Cesária Évora: "Não vou cantar para sempre"
Cantora que se tornou a voz de Cabo Verde lançou, nesta segunda-feira, 26, o seu novo disco, 'Nha Sentimento', que vai interpretar no Coliseu dos Recreios de Lisboa em Maio de 2010.
Correio da Manhã - É conhecida como "rainha das mornas", mas no novo disco sobressaem as coladeras, mais festivas. Qual foi a intenção por detrás de ‘Nha Sentimento'?
Cesária Évora - Tem o mesmo estilo dos outros. A ideia de apostar mais nas coladeras foi do meu produtor [José da Silva], que queria algo mais animado, feito para dançar. Mas não me desvio da morna, ela também está lá.
- Nas mornas ‘Vento de Sueste' ou ‘Sentimento' há arranjos de cordas que remetem para a música egípcia. Que ligação é esta com os sons árabes?
- Há muito tempo que o meu produtor já pensava nisso, até que acabou por surgir a oportunidade de trabalhar com Fathy Salama [que dirige a Grande Orquestra do Cairo]. Faz sentido, até porque os instrumentos que eles tocam são muito parecidos com os nossos.
- Volta a celebrar Cabo Verde nestas novas canções. Que sentimento é este que dá título ao disco?
- Pretendi mostrar que este é o sentimento de Cesária Évora, o sentimento de qualquer cabo-verdiano. Tudo o que o cabo-verdiano vive e sente na pele, tento passar para o meu trabalho. Quanto à música, a do meu país de hoje é a mesma que se canta quando comecei: estamos muito ligados à tradição de mornas e coladeras. Só que hoje também já se vêem muitos jovens que fogem um pouco às suas raízes e vão para músicas modernas.
- É fã de Amália Rodrigues e o seu disco fala muito de destino. Até há uma canção chamada ‘Fatalidade'. O sentimento da morna é irmão do sentimento do fado?
- Acho que são irmãos ou pelo menos primos. Muitas vezes cantamos com as mesmas palavras, usamos o mesmo vocabulário. Vejo-os como muito próximos.
- Ao fim de quase 50 anos de carreira, como é que a Cesária de hoje olha para a jovem de 20 anos que cantava temas de amores desfeitos no Mindelo?
- Na juventude nunca tive a carreira brilhante que depois consegui no estrangeiro. Mas gostavam de mim e os portugueses estavam sempre a chamar-me para cantar. No porto de Mindelo passavam muitos barcos estrangeiros, nos anos 50 e 60, e sempre pensei se algum dia iria sair de Cabo Verde para cantar. Acabou por acontecer. Deus pôs um produtor aos meus pés [José da Silva], que encontrei aqui mesmo em Portugal, em 1987, e desde então trabalho com ele.
- No ano passado sofreu um problema de saúde [um acidente vascular cerebral, na Austrália] que a obrigou a abrandar de ritmo. Que lições retirou desse momento difícil?
- Diminuí o número de espectáculos, pois estava sempre cansada. Depois desse episódio cheguei a um acordo com o meu produtor para abrandar. Sinto-me menos cansada.
- Mas a gravação de ‘Nha Sentimento' foi exigente, dividida entre Cabo Verde e França.
- Sim, mas sempre para o mesmo produtor, que tem um estúdio nos dois países. A gravação começou em Cabo Verde e acabou em Paris, como nos outros discos. Depois de cada trabalho, cada um diz-me o que pensa. Agora espero a crítica do povo. Até agora foi positiva...
- Que digressão tem pensada para promover este disco?
- Venho ao Coliseu dos Recreios em Maio de 2010. Já em Novembro temos datas para Holanda, França, Suíça, Israel e Polónia com o novo repertório.
- Já passou pelas salas de espectáculo mais prestigiadas do Mundo, mas, além do seu Mindelo, onde é que se sente em casa?
- Em França, porque tudo comigo aconteceu lá. Recentemente recebi a Medalha da Legião de Honra das mãos de Jacques Chirac, o que me deixou cheia de emoção.
- Alguma coisa mudou na sua forma de encarar o palco ao fim destes anos todos?
- Não. Ao entrar num palco gosto de o fazer de pés descalços. Não é por uma questão de conforto, é um costume.
- Que lugar ocupa Portugal no que diz respeito à aceitação do seu trabalho?
- Não sei bem. No final dos anos 80 e anos 90 vinha mais vezes aqui, agora venho menos. Sinto que tenho menos fãs em Portugal.
- Vai cantar até ao fim?
- Vou cantar ainda mais algum tempo, não sei até que idade. Mas sei que não vou cantar para sempre... Um dia tenho que parar.
- A sua voz reflecte a sua maturidade...
- A prova dela está no disco que saiu agora: a voz que se ouve tem 68 anos.
- Tem alguma canção do disco preferida?
- ‘Verde Cabo di Nhas Odjos' (‘Verde Cabo dos Meus Olhos').
Fonte: Correio da Manhã
Expresso das Ilhas, 27 de Outubro de 2009