Casamentos tradicionais no Chinde
O distrito do Chinde fica situado na zona sul da província da Zambézia, limitando-se, a norte, pelo distrito de Inhassunge, a oeste pelo distrito de Mopeia, a este, pelo Oceano Índico e a sul, pelo distrito de Marromeu, em Sofala, através do rio Zambeze. A sua sede distrital, uma ilha encravada no delta do Zambeze, dista a cerca de 70 quilómetros a sul de Quelimane, a capital provincial da Zambézia.
Administrativamente, o distrito está dividido em três postos administrativos (Chinde, Micaune e Luabo), compostos pelas localidades de: Vila de Chinde, Matilde, Mucuandaia e Pambane, pertencentes ao Posto Administrativo-Sede, Luabo, Mangige, Nzama, Rovuma, Samora Machel e 25 de Setembro, ao Posto administrativo de Luabo e Arijuane, Magaza, Micaune, Mitange e Nhamatamanga, ao Posto Administrativo de Micaune.
A língua predominante é “maindo”, que é falada pela maioria da população do distrito, calculada em mais de 130 mil habitantes e que cobre os postos administrativos de Micaúne e sede distrital. Os habitantes do Posto Administrativo de Luabo, comunicam-se pela língua nacional Chissena.
Nas regiões de Sombo e Matilde, a sul da vila-sede do distrito e Maimba, em Micaune, a língua maindo começa a perder originalidade, admitindo a ocorrência de palavras da língua chissena. Essa língua que resulta da mistura de maindo com chissena, falada predominantemente a Este de Luabo, chama-se Podzo.
Na parte nortenha do Posto Administrativo de Micaune, ou seja as localidades de Mitange, Arijuane e Magaza, a língua maindo começa igualmente a sofrer alterações, sobretudo no sotaque, que começa a confundir-se com Chicarungo, falada em Inhassunge e que se assemelha a Chuabo, predominante na cidade de Quelimane e arredores.
Diferentemente da chamada “Alta Zambézia”, que compreende os distritos a norte da cidade de Quelimane falantes da língua lomuè, cujos casamentos são matrilineares, Chinde e outros distritos da Zambézia situados ao longo do Vale do Zambeze, perseguem o regime patrilinear, ou seja, o homem é quem manda em casa.
Neste distrito, a iniciativa do casamento pertence ao homem, a quem cabe a responsabilidade de propor o namoro, embora a mulher tenha pleno direito de sugerir as melhores modalidades a serem seguidas e os contornos pelos quais devem decorrer as diferentes etapas das cerimonias matrimoniais.
O casamento no distrito do Chinde inicia com o namoro, através do qual o homem apaixonado propõe a namorada para sua futura esposa. Este encontro, regra geral, decorre em locais de diversão nocturna, na sua maioria caracterizados por danças tradicionais, sendo a mais influente “Ibondo”.
Mais tarde, com a presença de aparelhagem musical trazida pelos chamados “madjonidjoni” ou seja, indivíduos que trabalham na África do Sul, a diversão nocturna poderia ocorrer nos chamados clubes nocturnos, onde decorriam os bailes localmente designados “Chinguere”.
Os clubes, também conhecidos por assembleias, eram feitos de material local precário, mais precisamente folhas de coqueiros e estacas de “micándala” ou outros paus extraídos em matagais e mangais, abundantes na região costeira do distrito. Normalmente eram construídos debaixo de árvores frondosas (mangueiras e cajueiros), para conferi-los a necessária escuridão, que era do interesse dos bailarinos, na sua maioria jovens.
Mais tarde e apesar da oposição dos jovens, foram usados petromaxes para iluminar os referidos locais de diversão nocturna. Nesses convívios, por causa da forma como as danças eram executadas, normalmente em pares de homens e mulheres assegurando-se pelas costas e nádegas, a semelhança do que acontece actualmente com as chamadas “passadas”, os dançarinos poderiam apaixonar-se e a partir daí desencadear uma relação amorosa que pode culminar em casamento.
Porem, nem tudo era uniforme. Alguns pares, mesmo aquelas que as danças os pudessem conduzir a inevitável atracção mutua, não chegavam a contrair matrimónio, terminando apenas no amantismo.
Outras das formas não menos usadas de namoro e que resistem aos imperativos das mudanças que o tempo impõe na mente, hábitos e costumes dos homens, consistem em os pais escolherem esposas e maridos para seus filhos e filhas.
Este método, por ser potencialmente compulsivo e retrógrado e, obviamente menos apreciado pelos jovens modernos, tende a desaparecer. Quanto menos, o que os pais e familiares em geral podem fazer para ajudar seus filhos e filhas na escolha de futuros genros ou noras, é identificar a pessoa e, por métodos subtis, propor ao interessado para análise e aprovação.
Este processo, porem, é de difícil aplicação para as meninas que não tem a liberdade de escolher, por iniciativa própria, os futuros esposos. Aliás, qualquer mulher que assim proceda, será recusada e poderá ser acusada de mil e uma coisas, incluindo feitiçaria, pois não é admitido, por tradição local e, por extensão, a algumas regiões do pais, mulheres proporem o namoro aos homens.
Se tiver iniciado o namoro, o rapaz e a rapariga, normalmente depois de se conhecerem sexualmente, combinam uma apresentação em casa dos pais da namorada, como forma de formalizar a intenção (perdoem e redundância). O rapaz, depois de informar a sua intenção aos seus pais, arranja um padrinho, usualmente mais velho que ele, conhecido por “sebueni”, para se deslocarem a casa dos pais da noiva, para a chamada cerimonia de apresentação designada “buhdueia”.
Para esta cerimónia que geralmente decorre a noite, entre 19.00 as 21.00 horas, o rapaz, acompanhado do seu “sebueni”, leva consigo cinco litros de “sura” - uma bebida alcoólica extraída a partir da seiva do coqueiro, e dinheiro numa importância equivalente a 50 meticais, ou escudos no tempo colonial.
A menina tem a obrigação de informar aos pais, por via da mãe, a intenção e o projecto amoroso em edificação. Nessa altura, a apaixonada aproveita anunciar a presença dos “hóspedes” para efeitos de apresentação. Caso os pais consintam, marca-se a data e o noivo aparece.
A chegada, a recepção da encomenda de “sura”, pelos parentes da namorada, é indicador que evidencia o consentimento dos pais face ao pedido da filha.
Desta feita, convidam-se os hóspedes para entrarem e se sentarem, normalmente dentro de casa, a luz de candeeiro, já que energia eléctrica pertence ao passado, com excepção da sede distrital.
A conversa inicia depois do jantar. Aqui, o pai, em representação da família e na presença da mãe e irmãos da “moça”, pergunta-a se conhece ou não o rapaz ora presente. Ela, regra geral, responde positivamente, pois a chegada do rapaz a casa dos futuros sogros tem sido de consenso mútuo dos namorados, sendo raras as vezes que a donzela pode surpreender o namorado com uma recusa.
Como prova de que tudo correu bem e que o rapaz foi aceite, vai-se buscar a “sura”, coloca-se nos copos e os familiares da rapariga partilham, após um brinde que começa com o pai a entornar, ao chão, um pouco da bebida para os espíritos. Nesta ocasião, mesmo sendo oferecido, o noivo deve recusar-se a beber, pois se o fizer, será conotado como bêbado e falta de respeito pelos mais velhos, e isto pode chegar a inviabilizar o projecto matrimonial.
VICTOR MACHIRICA
16 de outubro de 2009
Moçambique: Casamentos tradicionais no Chinde
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MOZ
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Moçambique - Geografia e Natureza