José Craveirinha, poeta moçambicano recentemente falecido, aos 80 anos, é uma das vozes fundadoras da literatura moçambicana. Xigubo(1964) foi o seu primeiro livro, logo apreendido pela PIDE, ao qual se seguiram muitos outros de que se destaca Karingana ua Karingana, Cela 1, Maria. Muito premiado nacional e internacionalmente (prémio Camões em 1991), foi um embaixador da literatura moçambicana no mundo.
A sua poesia canta a revolta, a raiva, o amor, a solidariedade e faz a denúncia frontal da injustiça social e racial, como testemunham estes versos do poema "Grito negro":
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha
Combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.
E canta um ideal de mestiçagem harmoniosa, que de resto o marca biologicamente, filho que foi de pai algarvio branco e de mãe ronga negra, mestiçagem cultural espelhada no poema, "A fraternidade das palavras", que termina assim :
E eis que num espasmo
de harmonia como todas as coisas
palavras rongas e algarvias ganguissam
neste satanhoco papel
e recombinam em poema.
Craveirinha foi um apaixonado pela língua portuguesa que cultivou com exaustivo trabalho e que aprendeu a amar pelos lábios desse pai algarvio, colono pobre, cuja voz grave relembra "recitando Guerra Junqueiro ou Antero", a quem ele dedicou um extraordinário poema intitulado "Ao meu belo pai ex-emigrante", no qual garante:
(...) não esqueço
meu antigo português puro
que me geraste no ventre de uma tombasana
eu mais um novo moçambicano
semiclaro para não ser igual a um branco
qualquer
e seminegro para jamais renegar
um glóbulo que seja dos Zambezes do
meu sangue.
Perdemos, moçambicanos e portugueses, um grande poeta de língua portuguesa. Sugiro a leitura da sua poesia, que está publicada entre nós pela Editorial Caminho, e garanto que terão a confirmação dos seguintes versos seus:
Amigos:
as palavras mesmo estranhas
se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
irmãs.
Descobrirão ou redescobrirão, os que já o leram, uma belíssima poesia nossa irmã.
Acção Socialista - 9/4/2003