17 de dezembro de 2021

30 de novembro de 2021

Angola: Postais Antigos de Nova Lisboa



 

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Angola: Postais Antigos de Benguela


 

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5 de novembro de 2021

Da folia do Entrudo na Avenida de Angola (por Aldino Muianga, 01/11/2021)



Enquanto o Pablo entretinha-se a esmurrar fantasmas aproximava-se a época do carnaval. Era um momento por que a maioria dos habitantes da cidade e dos subúrbios ansiava. Organizavam-se bailes nos grandes clubes da capital, como nos pavilhões do Sporting e da Malhangalene, sem falar noutras agremiações de não menor estatuto, como o Clube dos Engraxadores, o Centro Associativo, a Casa do Porto, a Associação de Auxílios Mútuos Gazense e a Casa dos Funcionários. Era, enfim, mais um pretexto para novos convívios e outras confraternizações.

Outros não iriam aos clubes, mas aglomerar-se-iam nos passeios da Avenida de Angola que, nessa época, se engalanava para receber forasteiros provenientes doutros bairros.

Os passeios e os terrenos adjacentes à Avenida de Angola ainda acusavam a severidade das chuvas recém-caídas. O chão acusava aqui e ali algumas poças de água que o calor de um sol tímido procurava secar.

O baile da pinhata no pavilhão do Sporting foi o toque de chamada ao início das festividades.

Naquele sábado de carnaval era só ver cortejos de gente, compactos  e alegremente ruidosos a despontarem de todos os caminhos em direcção ao bairro Indígena que, curiosamente, se transformara no epicentro das celebrações. Era a sacristia onde muitos iriam tributar a sua homenagem à amizade, onde iriam iniciar-se novos relacionamentos. Foliões trajados de coloridas vestimentas passeavam a sua classe nas pistas do areal. Uns vestiam-se palhaços, de almirantes-marinheiros a navegar em docas secas; piratas de espadachins de madeira e chapéus caprichosos a dar tréguas aos marinheiros de mar alto;  de diabos que desceram à  terra  em missão de justiça. Outros tinham os rostos ocultos por máscaras; eram Zorros elegantes e corajosos, Mandrakes prestidigitadores de varinha mágica e cartola para transformar o destino dos mortais; outros ainda coloriam as peles com aguarelas multicores, arco-íris  ambulantes a colorir a tarde de festa. Outros mais, sem as mesmas porque já nada tinham para esconder ou imitar. Todos; porém, presentes na roda partilha da alegria comum dum tagarelar descontraído, de trocar historietas do quotidiano, ao encontro dalgum elo de unidade entre os residentes dos diferentes bairros. Camiões  cedidos à borla pelos cantineiros _o tempo era de generosidade, e também o orgulho do seu bairro em competição com os demais_ carregavam grupos de foliões, bandas musicais de ocasião muito ruidosos, e cantores de vozes sofrivelmente timbradas, mas nem por isso menos alegres, espalhavam notas de canções ensaiadas durante meses para abrilhantar a festa. Sobre a bagageira do camião cedido pelo cantineiro Suzarte, a rolar lento no asfalto, o grupo da Mafalala, do qual se destacavam o vocalista  “Bode” Mordicai que, com aquela voz de caprino muito característica, alucinava as multidões; o Antoninho “Gaita” na harmónica de boca, o Habibo “Gargalhada” no tamborete, o Hassane “Esqueleto Humano” no pandeiro, o Gulamo “Coiote” no violão e, finalmente, o guitarrista-mor Salimo “Makhôfu”, executava o sempre presente hino dos carnavais:

22 de outubro de 2021

Timor-Leste: Postais Antigos

 


Guiné-Bissau: Postais Antigos

 



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Cabo Verde: Postais Antigos

 



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Índia - Nova Goa: Postais Antigos

 


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Macau: Postais Antigos

 


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São Tomé e Príncipe: Postais Antigos

 



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15 de outubro de 2021

"Salazar sabia manobrar as pessoas, o meu pai não tinha essa habilidade"

Foto Sol.sapo.pt

Numa conversa com José António Saraiva, autor de um livro recente sobre Marcello Caetano, o filho do último primeiro-ministro do Estado Novo recorda alguns episódios marcantes da vida familiar, como a doença da mãe ou o que o pai lhe disse quando avançou para a sucessão a Salazar. Na próxima semana, a segunda parte do trabalho versará sobre a guerra colonial, a revolução e a vida de Caetano no Brasil.

por José António Saraiva e José Cabrita Saraiva

Entre os muitos emails que recebeu com comentários a Caetano - O Drama do Político Obrigado a ter Duas Faces (ed. Gradiva), o último volume da trilogia que dedicou à queda do Estado Novo, houve um que mereceu a José António Saraiva particular atenção.

«Li o livro com o mesmo interesse e agrado com que tinha lido os dois anteriores, embora a época me recorde sempre os tristes dias do fim da vida política do meu Pai», dizia a mensagem, que era acompanhada por anotações reveladoras de um conhecimento detalhado e profundo daquela época.

O remetente do email era Miguel Caetano, um dos quatro filhos do último primeiro-ministro do Estado Novo.

15 de setembro de 2021

Destruir o Padrão dos Descobrimentos é um disparate (António Cardoso)

Destruir o Padrão dos Descobrimentos, por ser um “monumento ditatorial”, seria um crime lesa-Pátria

O Deputado do Partido Socialista, Ascenso Simões expressou na comunicação social, que o Padrão dos Descobrimentos deveria ser demolido, enquanto “monumento do regime ditatorial”. O país ficou escandalizado, com tamanha besteira, proferida por um alto Representante da Nação!

Durante vários anos, fui seu colega de bancada, na Assembleia da República, onde pude constatar a inteligência das suas intervenções parlamentares, pelo que fiquei estupefacto e preocupado com as considerações feitas sobre a sobre um monumento que marca no passado, a presença imperial de Portugal nas colónias ultramarinas. Como era esperado, gerou-se uma onda de indignação, com natural mal-estar, envolto em reações de profunda rejeição, considerando essas considerações vergonhosamente infames à nossa história.

O Senhor Deputado Ascenso Simões, como representante dos portugueses, foi longe demais ao classificar o Padrão dos Descobrimentos, como um "mamarracho", que num país respeitável, devia ter sido destruído. Classificar o Padrão dos Descobrimentos, como um mamarracho, é uma opinião pessoal discutível por mais bizarra e infeliz que a possamos considerar. Agora, propor a destruição de um património histórico edificado, é uma ideia pré-histórica, que envergonha a história de Portugal, país moderno, civilizado e orgulhoso do seu passado.

Ao ser citada por um alto responsável político, pode perigosamente ser comparada como uma “regressão civilizacional”, semelhante às invasões muçulmanas do século VI, que levaram a arrasar edifícios públicos e religiosos em Mérida, depois da queda do Império romano cuja motivação foi o “fanatismo religioso”.Já agora, a mesma motivação levourecentemente, no final do século XX, as milícias islâmicas Taliban, a dinamitar a cabeça da estátua de um Buda, com cerca de 55 metros de altura, depois de ter já destruído outras estátuas património histórico, alusivas à religião budista, no Iraque. Estas antigas esculturas de arenito, de um valor histórico incalculável, datadas do século VI, chocaram o mundo, ao serem destruídas, abrindo um precedente de vandalismo sobre muitas outras antiguidades iraquianas, pelo mesmo autodeterminado “Estado Islâmico”, que recorreram ao terror para mostrar poder, amedrontando populações, cuja motivação foi o “fanatismo religioso”.C WORLD SERVICE

Na onda destes chocantes episódios de destruição de símbolos históricos, marcas negras na história da humanidade, só faltava que Ascenso Simões, por “motivação política”, defendesse a demolição de um monumento edificado no centro da capital, dedicado ao Marquês de Pombal, figura marcante do século XVIII, considerado por muitos como um governante ditatorial sanguinário!

Feita esta introdução, apesar do estado de pandemia que o país atravessa, não podemos ficar indiferentes aos efeitos desencadeados por esta aberrante declaração política, sem condenar este lamentável incidente, cujas repercussões públicas, só servem para fortalecer os extremismos dos movimentos radicais. Mais, a proliferação de casos semelhantes, traduzem casos perigosos que estão a enlamear a opinião pública, como estão a ser as recentes declarações prestadas por responsáveis políticos, que afirmam que “temos democracia a mais”, ou que “o país está amordaçado”, etc. casos que devem ser repudiados com a nossa maior indignação.

Portugal assiste a movimentos perigosos, que só podem ser neutralizados através de ações de valorização da cidadania, que honrem orgulhosamente a herança que recebemos dos nossos antepassados, que tudo fizeram por engrandecer Portugal.

Quer seja a nível nacional ou local, temos que preservar a identidade das nossas gentes, usos e costumes das nossas terras, valorizar o nosso património histórico e cultural. Temos que ser combatentes activos de defesa e afirmação do nosso passado, rejeitando as tentativas de destruição das referências identitárias de um povo.

A preservação histórica de lugares, caminhos, mamoas, pegadinhas, espigueiros, crastos, alminhas, parques florestais, nascentes, rios, açudes, moinhos, caminhos de cabras, florestas, montanhas, fauna, flora, usos e costumes, tradições, (folclore, dança, música), desporto, histórias, lendas etc. são referências da identidade de uma comunidade que fazem a sua história!… 

Resumindo, devemos repudiar todos aqueles que atentam contra o nosso património histórico, legado deixado pelos nossos avós, que deve ser preservado de forma intocável e imortal.

Fonte: Correio da Feira, 29 Março 2021

Padrão dos Descobrimentos. A nau da discórdia (Maria João Martins)

Construído em materiais perecíveis em 1940, para a Exposição do Mundo Português, o Padrão dos Descobrimentos tornou-se parte da paisagem ribeirinha de Belém em 1960. O deputado Ascenso Simões "envolveu-o" numa polémica.

Teve imponência e beleza a cerimónia de inauguração do Monumento dos Descobrimentos", lia-se na primeira página do Diário de Notícias de 10 de agosto de 1960. "Os chefes de Estado do Brasil e de Portugal, os ministros e embaixadores estrangeiros", continuava o repórter no local, "os chefes de missões especiais, todas as entidades que se deslocaram ao nosso país para assistir ao ciclo maior das comemorações, assim como os membros do governo e as mais altas entidades, assistiram à cerimónia inaugural do Padrão dos Descobrimentos, na Praça do Império defronte do Tejo."

Momento alto das comemorações do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, que passaram ainda pela realização de congressos internacionais e o lançamento de várias edições de luxo, a data da inauguração do monumento fora escolhida em função da visita de Estado do Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek (que ocupou o cargo entre 1956 e 1961). Chamado, como impunha o protocolo, a discursar na cerimónia, Kubitschek diria ser "o mar a base da glória de Portugal", mas não deixava de frisar: "Exaltamos os nossos heróis pretéritos, não declinamos porém, do dever de participar dos eventos do nosso tempo."

Com esta caravela estilizada, levando à proa o infante D. Henrique, o grande patrono das viagens de descoberta que pessoalmente nunca foi mais longe do que Tânger, o governo atribuía caráter definitivo, através do betão e da cantaria de pedra rosal de Leiria, ao monumento em gesso e outros materiais perecíveis que, 20 anos antes, integrara a Exposição do Mundo Português. No final dos anos 1930, o monumento começou a ser pensado pelo arquiteto (mas também realizador de cinema, figurinista e até autor de banda desenhada) Cottinelli Telmo como uma homenagem ao infante D. Henrique, na sequência de vários projetos e concursos idealizados para Sagres, sem que nenhum chegasse a ser construído. Por ocasião da Exposição do Mundo Português - de que Cottinelli Telmo foi arquiteto-chefe -, esta intenção daria lugar ao Padrão dos Descobrimentos, celebrando não apenas o infante mas também outras grandes figuras dos Descobrimentos esculpidas por Leopoldo de Almeida (ao todo, são 35): entre outras, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias, Diogo Cão, o infante D. Pedro, Filipa de Lencastre, Camões, Gil Eanes ou Nuno Gonçalves.

Segundo Leitão de Barros, realizador de cinema, mas também cenógrafo e cunhado de Cottinelli Telmo, tudo teria nascido numa das visitas de Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas, ao ateliê do arquiteto e de uma sugestão do próprio Leitão de Barros, que anos depois evocaria o momento na revista Turismo: "Acho que é uma "Exposição dos Portugueses", que foram ao mundo inteiro - resmunguei eu. Tem muitos palácios, muitos pavilhões parados, muitas relíquias... Mas falta-lhe o sentido de PARTIDA! É estática, vertical, terrestre. Ao contrário, eu quereria alguma coisa que desse a sensação de deslocação, de movimento, de arranque para a aventura. Mais D. Henrique - e menos para o seu homónimo D. Duarte"...

Erguido em oito meses, o Padrão foi considerado uma peça emblemática da Exposição do Mundo Português, e foi amplamente elogiado por críticos de vários quadrantes estéticos e políticos como Fernando de Pamplona, na revista Ocidente, a Costa Lima, na Brotéria, ou mesmo por Adriano de Gusmão no jornal O Diabo, que já nessa ocasião desejou, como outros, vê-lo "para sempre transposto para o mármore ou granito". Esclareça-se que O Diabo, que teve diretores como o escritor Ferreira de Castro, era um jornal tão pouco alinhado com o regime que viria a ser definitivamente encerrado pelo governo em dezembro desse ano de 1940.

O caráter provisório desse primeiro padrão ditou a sua remoção do local em 1943. Em 1959, quando se decidiu a reconstrução, Cottinelli Telmo já tinha morrido (aos 50 anos, em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas no mar de Cascais) e a conceção da obra foi entregue a Pardal Monteiro, que voltaria a chamar Leopoldo de Almeida para assumir a estatuária. Tinham passado 20 anos, o mundo mudara, as vanguardas artísticas também, e as reações já não seriam tão unânimes como em 1940. Apontava-se, antes de qualquer outra coisa, o classicismo desusado das figuras representadas.

Completado o conjunto com um painel em mosaico no chão fronteiro à entrada do Padrão, com uma rosa-dos-ventos de 50 metros de diâmetro, oferecido pela África do Sul a Portugal, o interior do monumento seria intervencionado, em 1985, já em democracia, quando se transformou em Centro Cultural das Descobertas, dotado de um programa de animação cultural. Hoje (ou melhor, antes que a pandemia ditasse a todos, turistas e residentes, uma brutal mudança de comportamentos), o Padrão dos Descobrimentos é, até pela paisagem que se divisa do seu topo, um dos monumentos mais visitados de Lisboa. Segundo dados da EGEAC (empresa municipal que gere o espaço), em 2019 o Padrão recebeu 309 159 visitantes, 90% dos quais turistas estrangeiros.

A polémica frase de Ascenso Simões

O Padrão dos Descobrimentos foi nesta semana envolvido numa polémica provocada por um artigo de opinião do deputado Ascenso Simões que, no Público, escreveu que este monumento, tal como os brasões florais na Praça do Império, também poderia ser destruído: "Mesmo o Padrão, num país respeitável devia ter sido destruído." Foi o suficiente para desencadear uma polémica entre direita e esquerda.

Fonte: Diário de Notícias, 25 Fevereiro 2021

Deputado do PS defende demolição do Padrão dos Descobrimentos (Rita Dinis)

Deputado defende que as "revoluções servem para fazer cortes" e sugere que "devia ter havido sangue" no 25 de abril. Não é literal, diz ao Observador. Mas demolição do Padrão dos Descobrimentos sim.

Quando, esta semana, o Parlamento aprovou um voto de pesar pela morte do tenente-coronel Marcelino da Mata, Ascenso Simões (e outros dois deputados do PS) votou contra, contrariando o sentido de voto indicado pela sua bancada. Um dia depois, num artigo publicado no jornal Público, defendeu que “o país esquece rápido o seu passado” e que, nesse sentido, o Padrão dos Descobrimentos “devia ter sido destruído”. Mais: no 25 de Abril “devia ter havido sangue, devia ter havido mortos”.

Ao Observador, o deputado socialista explica que não foi literal quando escreveu que “devia ter havido mortos” no 25 de Abril, mas sim “simbólico”. “Não se trata de mortos físicos nem de sangue derramado nas ruas, mas de cortes epistemológicos. Cortes verdadeiros do ponto de vista da política, da transformação da sociedade”, diz. Quanto ao Padrão dos Descobrimentos, mantém o que disse: da mesma forma que estátuas foram derrubadas e que a ponte Salazar mudou de nome para ponte 25 de Abril, também o Padrão devia ser destruído enquanto “monumento do regime ditatorial” que é.

“Quando não temos leitura da história achamos que a normalidade é passar por um qualquer momento sem nos questionarmos. Mas se nos questionássemos, enquanto sociedade, perguntaríamos porque é que não derrubamos aquele que é um dos grandes monumentos do regime ditatorial”, diz em declarações ao Observador, afirmando que as revoluções servem para “fazer cortes” e que, nesse sentido, o 25 de Abril não “fez os cortes suficientes para limpar da nossa memória elementos que são danosos da construção de uma democracia plena”.

No artigo publicado no jornal Público, Ascenso Simões afirma que, “em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz na construção de uma história privativa, garantindo, até hoje, a perenidade dos mitos do desígnio português, dos descobrimentos, ou do império”. Mas, no entender do deputado socialista, não existiu império nenhum. Esse império foi apenas uma construção do salazarismo e, mantendo de pé monumentos como o Padrão dos Descobrimentos, faz com que essa construção permaneça viva.

“Falta o conhecimento da história. Falta perceber verdadeiramente que não tivemos império nenhum. Que os tempos que vivemos desde o século XV até ao 25 e Abril foram tempos de grande instabilidade que nunca consolidaram império nenhum, mas esse império que está na nossa cabeça é o império salazarista. É uma construção simbólica do império salazarista”, diz o deputado ao Observador, sublinhando que ao fim de 40 anos de democracia ainda “não nos queremos confrontar com o passado” e que a primeira vez que a Constituição da República Portuguesa fala de império é a Constituição de 1933, a “Constituição Salazarista”.

Sobre a morte de Marcelino da Mata, o deputado socialista — que se opôs a que o PS votasse a favor de um voto de pesar — afirma que as condecorações de Marcelino da Mata que “serviram para aprovar um voto de pesar pela sua morte” não são mais do que “cruzes de ferro da nossa doméstica vida das décadas de 1960 e 1970”. “O ser humano, todo ele, merece o maior respeito na morte. Porém, são os que se aproveitaram e aproveitam de Mata, do seu passado e das suas medalhas fascistas, quem o desrespeita, quem lhe nega a paz eterna como salvação do seu passado abusador”, afirma.

Fonte: Observador, 2021/02/19

Gorongosa, lugar do silêncio (Ana Cristina Pereira)


Dias de deslumbre no Parque Nacional da Gorongosa, que já foi o palco de um dos mais sangrentos cenários de Moçambique. 

Populações inteiras de animais selvagens quase desaparam. Agora, recupera o fulgor.

O homem magro, de testa enrugada, não largava a espingarda. Nem quando se encostava a um canto e apoiava a cabeça no braço direito. Dir-se-ia que se esforçava para manter os olhos abertos, mas não deixava de captar tudo o que se passava em volta. Também "vê" com os ouvidos e com o nariz. Mesmo à noite cerrada, percebe-se a proximidade de uma manada de búfalos silenciosos.

Não é que Njinga desvalorize os riscos. É que conhece bem a fauna bravia do Parque Nacional da Gorongosa. Refugiou-se aqui da guerra civil de Moçambique. Comia raízes, frutos silvestres, carne de ratazana, cágado, inhala, piva, impala. "Não comia massa. Só coisas do mato. Tinha uma roupa caducada. As pessoas deitavam fora. A gente apanhava no rio, levava, cosia, punha. Só à frente. Atrás ficava sem nada."

Há qualquer coisa de esmagador numa extensa zona que a humanidade visita, mas não ocupa. É o "meio do nada". O lugar do silêncio, de quando em quando cortado por um vozear estranho - o rosnar de um leão, o grasnar de uma águia, o bramir de uma impala, o mugir de um búfalo, o chorar de um crocodilo, o trombetear de um elefante , o grunhido de um porco do mato ou o guincho de um macaco.

Dispenso, de muitíssimo bom grado, o silvar de qualquer cobra e o zunido de qualquer mosquito. Fora isso, paz.

Saíramos cedo do acampamento sazonal montado no centro do parque. Era uma daquelas manhãs luminosas que abrem a estação seca. Do jipe, seguindo a picada, víramos cudo, pala-pala, inhala e outros antílopes que não fogem mas que se afastam ao ouvir o ronco do motor, como se quisessem salvaguardar como devidas distâncias do mais perigoso bicho. De súbito, leões a acasalar. Deixámo-nos estar, talvez uma hora, a observá-los.

Não sei como seria a Gorongosa antes de, "menino e moço", Njinga ter sido levado da palhota de seus pais e forçado a pegar numa arma. Posso ter uma ideia, por exemplo, lendo o que sobre ela escreveu, na sua Ronda de África, Henrique Galvão, em 1948: "Em todos os percursos [se podem] admirar as multidões de antílopes em corrida ou em alertas estatuários, as manadas portentosas de búfalos, as fugas destrambelhadas dos macacos, as galopadas das zebras - e, com frequência, levantar leões das suas camas, surpreender leopardos, ouvir os elefantes na sua faina de lenhadores e ver os hipopótamos em concentração que é decerto a mais densa e numerosa do mundo. "

aquele tempo, o extremo sul do Grande Vale do Rift Africano não era bem um éden de vida selvagem. A Gorongosa começou por ser uma reserva de caça de administradores da Companhia de Moçambique. Em 1941, finda a concessão, o Governo colonial tentou banir as caçadas e criar uma estância turística. Só em 1960 a parque nacional. No final dos anos 1960, a equipa do ecologista sul-africano Kenneth Tinley fez a primeira contagem aérea: 200 leões, 2200 elefantes, 14 mil búfalos, 5500 bois-cavalos, três mil zebras, 3500 pivas, duas mil impalas, 3500 hipopótamos.

À Gorongosa vinha gente de muito lado. Não só pela quantidade de animais. Também pela beleza paisagística. José Maria d "Eça de Queiroz, neto do escritor maior, registou-a quando a visitou em 1964." A Gorongosa é como o mar: sempre igual e sempre diferente. Existem centenas de éguas no mar; na Gorongosa a estepe tem uma centena de estepes e a savana uma centena de savanas. "

Depois, escolhido como guerras. A primeira, a da independência, poupou a reserva; uma segunda, uma civil, não.

12 de agosto de 2021

Shaka Zulu: Pai fundador da nação zulu (por Thuso Khumalo, rl)

 

Muito se tem dito sobre Shaka Zulu. Quando se trata de separar factos da ficção, o historiador Maxwell Zakhele Shamase é uma referência, uma vez que está a escrever um livro sobre ele, juntamente com Mthandeni Patrick Mbatha. A DW falou com ele.

DW: Porquê escrever um livro sobre Shaka Zulu?

Maxwell Shamase (MS): Há muito poucos artigos escritos sobre o Rei Shaka da perspetiva africana. E algumas das coisas escritas por não-africanos são factualmente incorretas. Queremos contar a história a partir de uma posição africana.

DW: Como descreveria o Rei Shaka?

MS: Antes do nascimento de Shaka, uma profetisa chamada Sithayi disse que iria "nascer uma criança que traria uma nova ordem e uma nova nação". Ele era um génio militar em África. Era um construtor de nações e não um assassino sedento de sangue. Ele não era um assassino impiedoso.

DW: Quando e onde nasceu Shaka?

MS: Shaka nasceu em julho de 1787 entre o povo eLangeni, de onde a sua mãe era originária.

DW: De onde vem o seu nome?

MS: Shaka Zulu era filho do Príncipe Senzangakhona e da Princesa Nandi da família real Mhlongo, que vivia em eLangeni. O nome Shaka era originário de uma doença chamada "ishaka", que provocava dor, preguiça e inchaço nos corpos das mulheres. Quando a sua mãe, que na altura não era casada, engravidou, as pessoas pensavam que ela estava com ishaka. Foi assim que Shaka recebeu este nome. Ele chamava-se Shaka kaSenzangakhona - Senzangakhona era o seu pai.

DW: Será que o pai de Shaka, Senzangakhona, aceitou a sua paternidade?

MS: Ele tentou negá-la porque tinha medo do pai, o rei Zulu. Senzangakhona era o possível herdeiro do trono e, naquele tempo engravidar uma rapariga antes do casamento era uma vergonha, que podia tirar-lhe o direito à ascensão ao trono. Mas Senzangakhona pagou o dote à família da Princesa Nandi, o que permitiu que esta se mudasse para a casa da família de Senzangakhona.

DW: A união dos dois não foi longa, tendo Senzangakhona expulsado Nandi e Shaka da sua casa. O que aconteceu?

MS: Nandi era arrogante e estava constantemente a dar ordens a todos. Por isso, a relação deles era atribulada. Como não aguentava mais, Senzangakhona expulsou-a juntamente com o filho, Shaka. Posteriormente, Nandi conheceu Ngwati, por quem se apaixonou. Os dois ficaram juntos e tiveram mais uma filha.

DW: Como é que Shaka chegou ao exército de Mthethwa?

MS: Após a morte de Ngwati, Nandi e os seus dois filhos foram levados pelo rei Mthethwa Dingiswayo. Graças à sua inteligência e coragem, não demorou muito até ser recrutado como guerreiro para se juntar ao regimento de Izicwe.

Arqueólogos encontram uma cidade perdida na África do Sul


O que se pensava ser uma dispersão de antigas cabanas de pedra nos arredores de Joanesburgo, África do Sul, afinal, eram os restos de uma cidade próspera, perdida na história durante 200 anos.

Entre a vegetação, não há muito para ver a olho nu. Mas, depois de três décadas de investigação cuidadosa, arqueólogos na África do Sul encontraram uma cidade perdida durante séculos nos arredores de Joanesburgo.

Com recurso a tecnologia de laser chamada “Lidar”, o sítio arqueológico foi revelado como o que é realmente: uma verdadeira metrópole, composta por centenas de habitações e redes comerciais.

O estudo trouxe esta cidade, chamada Kweneng, de volta à vida. Atualmente é o lar de um grupo étnico que fala Tswana, mas acredita-se que as 800 propriedades de Kweneng tenham abrigado nada menos que dez mil pessoas.

“Isto significa que preenchemos uma enorme lacuna histórica, especialmente para a África Austral, porque sabemos que a história pré-colonial da África Austral não tem registo escrito”, explica Fern Imbali Sixwanha, um arqueólogo da Universidade de Witwatersrand. “Estamos a começar a preencher as lacunas usando a tecnologia LIDAR.”

Esta é a mesma tecnologia com a qual os cientistas localizaram uma antiga megalópole Maia no início do ano passado. Hoje, está a ajudar a preencher um enorme ponto cego histórico na África Austral.

Com milhões de pulsos de luz dos laser nas encostas ocidentais mais baixas das colinas de Suikerbosrand, perto de Joanesburgo, os investigadores puderam virtualmente “ver” através de toda a vegetação e noções preconcebidas que fizeram com essa cidade ficasse perdida e esquecida.

Estudos revelam agora que Kweneng, que se estendia por cerca de 20 quilómetros quadrados, estava no seu auge entre os séculos XV e XIX. E, no seu auge, os investigadores acreditam que tenha sido uma cidade rica e próspera.

Vários pares de paredes de rocha paralelas sugerem que havia inúmeras passagens para a cidade, muitas das quais se parecem com caminhos de gado, construídos para as vacas e outros animais em algumas partes da cidade.

No meio de Kweneng, permanecem restos de dois recintos maciços, que juntos ocupam um espaço estimado em dez mil metros quadrados. Arqueólogos pensam que estes podem ter sido recintos que abrigavam quase mil cabeças de gado.

Mas, assim como muitas outras cidades Tswana, acredita-se que esta também tenha caído em declínio após a agitação civil. Longe estão os cidadãos, as torres de pedra, as propriedades, o gado, a riqueza. Graças à tecnologia LIDAR, no entanto, a história continuará viva.


Fonte: ZAP, 5 Fevereiro 2019

Portugal: Igreja em Tomar pode ter sido o “Vaticano” dos Templários


O historiador Paulo Alexandre Loução diz que a Igreja de Santa Maria do Olival, em Tomar, pode ter sido uma espécie de “Vaticano” da Ordem dos Templários.

A Igreja de Santa Maria do Olival, em Tomar, pode ter sido um local de grande importância para a Ordem dos Templários. O historiador Paulo Alexandre Loução diz mesmo que pode ter sido “o lugar mais importante para os Templários em Portugal”, equivalente ao Vaticano para os católicos.

A igreja foi mandada construir pelo cavaleiro Gualdim Pais, no século XIII, para servir de panteão da Ordem Templária, escreve o Diário de Notícias.

“Aqui se faziam rituais fúnebres e talvez rituais iniciáticos dos Templários“, explicou o historiador numa reportagem da BBC. Loução referiu, por exemplo, a Estrela de Cinco Pontas da igreja, que conduz à ideia de “elevação do espírito humano”.

“Na minha interpretação simboliza o regresso ao útero – a ideia de que o cavaleiro na sua iniciação regressa ao útero da terra para renascer espiritualmente”, acrescentou.

Os Templários foram uma ordem militar de Cavalaria, tendo sido fundada no rescaldo da Primeira Cruzada de 1096, com o propósito original de proteger os cristãos que voltaram a fazer a peregrinação a Jerusalém após a sua conquista. O súbito desaparecimento da maior parte da infraestrutura europeia da Ordem deu origem a especulações e lendas que mantêm o nome dos Templários vivo até aos dias de hoje.

“Tomar torna-se o centro eclesiástico de todas as igrejas cristãs que se vão edificando além-mar e a igreja sede de todas essas igrejas é a Igreja de Santa Maria do Olival”, salientou o historiador. O próprio Infante Dom Henrique de Avis era um Templário, cujo papel foi determinante nos Descobrimentos.


Fonte: ZAP -31 Julho, 2020


20 de julho de 2021

Trilogia da Contestação: Bispo de Quelimane Dom Manuel Vieira Pinto (Por Jorge Ferrão 04 de Maio 2020)


Dom Manuel Viera Pinto foi alguém que nos habitou às múltiplas despedidas, tantas foram as vezes que partiu e regressou. Quando recebi a notícia do final da sua missão, ainda consternado, tratei de ligar ao Padre Filipe Couto e, acto continuo, conversamos sobre um sem número de facetas e episódios. 

Uma trilogia de memórias me vem à cabeça, sempre que falamos no Bispo Dom Manuel Viera Pinto, que nos deixa uma saudade e o sentido de que a sua missão está distante do final.

Primeiro, quando foi expulso de Nampula, ali no aeroporto, bem próximo de sua residência, em 1974, afirmando para os microfones da rádio “…saiu pela porta grande e com as minhas malas, todavia, quem me expulsou, sairia pela janela e sem nada em suas mãos…”. Não foi apenas uma saga, pois, meses depois se confirmava o que antes parecia sonho.

A minha geração ainda teve o privilégio de escutar muitas das homilias. Falava com sentido de oportunidade e de forma convincente. Repetia, bem alto e em bom tom, que gostaria de morrer em Nampula e de ser sepultado à entrada da Sé Catedral, para continuar próximo de seus fiéis. 

Em segundo lugar, me recordo da famosa carta dele e dos sacerdotes da sua diocese, sob o título "Imperativo de Consciência", que eu nunca cheguei a ler, aparentemente redigida pelos padres Combonianos, um documento demasiado famoso para ser ignorado, em contexto moçambicano. Aliás, essa carta não agradou ao Governo de Marcelo Caetano, ao exigir uma resposta corajosa aos problemas graves do povo moçambicano. 

Finalmente, a carta que Dom Manuel Viera Pinto escreveu a Samora Machel, em Setembro de 1986, um mês antes do factício acidente que o roubou do nosso convívio. Esta carta, aliás, merece uma releitura.  Samora e Vieira Pinto conversavam e debatiam este país com profundidade e respeito. Assim, com a devida vénia, transcrevo à carta. Oxalá, um dia o seu maior desejo em vida, seja satisfeito e regresse à sua cidade de coração, Nampula. 

O povo não sabe onde pôr o coração

A confiança que Vossa Excelência nos merece, como Presidente da Frelimo e da República Popular de Moçambique, leva-nos a falar, mais uma vez, das violências que não cessam de humilhar e destruir o nosso povo. A guerra continua e com ela a violência, a humilhação, os abusos, os excessos, as atrocidades e os crimes. Permita-nos, Senhor Presidente, que falemos, concretamente, das violências que, neste momento, mais humilham e esmagam o nosso Povo, mais destroem o país e o encobrem de vergonha e de sangue: os massacres, as execuções sumárias, os assassinatos, as n.... e as torturas.

“D. Manuel Vieira Pinto Arcebispo de Nampula – Cristianismo: Política e Mística” (Guilherme d’Oliveira Martins)

 



O livro de Anselmo Borges (Edições Asa, 1992) é uma obra que espelha a ação de uma das maiores figuras da Igreja portuguesa contemporânea, com uma extraordinária coerência entre a palavra, o espírito e a ação.

CUIDAR DE UM MUNDO MELHOR

Muitos de nós começámos a ouvir falar do Padre Vieira Pinto a propósito dos encontros do Movimento por um Mundo Melhor (MMM) e da sua capacidade de mobilizar os cristãos portugueses, desejosos de verem horizontes abertos. Era o espírito do Concílio que estava a germinar e o carisma do Padre Manuel era capaz de tornar os sinais dos tempos marcas efetivas de mudança… Nascido em Amarante em 1923 foi ordenado presbítero no Porto em 1949, tendo sido assistente da Ação Católica, diretor espiritual do Seminário Diocesano no Porto, além de ter desempenhado funções nas paróquias de Campanhã e Cedofeita. Envolvido no MMM, visita Roma em 1960 e na sequência do Concílio Vaticano II, participa com o Padre Vítor Feytor Pinto num conjunto de ações no sentido da renovação da Igreja. A renovação da vida cristã, a leitura dos sinais dos tempos, o lançamento de estratégias que favorecessem a mudança e a conversão, bem como a promoção da justiça social, a paz e a reconciliação entre os povos e nações constituíram prioridades defendidas pelo Padre Riccardo Lombardi, S.J., fundador em 1952 do Movimento. A teologia do Concílio constituiu um corolário lógico desse espírito e um exigente desafio em que o então jovem sacerdote se envolveu com muito entusiasmo e com uma especial preocupação teológica e pastoral. E assim impulsionou em Portugal esse movimento e essa motivação. E muitos recordam a sua grande capacidade mobilizadora no sentido de uma Evangelização renovada e aprofundada, na linha da “Gaudium et Spes” e da “Lumen Gentium” – em iniciativas que ficaram na memória de todos no Pavilhão dos Desportos em Lisboa e no Palácio de Cristal no Porto. O Povo de Deus não era uma abstração, era um apelo concreto, para tornar o mundo melhor, com mais atenção e cuidado, mais justiça e paz. Em abril de 1967, o Papa Paulo VI nomeou-o Bispo da nova Diocese de Nampula, tendo recebido a ordenação episcopal no dia 29 de junho desse ano, festividade de S. Pedro.

Moçambique: A Carta de D. Manuel Vieira Pinto que Samora Machel não leu

 


Samora Machel e Manuel Vieira Pinto fazem parte da História de Moçambique. O primeiro foi o líder incontestável líder que conduziu o país à independência tornando-se no primeiro presidente durante 11 anos. O segundo foi o único bispo português que se insurgiu pública e abertamente contra a dominação colonial, pronunciando-se, em coerência, pela autodeterminação do povo moçambicano o que lhe custou a expulsão, dias antes do 25 de Abril. Nos 11 anos de independência, as relações entre o Estado e a Igreja estiveram longe de ser as melhores. Apesar disso, Vieira Pinto e Samora Machel nutriam uma sincera admiração e respeito um pelo outro. Eles procuravam manter encontros pessoais. Em 25 de Setembro de 1986, Manuel Vieira Pinto escreveu a carta que não chegaria ao destinatário, em virtude deste morrer (19 de Outubro) antes de a receber, num encontro a dois. Era um inventário frontal das inúmeras situações provocadas pela guerra provocadas pelos dois lados e do apontar dos caminhos julgados mais eficazes para a obtenção da paz.

Eis o conteúdo da carta:

O Povo não sabe onde pôr o coração.

A confiança que Vossa Excelência nos merece, como Presidente da Frelimo e da República Popular de Moçambique, leva-nos a falar, mais uma vez, das violências que não cessam de humilhar e destruir o nosso povo. A guerra continua e com ela a violência, a humilhação, os abusos, os excessos, as atrocidades e os crimes. Permita-nos, Senhor Presidente, que falemos, concretamente, das violências que, neste momento, mais humilham e esmagam o nosso Povo, mais destroem o país e o encobre de vergonha e de sangue: os massacres, as execuções sumárias, os assassinatos, e as torturas.

Massacres:

As informações de que dispomos dizem-nos que os massacres, cometidos por uns e por outros, não são um boato ou uma pura invenção, mas, sim, uma triste e dolorosa realidade. Sabemos que ao longo destes anos de guerra, os massacres de pessoas e de populações inocentes e indefesas foram muitos, contando-se por milhares, o número de vítimas: homens, mulheres, velhos e crianças, jovens e adolescentes, mães lactantes e mães grávidas. O povo pergunta pelas razões destes crimes, destes actos executados, e pergunta igualmente por quem os comete ou manda cometer. Julgamos que não basta responder com a desculpa de que a guerra é guerra ou de que na guerra não há lei, nem há moral.

O povo entende que na guerra há uma inelutável irracionalidade congénita, o que necessariamente dá origem a abusos e a violências arbitrárias. O povo entende que a irresponsabilidade, a indisciplina, o descontrolo, o espírito de represália e de vingança podem tornar, num dado momento, os homens armados em homens ferozes, homens sem lei e sem um mínimo de respeito pela vida, pela dignidade da pessoa humana e pela segurança a que as populações têm inegável direito, mas, bastarão estas razões para explicar os numerosos massacres, cometidos contra pessoas inocentes, populações indefesas e contra o próprio Povo? Não haverá outras causas, além da lógica diabólica da guerra e da irresponsabilidade de quem os comete, permite ou manda cometer?

10 de junho de 2021

Moçambique: Mouzinho, herói em Chaimite

 


Mouzinho de Albuquerque escreveu uma página de ouro na história de Portugal. À frente de um punhado de soldados, penetrou no reduto da revolta anti-lusitana e capturou o imperador vátua, Gungunhana. Enquanto o “Leão de Gaza” era levado preso para Lisboa, o herói concluía a pacificação de Moçambique.

Apesar da cedência do Governo ao humilhante Ultimato britânico de 1890, que impusera a retirada do nosso país dos territórios entre Angola e Moçambique incluídos no chamado Mapa Cor-de-Rosa, os ingleses continuaram a manobrar contra a presença portuguesa na África Oriental.

Em 1894-1895, agentes britânicos baseados na África do Sul incentivaram – e financiaram – a revolta dos vátuas, indígenas do sul de Moçambique, que chegara a ameaçar a própria capital, Lourenço Marques.

As tropas portuguesas, comandadas pelo comissário régio António Enes, contra-atacaram, conseguindo, em Novembro de 1895, conquistar Manjacaze, a principal praça-forte do imperador vátua, Gungunhana, que retirou para Chaimite, no território moçambicano de Gaza. António Enes pediu a Lisboa reforços para concluir a pacificação de Moçambique – e, na falta de uma resposta satisfatória, apresentou a demissão.

Sucedeu-lhe no comando das operações o então capitão Mouzinho de Albuquerque, nomeado, a 10 de Dezembro, governador militar da província de Gaza. Mouzinho decidiu então dar um golpe de mão audacioso.

À frente de poucas dezenas de soldados de cavalaria e umas centenas de auxiliares africanos, internou-se no mato e, ao fim três dias de marcha, pôs cerco a Chaimite, a “capital” vátua, onde residia Gungunhana.

Às 7 da manhã do dia 28 de Dezembro, Mouzinho de Albuquerque entrou no povoado através de um pequena abertura na paliçada, à frente dos militares portugueses. Os cerca de 300 vátuas que compunham a elite guerreira dos insurrectos – armados de espingardas fornecidas pelos ingleses – fugiram sem disparar um tiro.

Filha de Franco Nogueira doa espólio nunca visto por historiadores (Bárbara Reis)

 


É o maior espólio alguma vez oferecido ao arquivo do Instituto Diplomático. São milhares de documentos, talvez mais de um milhão. O PÚBLICO leu algumas centenas.

Rodeada por dragões chineses e cartas secretas do Estado Novo, Aida Franco Nogueira abre caminho pela sala-de-estar do apartamento onde o seu pai foi preso no Verão Quente de 1975. É preciso andar com cuidado. Os caixotes, arquivadores, sacos, pastas, malas e torres de papel cobrem tudo em todas as direcções. E as marquises estão cheias.

Vinte e cinco anos depois da morte de Alberto Franco Nogueira, leal ministro e amigo de António de Oliveira Salazar, a filha decidiu doar o seu espólio ao Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). O gesto será formalizado na cerimónia de evocação dos 100 anos do nascimento do diplomata, hoje às 18h, na Biblioteca da Rainha, no Palácio das Necessidades.

O auto de doação não é minucioso — seriam necessários anos de trabalho. Na casa do Restelo, em Lisboa, para onde a família Franco Nogueira se mudou em 1968, há centenas de milhares de documentos, talvez mais de um milhão. Todos, menos a correspondência privada (como as cartas trocadas entre Alberto e Vera Wang Franco Nogueira, a sua mulher), são património do Estado a partir de hoje e, dentro de alguns meses, estarão disponíveis para consulta pública.

À excepção das pessoas a quem o próprio Franco Nogueira possa ter mostrado os seus papéis, o espólio nunca foi lido por nenhum historiador ou especialista. Há investigadores que procuram há anos documentos concretos do último chefe da diplomacia de Salazar — e rosto oficial da defesa do colonialismo na década de 1960, quando a ideia já era tida como inaceitável e anacrónica pela maioria dos Estados-membros das Nações Unidas.

Aida Franco Nogueira, que trabalhou na PLMJ durante 20 anos e hoje é advogada independente e tradutora, começou há dois meses a organizar os papéis do pai. O espólio atravessa meio século e vai, pelo menos, de 1946 a 1990. “Infelizmente, o meu pai não era muito organizado. Sabia onde estava cada papelinho e notava sempre que alguém mexia em algum, nem que fosse para o endireitar. Mas cá em casa o escritório foi sempre conhecido como ‘o caos’: ‘Está no caos’, ‘aqui é o caos’...”

A primeira tarefa foi agrupar a documentação em grandes temas: a pilha dos papéis “secretos”, “secretíssimos” e “confidencialíssimos”, a pilha dos originais de livros publicados, a pilha dos manuscritos de livros com títulos desconhecidos, a pilha da correspondência com a família, a pilha da correspondência política, a pilha das cartas do exílio em Londres, a pilha da crise de Goa, a pilha dos recortes de imprensa, a pilha dos discursos, a pilha das Nações Unidas, a pilha das fotografias… “Não tenho um sistema. Vou vendo o que são os papéis e vou abrindo pilhas novas. Quero dar os papéis ao Arquivo Diplomático minimamente organizados.”

O estilo, a garagem e o homem

A tarefa é difícil por três razões. A primeira é o estilo de Franco Nogueira, que parece ter-se preocupado pouco — ou nada — com o futuro dos seus papéis. “O meu pai tinha zero de arquivista”, diz a filha.

Após ler centenas de cartas e telegramas — uma ínfima parcela do espólio —, fica-se com a ideia de que os papéis são a acumulação de anos de despacho quotidiano e que não foram guardados com uma intenção ou para memória futura. Não parece, também, terem sido seleccionados para a escrita dos muitos livros que o diplomata publicou — o último em 1992, pouco antes de morrer. Mas isso só será possível confirmar com a leitura do conjunto.

Sem complexos, Instituto Diplomático homenageia ministro de Salazar (Bárbara Reis)



Nos 100 anos do nascimento de Franco Nogueira, último ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, família doa espólio de centenas de milhares de documentos que nunca foram lidos por nenhum historiador.

Convencido de que a “política africana” do regime de Oliveira Salazar não era realista, em 1964 — quando a guerra em Angola ia no terceiro ano e o regime perdera o apoio de muitos aliados — o jovem diplomata Francisco Grainha do Vale pede uma audiência com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Alberto Franco Nogueira.

“Achei que devia dizer alguma coisa, por uma questão de lealdade”, conta o agora embaixador reformado, de 86 anos. Franco Nogueira, que defendia o colonialismo com paixão, aceitou e ele, “com cuidado, disse-lhe que ser ministro era muito interessante, mas que havia dificuldade em atingir o resultado”. Resposta: “Mas o que quer que eu faça? Quer que entregue Angola aos americanos ou aos russos?”; “estava a pensar mais numa solução diplomática, que não fosse tão drástica”; “enquanto nós lá estivermos, temos que ter a porta bem fechada: sugere que se entreabra a porta. No dia em que fizermos isso, é o desastre”. Na sala estavam o ministro da Defesa e o secretário de Franco Nogueira, António Bandeira. É ele quem, depois de os ministros saírem, lhe pergunta: “’E agora, para onde é que vais?’ E eu respondo: ‘Estava a pensar ir jantar a um bistrô na Ópera.’ E ele: ‘Não é isso: para onde é que vais trabalhar? Depois do que disseste ao ministro, vais ter de sair da carreira!’.”

Francisco Grainha do Vale, que tinha 32 anos, conta o episódio na Biblioteca da Rainha, no Palácio das Necessidades. Os seus colegas embaixadores — alguns dos quais trabalharam com Franco Nogueira e eram amigos dele — estão a sair. A sala encheu-se para a cerimónia de evocação dos 100 anos de nascimento do último chefe da diplomacia de Salazar mas, de todos os que ali estão, ele terá sido o único a questionar frontalmente aquilo que, no Estado Novo, se chamava “política ultramarina”. “O que mais me impressionou é que, nos anos a seguir, sempre que nos cruzávamos num corredor, ele vinha falar comigo, um mero 1.º secretário de 30 anos, para discutir alguma notícia do dia que tinha lido nos jornais.”

Na sua intervenção no púlpito, o embaixador Marcello Duarte Mathias falou da “alma livre e espírito independente” de Franco Nogueira, “à semelhança de tantos que nesta casa serviram Portugal”, e sublinhou como sendo “saudável” a evocação organizada pelo Instituto Diplomático, que funciona na parte sul do Ministério dos Negócios Estrangeiros. “É corajoso. Vivemos no politicamente correcto e no ortodoxo. Como serviu o Estado Novo, há logo reservas. Mas foi um grande diplomata e deve ser homenageado.”

O reencontro da filha e do pai que Salazar e Mao separaram (Leonídio Paulo Ferreira)

 


Vera Wang era filha de um chinês e de uma portuguesa. Com o pai preso na China, refugiou-se no Japão. Conheceu lá Franco Nogueira, futuro MNE de Salazar, e casaram-se. Só depois do 25 de Abril conseguiu rever o pai. Quem contou a história foi Aida, a filha, em artigo hoje republicado porque é lançado o livro Tóquio, Diário 1946, de Franco Nogueira, sobre esse ano que conheceu o Japão e a sua Vera.

Aida Franco Nogueira mostra-me a foto dos avós maternos. Uma lindíssima jovem portuguesa e um atraente diplomata chinês, com o cabelo puxado para trás graças à brilhantina, que tinha vindo em missão a Lisboa. Otília Machado Duarte e Wang Shuyao. Conheceram-se numa festa, dançaram toda a noite, apaixonaram-se e casaram-se, alheios à diferença de culturas, embora ele ser católico tenha facilitado o sim. O retrato a preto e branco, agora protegido por uma moldura de vidro, exibe um pequeno rasgão, como que a relembrar que passou quase um século desde aquela inesperada paixão em Lisboa na década de 1920 que acabou por se transformar numa história trágica de separação, com a política a ter muitas culpas.

Apanhado na China pela invasão japonesa e pela guerra civil entre nacionalistas e comunistas, o casal teve de se separar. Wang foi mesmo preso, mas ainda conseguiu enviar Otília e as duas filhas, Vera e Teresa, para o Japão, como refugiadas. Seguiram-se décadas de separação, e Otília, professora de Francês, morreu sem nunca reencontrar o marido. Vera, a mais velha das filhas, foi quem um dia conseguiu ir a Xangai rever o pai, já muito frágil. Como o destino fez que a luso-chinesa se casasse com Alberto Franco Nogueira (que viria a ser ministro dos Negócios Estrangeiros), enquanto Salazar e Mao viveram e Portugal e a China estiveram de relações cortadas, nada pôde ser feito. Foi preciso acontecer o 25 de Abril e voltarmos a ter representação diplomática em Pequim para que uma filha e um pai separados há 35 anos se revissem.

"A minha mãe estava emocionadíssima com a viagem à China. Mas ela, com a dignidade habitual, nunca mostrou exuberância nos sentimentos, percebe? Nunca chorou, nunca riu, mas estava emocionada, claro! E eu, à pressa, arranjo dois álbuns das minhas filhas - o da Filipa foi um bocadinho maior porque ela já tinha 14 meses e mais fotografias do que a Joana que nascera havia três meses. A minha mãe levou em 1981 esses álbuns para mostrar as bisnetas. Ele nunca as conheceu, nem a mim", conta Aida, sentada num sofá numa salinha cheia de fotografias de família, várias dos já três netos. Numa estante alguns livros de encadernação antiga que pergunto se eram do pai, advogado como ela, mas que afinal pertenceram ao avô paterno, juiz. A conversa é num sétimo andar no Restelo, no mesmo prédio onde Alberto Franco Nogueira e Vera Wang Franco Nogueira viveram.

Franco Nogueira e Salazar: dois nacionalismos (Jaime Nogueira Pinto)


No centenário do nascimento de Alberto Franco Nogueira

Conheci pessoalmente Alberto Franco Nogueira no Outono de 1969, tinha ele deixado o Ministério dos Negócios Estrangeiros e sido eleito deputado como independente na lista da União Nacional. Falámos pela primeira vez na sede da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, de que acabara de ser nomeado administrador. Tinha lido o primeiro número da Política que eu dirigia, e queria conhecer-me. Eu tinha começado a publicação da Política naquele tempo de transição do regime, de Salazar para Marcelo Caetano.

Estava no centro do debate político a reforma ou liberalização do Estado Novo, ou do salazarismo, porque a partir da vitória das democracias anglo-americanas e da União Soviética, em 1945, o Estado Novo passara a ser, com o franquismo, um regime exótico na Europa ocidental. Um regime que sobrevivera muito graças à vontade, à determinação e ao sentido político do próprio Salazar, aproveitando a conjuntura internacional criada pela Guerra Fria. E dado o poder dos comunistas na Europa Ocidental e na oposição portuguesa, as potências anglo-saxónicas abstiveram-se de o tentar derrubar e o regime aguentou-se.

E depois, Portugal não era Espanha: enquanto o franquismo tinha um caudilho militar vitorioso de uma guerra civil dura de três anos, tinha instituições e uma competição política acirrada dentro da classe governante, (neo-falangistas, monárquicos afonsistas e carlistas, católicos conservadores e liberais, da Opus Dei e fora dela), em Portugal não havia a mesma vida ou tensão ideológica e as divisões eram mais entre grupos ou mesnadas ligadas aos "barões" do Regime. A doutrina política e a política eram com Salazar. E Salazar era um nacionalista conservador e católico de uma extrema racionalidade e pragmatismo, que avaliava com realismo e frieza os seus compatriotas, partidários e colaboradores. Sabia com o que contava e o que valiam.

Assim, mais até por ausência de outras instituições e protagonistas, o Presidente do Conselho e chefe do Governo foi moldando e desenhando o Estado Novo à sua vontade e imagem. A ambiguidade institucional era inerente à própria auto-designação do regime, que se definia como uma "democracia orgânica".

A tradição ideológica da direita portuguesa seguiu sempre os modelos clássicos da direita europeia, sobretudo francesa: o conflito entre o liberalismo e o tradicionalismo traduzira-se na luta dinástica e fratricida entre os filhos de Dom João VI, D. Pedro e D. Miguel; e a vitória do liberalismo constitucional em 1834 fora também determinada pela mudança da conjuntura internacional em 1830, com a queda dos legitimistas em França e dos conservadores do duque de Wellington na Grã-Bretanha. A balança da Europa decidia muita coisa.

14 de abril de 2021

Moçambique: Problema nasceu nos anos 90, com desinteresse de Maputo


O académico Joseph Hanlon, que estuda Moçambique há décadas, considera que as raízes do movimento que atacou Palma há duas semanas, e Mocímboa da Praia em 2017, nasceram nos anos 90, fruto do desinteresse do poder central.

"A zona [de Cabo Delgado] é dominada pelos Mwani, que são muçulmanos com ligações históricas a Zanzibar há séculos (...) e que se juntaram aos Macondes na luta pela independência de Portugal em Mueda, mais acima e no interior da zona costeira dos Mwani, mas os Mwani consideraram que os Makonde tomaram conta da Frelimo e marginalizaram-nos; Cabo Delgado tornou-se a província esquecida, uma das mais pobres, mais desigual e menos educada, com os jovens sem futuro e a tornarem-se inquietos", escreve Joseph Hanlon.

Num extenso artigo publicado no The Africa Report, o professor de Política e Prática de Desenvolvimento na Open University escreve sobre as raízes do movimento que fez dezenas de mortes no final do mês passado, em Palma, o mais mediático dos ataques realizados desde 2017.

"Nos anos 90, a Tanzânia e Moçambique viram um aumento do fundamentalismo islâmico e cristão, com os jovens moçambicanos muçulmanos, energizados pelo treino na Tanzânia, instalar mesquitas em Cabo Delgado e pregar um Islão fundamentalista, mas com uma mensagem socialista: a lei da 'Sharia' traria equidade e faria com que as elites deixassem de roubar a riqueza", escreve o académico.

Era, explica, um movimento separatista, que queria cortar os laços com as escolas e as instituições estatais, mas tornou-se violento, decidindo que "tinha de ir para a guerra contra o Estado par ganhar o estatuto separatista".

As comunidades, continua, "começaram a chamar-lhes al-Shabaab, o que significa a juventude ou os miúdos, com nenhuma ligação ou referência a outros al-Shabaabs [movimento terrorista com ligações à Somália e outros países do leste de África], e quer os insurgentes, quer a comunidade ainda usam esse nome".

Por várias vezes estes insurgentes conquistaram quatro capitais de distrito (Quissanga, Macomia, Muidumbe e Mocímboa da Praia), seguindo o mesmo padrão: primeiro cortam o acesso pela estrada, depois infiltram-se na população durante vários dias, e depois atacam em vários grupos de diferentes direções, barricando as estradas à sua passagem.

"Isto começou assim em 2017 em Mocímboa, mas os ataques iniciais eram contra aldeias e mercados, geralmente atacando os que eram vistos como mais ricos, matando-os ou queimando as suas casas, e com ajudas das mulheres do mercado, os ataques ocorriam quando os soldados locais estavam bêbados, permitindo a recolha de armas", escreve Hanlon.

Sobre as ligações a redes internacionais terroristas como o Estado Islâmico (EI), o investigador afirma que houve um contacto em 2019 e que o al-Shabaab afiliou-se ao EI que começou a reivindicar os ataques na sua página de notícias online, e na primeira ocupação de Mocímboa da Praia em março de 2020, o al-Shabaab "levantou a bandeira negra que foi amplamente fotografada, a rede de telemóvel não foi cortada e as fotografias tiradas de telemóveis mostram os insurgentes a serem bem recebidos pelos habitantes e acenando a bandeira preta".

Em 2020, lê-se no texto, o panorama mudou: "em meados de 2020 o EI e o al-Shabaab cortaram laços por razões que não são claras, com investigadores a sugerirem grandes divergências teológicas e a resistência do al-Shabaab a aceitar ordens" exteriores.

O resultado foi a mudança na tática, com o corte de comunicações durante os ataques, o uso de machetes para cortar os cabos elétricos e de fibra ótica e, salienta o autor, "no seguimento disso, não houve mais reivindicações de ataques ou declarações filmadas nem bandeiras pretas, mas a seguir ao ataque de Palma se tornar do conhecimento mundial, o EI reivindicou-o, mas isso foi falso e os vídeos e fotos mostradas eram de Mocímboa da Praia, um ano antes".

No texto, o autor explica ainda que o ataque a Palma não foi uma surpresa nem as táticas usadas foram diferentes das anteriores, só surpreendendo quem não estava atento ao desenrolar da "guerra civil" no norte de Moçambique, uma zona crucial para o futuro económico do país devido às enormes reservas de gás ao largo da costa.

"Já tinha havido vários ataques no distrito de Palma, mas nunca na cidade, que seguiu o modelo de outros ataques", escreve Hanlon, lembrando que na época de chuvas entre dezembro de 2020 e março deste ano "a cidade esteve cercada", com falta de alimentos e a comida e o combustível a terem de chegar de barco.

A 24 de março, pelas 16:00, "o al-Shabaab simplesmente entrou e dominou, com pouca resistência, e mais insurgentes chegaram no dia seguinte, havendo grandes pilhagens", com os insurgentes a ficarem com 80 veículos, 30 toneladas de comida dos armazéns do Programa Alimentar Mundial, para além de combustível, comida e outros bens de lojas, dinheiro dos bancos e munições militares".

As autoridades moçambicanas retomaram o controlo da vila de Palma, atacada a 24 de março por grupos rebeldes, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.

Os grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo 'jihadista ' Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes e 700.000 mil deslocados.

O ataque a Palma levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás em construção na península de Afungi, com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.


Fonte: 11/04/21 POR LUSA

30 de março de 2021