à frente dos militares portugueses. Os cerca de 300 vátuas que compunham a elite guerreira dos insurrectos – armados de espingardas fornecidas pelos ingleses – fugiram sem disparar um tiro.
Aproveitando o efeito da surpresa, Mouzinho capturou o “Leão de Gaza”, juntamente com o filho (Godide), o tio (Molungo), o régulo Matibejana e dez mulheres (sete de Gungunhana e três de Matibejane). Mahune e Queto, os dois principais conselheiros de Gungunhana, provavelmente agentes de ligação aos operacionais britânicos que tinham manipulado a revolta, foram fuzilados.
No início de Janeiro de 1896, os cabecilhas da revolta vátua foram levados para Lourenço Marques e entregues por Mouzinho ao governador-geral de Moçambique, Correia e Lança. Dias depois, chegou a ordem do ministro da Marinha e Ultramar, Jacinto Cândido da Silva, para o transporte dos presos para a capital do império.
Em Março, Mouzinho, entretanto promovido a major, foi nomeado governador-geral de Moçambique e, em Novembro, recebeu o título de comissário régio.
A prisão do “leão dos vátuas”, mais tarde enviado, com os acompanhantes, de Lisboa para os Açores, onde acabou por morrer, em 1906, foi largamente noticiada na imprensa portuguesa e internacional. O episódio tornou célebre o oficial de cavalaria nascido na Batalha, a 12 de Novembro de 1855, antigo estudante de Matemática e Filosofia na Universidade de Coimbra, antigo soldado na Índia.
Atingido o topo da administração colonial, coube ao novo comissário régio chefiar as “campanhas de pacificação” contra os indígenas, designadamente os namarrais, no norte, e de novo os vátuas, no sul, que derrotou na batalha de Macontene, em 21 de Julho de 1897. Nesse ano e no início de 1898, Mouzinho viajou pela Europa, sendo homenageado em Lisboa e no Porto e também em Inglaterra, na Alemanha e em França.
De regresso a Moçambique, manteve-se no cargo pouco tempo. Em Julho de 1898, o primeiro-ministro José Luciano de Castro aprovou legislação que diminuía os poderes dos comissários régios – e Mouzinho renunciou.
De volta a Lisboa, idolatrado por jovens oficiais e por veteranos das campanhas de pacificação de África, o seu prestígio militar teve consequências políticas. Próximo do conde de Arnoso – secretário pessoal do rei D. Carlos e membro dos “Vencidos da Vida” (a que pertencia também Eça de Queiroz, escritor muito apreciado por Mouzinho), grupo de intelectuais que defendia uma maior intervenção política do rei para acabar com o rotativismo, Mouzinho defendeu uma solução “musculada”. Porém, o rei não lhe deu ouvidos.
Promovido a tenente-coronel do estado-maior e nomeado aio do Príncipe Real D. Luís Filipe, Mouzinho de Albuquerque nem por isso amaciou as críticas aos governos do rotativismo, protagonizados por José Luciano de Castro, líder do Partido Progressista, e por Hintze Ribeiro, chefe do Partido Regenerador.
Tornou-se um alvo a abater. A apologia dos combatentes e do exército eram recebidas com júbilo pelos veteranos das “campanhas de pacificação” mas faziam soar campainhas de alarme entre os políticos do regime.
Apenas um exemplo, retirado da ‘Carta a Sua Alteza o Príncipe Real D. Luís de Bragança’: “Essas poucas páginas brilhantes mas consoladoras que há na história do Portugal contemporâneo escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos sertões de África, com as pontas das baionetas e das lanças a escorrer em sangue.”
Mouzinho foi vítima de campanhas de intrigas e calúnias. Em Outubro de 1901, na qualidade de aio do herdeiro do trono, Mouzinho acompanhou uma visita de D. Luís Filipe ao Norte. A visita correu mal e o militar foi acusado de falhar na sua obrigação de educar o príncipe e atacado nos jornais.
O herói de Chaimite não aguentou a “campanha negra” que arrastava o seu nome pela lama. A 8 de Janeiro de 1902, Lisboa ficou em estado de choque: ao fim da tarde, o tenente-coronel Mouzinho de Albuquerque, de 46 anos, suicidou-se com um tiro de revólver na cabeça, numa caleche na Estrada das Laranjeiras.
Jornal O Diabo, 11/02/2016