E-mail faz 40 anos
O e-mail nasceu há 40 anos. Hoje são enviadas milhares de milhões de mensagens diariamente e o correio electrónico faz parte integrante da vida das empresas. Estas não podem viver sem e-mail, mas também têm de lidar com o reverso da medalha: o malware. E terá vindo para ficar?
Quarta-feira. Abro o meu e-mail. Ainda não é meio-dia. Na caixa de entrada estão várias newsletters, alguns comunicados de imprensa, mensagens de amigos, actualizações das redes sociais e... na pasta do spam... igual número de mensagens não solicitadas. Tenho sorte. A média mundial do spam ronda os 70% a 80%.
Apesar de os sistemas de detecção de spam estarem cada vez mais desenvolvidos, não deixa de incomodar.
É o reverso da medalha de uma ferramenta que muito contribuiu para alterar a forma como trabalhamos e nos relacionamos com os amigos, que acelerou a comunicação e os fluxos de trabalho nas empresas. E o e-mail foi só o princípio. Actualmente a Web 2.0 (conceito criado em 2004 pela O'Reilly Media), que tem subjacente o conceito de Web como plataforma e onde nasceram redes sociais como o Facebook ou o Hi5, já é uma realidade. E vem aí a Web 3.0, um conceito que os teóricos ainda discutem, mas que tem deverá traduzir-se na criação de serviços e conteúdos de alta qualidade e que utilizam a Web 2.0 como plataforma.
Nasceu a 29 de Outubro de 1969. A primeira mensagem dizia apenas "LO.". O investigador Leonard Kleinrock queria escrever LOGIN, mas o sistema foi abaixo a meio da transmissão. Hoje, 40 anos depois, o e-mail é utilizado actualmente por 70% dos internautas, avançou Gustavo Cardoso, investigador do ISCTE. E mesmo com a concorrência das redes sociais, os especialistas consideram que esta é uma ferramenta que veio para ficar.
Em Portugal a massificação do e-mail começou em Janeiro de 1995, explicou Libório Silva, autor do livro "E-mail", à Lusa, quando a Telepac abriu o acesso da Internet a particulares através da world wide Web.
Portugal seguiu o resto do mundo. Não houve nem antecipação nem atraso na adopção do e-mail, explicou Vítor Magalhães, que na década de'90 do século passado fazia parte do Grupo Português de Utilizadores de Unix (PUUG).
Em resposta a questões colocadas pelo OJE, Renato Pires Lopes, McAfee Channel Manager Portugal, não tem dúvidas sobre a sobrevivência do e-mail: "provavelmente abraçará novos formatos, com a inclusão de conteúdos multimédia e mais interactividade". Nas empresas o e-mail já é "o meio de comunicação por excelência". Por resolver estão as questões de segurança e de validade legal e de credibilidade dos conteúdos e das partes envolvidas na comunicação, refere Renato Pires Lopes.
Rui Lopes, director Técnico da Panda em Portugal, sublinha que o e-mail "é possivelmente uma das invenções que mais benefícios trouxe em termos de produtividade e rapidez de comunicação, economia e produtividade". É também "um meio de propagação de ameaças que podem chegar instantaneamente a milhares de indivíduos e de ser distribuído em questão de segundos", mas dificilmente deixará de ser utilizados como ferramenta de trabalho, de informação e lazer.
As redes sociais e o Internet Messaging
De facto quem trabalha no sector acredita na coexistência das diferentes formas de comunicação: Internet, e-mail, Messenger, Redes Sociais, VoIP ou o "recém-nascido" Twitter. Em gestação está o Google Wave.
Existem muitos e diferentes modelos de comunicação e de colaboração disponíveis na Internet e "os utilizadores tendem a não substituir os formatos de comunicação existentes, mas sim a complementá-los.
Os blogs não substituíram as páginas de Internet, tal como as mensagens instantâneas não substituem o e-mail", explica Kasia Chmielinski, da equipa Google Wave.
Opinião semelhante tem Rui Lopes: "as redes sociais podem ser consideradas como a evolução natural da utilização de mensagens instantâneas, que a par do e-mail se tornaram os meios de comunicação mais rápidos e eficazes, e preferidos pela maioria dos utilizadores. Todos têm vantagens e inconvenientes, acabando por se complementar entre si numa utilização comum das possibilidades da Internet, não se substituindo".
Renato Pires Lopes, da McAfee, refere a utilização de novas tecnologias assentes na Internet apenas nos oferecem mais possibilidades e maior rapidez na forma de fazer circular a informação", mas as formas de comunicação anteriores, desde o post-it à assinatura de documentos importantes ou os relacionamentos interpessoais vão manter-se".
E o que vem aí? Está em fase de testes o Google Wave (apenas por convite, completamente esgotados neste momento), uma ferramenta de produtividade colaborativa, onde um grupo de pessoas, num âmbito particular ou profissional, pode conversar e trocar documentos fotografias, vídeos, mapas e muito mais. Kasia Chmielinski, da equipa Google Wave, explica "temos estado focados no desenvolvimento de uma nova tecnologia e de novas funcionalidades que tornarão a comunicação e a colaboração mais fácil e consistente". Os utilizadores podem utilizar a plataforma de uma forma simples, apenas para conversar, por exemplo, ou mais complexa, implicando partilha de documentos com vídeo, mapas, exportação da onda para páginas externas, etc.
Spam, vírus, hoaxes e outras ameaças
O efeito secundário negativo mais visível a qualquer utilizador de correio electrónico são as mensagens não solicitadas (spam) e outras ameaças como os complicados trojans, os traiçoeiros hoaxes, o perigoso o phishing, os vírus entre outros. Através do e-mail chegam-nos diariamente programas nocivos, conteúdos inadequados e informações não desejadas.
Manuel Cerqueira, presidente da Associação Portuguesa de Software (Assoft), considera que o spam tem de "inevitavelmente ser disciplinado". Os fabricantes de soluções de segurança, estudam constantemente o fenómeno e mais ponto, menos ponto, referem que mais de 80% das mensagens a circular são mensagens não solicitadas.
O spam tornou-se assim uma dor de cabeça para as empresas actuais. Cada colaborador perde dois dias de trabalho anual na gestão da sua caixa de correio electrónico, explica Rui Lopes. O spam ocupa também largura de banda que força as empresas a realizar investimentos adicionais para aumentar a capacidade de processar informação, acrescenta.
A título de exemplo, e de acordo com um estudo da Panda, os sectores mais afectados pelo spam são o automóvel e eléctrico, seguido pela Administração Pública. O spam e o malware distribuído nestas organizações é de 99,89%, 99,78% e 99,60%. Apenas uma percentagem residual de mensagens é legítima. A maioria do spam, refere o mesmo estudo está relacionado com produtos farmacêuticos (mais de 68%) e réplicas de produtos (18%).
Rui Lopes apresenta um exemplo. Imagine-se uma empresa com 200 estações de trabalho e uma média diária de 150 euros/colaborador. Sem uma ferramenta de protecção anti-spam gastam-se dois dias de trabalho por colaborador, por ano, a gerir o correio indesejado. O que se traduz em 400 dias de trabalho/ano ou 60 mil euros. Em termos de largura de banda, se se subtrair 30% da soma total paga (calculada em 4800 euros/ano), tal resulta em perdas de 1150 euros. São 71.150 euros perdidos.
Renato Pires Lopes sublinha que é difícil quantificar o impacto das mensagens não desejadas nas empresas, mas estes problemas prendem-se sobretudo com questões de produtividade, devido ao desvio da atenção dos colaboradores com este tipo de conteúdos. A filtragem dos conteúdos é essencial.
O impacto ambiental do Spam
Um estudo recente da McAfee revela que o spam não é apenas um incómodo, mas também prejudicial ao meio ambiente, já que contribui de forma substancial para o aumento das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera. Os especialistas em spam calculam que a energia anual gasta globalmente para transmitir, processar e filtrar mensagens de spam é equivalente à electricidade utilizada em 2,4 milhões de lares e possui o mesmo valor de emissões de gases de estufa que 3,1 milhões de automóveis que utilizem 7,5 mil milhões de litros de gasolina.
Um olhar sobre a produtividade no futuro
O e-mail é hoje uma forma de comunicação insubstituível nas empresas, "uma revolução que só encontra paralelo na chegada do telefone, durante o início do século XX", como diz o sociólogo Gustavo Cardoso, professor do ISCTE. A maturidade desta forma de comunicação, porém, é mais notória nas portas que abriu a outras ferramentas, tais como o instant messaging e as redes sociais.
"A importância fundamental do e-mail reside precisamente na forma como introduziu outras formas de comunicação nas empresas", explica Gustavo Cardoso, exemplificando com o instant messaging "como forma de organização e coordenação de equipas". Este sociólogo estabelece um paralelo com a chegada do telefone e sublinha que "foi necessário esperar quase um século para que tivéssemos assistido ao surgimento de outro instrumento de estruturação da comunicação das empresas" .
A massificação dos e-mails tem muito menos de 40 anos. Surgiu no final do século passado, num processo que esteve intimamente ligado à disseminação da própria Internet. O crescimento tecnológico foi exponencial e, hoje, o e-mail é apenas uma das formas de comunicar digitalmente. As empresas trabalham hoje em dois eixos essenciais: "o telefone móvel e a Internet", diz Gustavo Cardoso. Dentro dos serviços assentes na world wide web, ganham relevo o VoIP (Voice over IP), instant messaging e o próprio e-mail.
O e-mail está hoje "reservado para envios mais formais, ou mais estruturados, com necessidades processuais, nomeadamente de identificação de origem e de destino e de arquivamento", explica o sociólogo contactado pelo OJE. E, claro, existem ainda as cartas convencionais: a elas caberá, porventura, o lugar mais elevado da "hierarquia" da formalidade e importância.
SAPO AO/OJE
29 de Outubro de 2009