3 de novembro de 2013

Ler (José Craveirinha) uma belíssima poesia nossa irmã (Por Isabel Pires de Lima)


José Craveirinha, poeta moçambicano recentemente falecido, aos 80 anos, é uma das vozes fundadoras da literatura moçambicana. Xigubo(1964) foi o seu primeiro livro, logo apreendido pela PIDE, ao qual se seguiram muitos outros de que se destaca Karingana ua Karingana, Cela 1, Maria. Muito premiado nacional e internacionalmente (prémio Camões em 1991), foi um embaixador da literatura moçambicana no mundo.

A sua poesia canta a revolta, a raiva, o amor, a solidariedade e faz a denúncia frontal da injustiça social e racial, como testemunham estes versos do poema "Grito negro":

Eu sou carvão.

Tenho que arder

Queimar tudo com o fogo da minha

Combustão.

Sim!

Eu sou o teu carvão, patrão.

E canta um ideal de mestiçagem harmoniosa, que de resto o marca biologicamente, filho que foi de pai algarvio branco e de mãe ronga negra, mestiçagem cultural espelhada no poema, "A fraternidade das palavras", que termina assim :
E eis que num espasmo

de harmonia como todas as coisas

palavras rongas e algarvias ganguissam

neste satanhoco papel

e recombinam em poema.

Craveirinha foi um apaixonado pela língua portuguesa que cultivou com exaustivo trabalho e que aprendeu a amar pelos lábios desse pai algarvio, colono pobre, cuja voz grave relembra "recitando Guerra Junqueiro ou Antero", a quem ele dedicou um extraordinário poema intitulado "Ao meu belo pai ex-emigrante", no qual garante:

(...) não esqueço

meu antigo português puro

que me geraste no ventre de uma tombasana

eu mais um novo moçambicano

semiclaro para não ser igual a um branco

qualquer

e seminegro para jamais renegar

um glóbulo que seja dos Zambezes do

meu sangue.

Perdemos, moçambicanos e portugueses, um grande poeta de língua portuguesa. Sugiro a leitura da sua poesia, que está publicada entre nós pela Editorial Caminho, e garanto que terão a confirmação dos seguintes versos seus:
Amigos:

as palavras mesmo estranhas

se têm música verdadeira

só precisam de quem as toque

ao mesmo ritmo para serem

irmãs.

Descobrirão ou redescobrirão, os que já o leram, uma belíssima poesia nossa irmã.

Acção Socialista - 9/4/2003