Desde que o FMI e Companhia se apossaram de Portugal que tenho a sensação de que somos tratados como artolas.
Não nos reconhecem como povo mas como um bando de patetas, subjugados, sem soberania, sobre quem se pode decidir e fazer tudo com o clássico punhal apontado à garganta: ou é como nós queremos ou acaba-se o dinheiro. Esperava-se que fossem sábios, especialistas rigorosos e bem informados, aqueles que vieram a Lisboa e com o PS assinaram o acordo que permitia a Portugal o reequilíbrio das contas públicas. Afinal veio uma matilha.
Vai para dois anos que a penitência se mantém, a produção de medidas restritivas sem fim à vista, todas do género corta aqui, corta ali, vende isto, vende aquilo, e por mais que se corte, que nos desfaçamos dos anéis, há sempre um punhado de mil milhões que ainda falta cortar. Agora são quatro mil milhões e, como não podia deixar de ser, para os arrecadar, torna outra vez à vaca fria. Corte-se.
Desta vez, as notícias, entre outros apertos, procuram colocar mais 50 mil professores na rua. Não percebo a embirração com os professores. Sobretudo neste país semianalfabeto, com níveis de iliteracia angustiantes, sem formação que permita competitividade, produção de elites capazes, que consolide valores europeus no domínio do conhecimento e dos saberes. Não se percebe, já que se diz que este corte tem a ver com a refundação do Estado, qual a razão por que não é antes discutido o País que queremos daqui a dez, vinte anos, que mercado de trabalho se perspetiva, organizar a escola e a universidade em função dessa finalidade e, depois, logo se verá se é necessário prescindir de professores ou se é necessário formar ainda mais para as áreas consideradas estratégicas. Não! Cinquenta mil para o olho da rua e depois logo se vê. Por aqui não vamos lá.
E a tal refundação do Estado começa a entrar no domínio do anedótico quando outra das medidas é cortar no vencimento dos polícias. Sendo a esmagadora maioria dos agentes e dos guardas pessoal que trabalha com ordenados que rondam os mil euros, confesso não saber que níveis de motivação podem injetar em quem arrisca a vida para a defesa da nossa tranquilidade e segurança. Começamos a entrar no caos. Afinal, os sábios não são assim tão sábios e, um dia, vão perceber que não somos os artolas que julgam que somos.
Francisco Moita Flores (Professor Universitário)
Correio da Manhã, 13 de Janeiro de 2013