6 de setembro de 2020

Império Colonial Português: Documentário retrata jovens que recusaram combater em África


Entre 1961 e 1974, 100 mil jovens abandonaram Portugal para fugir à guerra colonial. Alguns contam a sua história no filme "Guerra ou Paz”, do realizador português Rui Simões, que também se recusou a combater em África.

A luta armada de libertação de Angola teve início a 4 de fevereiro de 1961. Angola, Moçambique e Guiné-Bissau foram os três cenários da guerra colonial em África, que mobilizou milhares de portugueses e africanos.

Entre 1961 e 1974, 100 mil jovens militares portugueses partiram para a guerra nas antigas colónias. Nesse mesmo período, outros 100 mil, de classes e sensibilidade diferentes, decidiram sair de Portugal com destino a outros países da Europa porque não se reviam nessa guerra.

Alguns dos desertores ou refractários, como também foram chamados, contam a sua história no filme “Guerra ou Paz”. O documentário foi realizado em 2002 pelo português Rui Simões, ele próprio um dos protagonistas entre os que se recusaram a combater em África. Tinha na altura 22 anos.

Documentário retrata jovens que recusaram combater em África

“A guerra é algo que, à partida, um jovem de 22 anos devia recusar fazer. E foi o que eu fiz”, recorda. “Não tanto pelo facto de reconhecer a legitimidade dos povos do Ultramar à sua independência, porque embora eu tivesse essa consciência, não a tinha de forma a ser um motor para desertar das Forças Armadas do meu país”.

“Há novos colonos em São Tomé” diz Filinto Costa Alegre


Filinto Costa Alegre, um dos fundadores da Associação Cívica Pró-MLSTP, define-se como "um combatente da liberdade". Foi este o espírito que o motivou a querer servir o país e a libertá-lo do jugo colonial português.

Desde muito cedo, Filinto Costa Alegre ouviu e participou, como espectador atento, de pequenos grupos onde se discutia a independência de São Tomé e Príncipe. A sua consciência nacionalista foi-se moldando.

Motivado pelos acontecimentos registados um pouco por toda a África, abandona os estudos universitários em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, para formar, juntamente com outros estudantes, a Associação Cívica Pró-MLSTP, a pedido do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP).

Com a Associação Cívica ajudou o movimento a afirmar-se como legítimo representante dos são-tomenses. Mas antes de 12 de julho de 1975, dia da independência de São Tomé e Príncipe, é expulso com outros colegas e acusado de ações que até hoje refuta. Filinto Costa Alegre consola-se presenciando a independência de Moçambique e de Angola, mas a mágoa continua.

DW África: O massacre de 1953 é visto como um marco do surgimento do nacionalismo são-tomense. Até que ponto este massacre foi decisivo para formar uma consciência de libertação em São Tomé e Príncipe?

Filinto Costa Alegre (FCA): No processo nacionalista pode-se distinguir vários momentos e entre eles está o pós-1953. Antes disso, na agenda dos nacionalistas o que prevalecia eram reivindicações sociais, mais ou menos igualitárias. Pensava-se que se podia ser português de segunda, ou algo do género, e que se podia reivindicar direitos sociais, melhor trabalho e melhores salários. O massacre de 1953 teve a virtude de deixar claro que havia que separar completamente as águas e lutar pela afirmação de uma identidade que fosse distinta do opressor. A partir daí é que podemos falar de um movimento nacionalista de cariz independentista.

“Não foi só o homem que libertou Moçambique”, diz Geraldina Mwitu


Geraldina Mwitu combateu ao lado de homens durante a luta armada no seu país. Recebeu, tal como eles, treino político e militar e viveu nas bases da FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique.

Era ainda muito jovem quando começou a dar aulas nas bases da FRELIMO. Depois de deixar a sua terra-natal, Mueda, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, Geraldina Mwitu ensinou português a crianças órfãs e crianças cujos pais estavam na frente de combate.

O Massacre de Mueda, que ocorreu a 16 de junho de 1960, é considerado um dos últimos episódios que marcaram a resistência pacífica dos moçambicanos ao colonialismo. Foi o massacre que levou muitos daquela região a juntar-se à luta de libertação.

DW África: Era em Mueda que se encontrava na altura do massacre?

Geraldina Mwitu (GM): Quando se deu o tal massacre, eu só vi as pessoas mais velhas a andar de um lado patra o outro a dizer que os colonialistas lá em Mueda mataram os moçambicanos que foram pedir a independência. Mas em vez de serem concedidos a tal independência, os colonialistas responderam com armas. E três pessoas foram presas. Isto foi o culminar das grandes atividades que o povo maconde vinha desenvolvendo. Porque primeiro começou a política para aquele povo que foi [informado de que] os tanzanianos já eram independentes.

DW África: Que efeitos se fizeram sentir na região depois do massacre?

GM: Muita população abandonou o distrito para se ir refugiar na Tanzânia. Porque ganhou medo com aquela situação. Ficou a entender que o colono, em vez de só colonizar, estava a massacrar-nos e a matar-nos. Mas algumas pessoas resistiram. Continuaram a viver na província e a mobilizar o povo de que não podia parar com o massacre, que tinha de combater politicamente, tinha de lutar até que eles conseguissem ter a sua independência.

DW África: Quando começou a ter uma postura ativa pela causa da independência?

GM: A partir de 1964. Nesse ano foi morto o padre Daniel. Nós lá na missão de Nangulolo vivíamos com as irmãs da Consolata e os padres monfortinos. Depois da morte do padre, a nossa missão encheu-se da tropa portuguesa. A partir dali sentimos que a guerra estava eminente. Numa das vezes que a tropa se deslocou para o posto administrativo de Muidumbe entrou na emboscada dos guerrilheiros da FRELIMO. A partir dali, já estávamos a viver a luta de libertação nacional.

DW África: Antes de se juntar aos combates dentro de Moçambique, esteve na Tanzânia e envolveu-se na área da formação. Como passou de professora a combatente?

GM: Eu saí de Moçambique com a minha quarta classe, fui para a Tanzânia diretamente para o centro de refugiados de Rutamba. Daí fui destacada para ir ensinar as outras crianças que não sabiam ler nem escrever no ensino em português. Depois fui indicada para ir a Dar-es-Salaam aumentar os meus conhecimentos. Porque em Dar-es-Salaam já haviam começado a lecionar a partir da quinta classe. Mas infelizmente não terminei.

Moçambique: "Não há nada que apareça sem sacrifício", diz Francisco Gimo


Joaquim Francisco Gimo é diretor do Conselho Fiscal da ADEMIMO, a Associação de Deficientes Militares e Paramilitares de Moçambique. Gimo lutou pela independência do seu país e na guerra civil que a seguir durou 16 anos.

Pouco tempo decorreu desde a independência de Moçambique até estalar a guerra civil no país. Foi nesse segundo conflito que Joaquim Francisco Gimo perdeu parte do seu braço esquerdo. Ainda que, durante a guerra dos 16 anos, a causa da unidade nacional tenha sido posta em causa, diz o ex-combatente, o seu sacrifício valeu a pena: 

Moçambique é um Estado independente e os moçambicanos são livres.

Quando foi mobilizado para se juntar ao movimento de libertação nacional, era ainda rapaz.

DW África: Como começou o seu envolvimento?

Francisco Gimo (FG): Estava a estudar, mas tínhamos padres que eram missionários. Então, mobilizavam-nos para estarmos a par da guerra que tínhamos. Logo, achei melhor seguir os padres. Um dos padres era o padre Mateus Gwengere. Aos poucos, por ouvir, mais duas, três vezes, fiquei sensibilizado. E nós fazíamos o trabalho com eles, mas não era muita gente, duas pessoas.

DW África: Depois dessa fase de mobilização dos seus colegas de escola e também na sua comunidade, foi para o Malawi para receber treino. O que aprendeu nesse ano?

FG: Primeiro, tinha de receber a política da FRELIMO. Depois de receber a política, íamos aos treinos. Depois de treinarmos, tínhamos a fase de preparação física. Depois disso, quando as pessoas já conseguiam ver que merecíamos, éramos preparados. Fiquei um ano completo.

DW África: Do Malawi regressou a Moçambique em 1973 e foi lutar para a província central de Sofala. Como foi viver no mato e viver em combate?

FG: Viver no mato, viver em combate é um sacrifício, é um sofrimento. Mas nós tínhamos que nos habituar, porque estávamos no tempo da guerrilha, nós sentíamo-nos orgulhosos, porque éramos fortes e tínhamos um objetivo a alcançar. O objetivo é este: libertar a província de Sofala. Dito e feito: quando ficámos na província, pouco a pouco conseguimos libertar a província de Sofala e a guerra entrou.

DW África: Utilizou agora uma expressão chave durante a guerra de libertação que é libertar. Fale-me um pouco das zonas libertadas.

FG: As zonas libertadas existiram. As zonas libertadas são aquelas zonas em que a população em si acreditava na FRELIMO e nessas zonas libertadas tínhamos socorro imediato em questão de material, quando aparecia, e mesmo alimentação. As pessoas que viviam nas zonas libertadas são essas que às vezes nos ajudavam a carregar para as nossas bases. E alguns agora são intelectuais, estão a trabalhar bem, já estudaram, já são licenciados.

"Tenho muita honra em ter participado na descolonização", diz Mário Soares


O ex-Presidente português foi o primeiro a pegar na pasta dos Negócios Estrangeiros após a revolução de 25 de Abril. Em entrevista, Soares fala sobre a descolonização e faz o balanço de 40 anos de liberdade em Portugal.

Mário Soares, 89 anos, esteve na linha da frente da oposição à ditadura fascista em Portugal. Foi preso várias vezes pelo regime ditatorial e esteve exilado em São Tomé e Príncipe e em França.

Foi no exílio que Mário Soares recebeu a notícia do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974. Assim que soube o que se estava a passar, apanhou um comboio com destino a Portugal. O histórico do Partido Socialista (PS) português regressou com três ideias para o país: democratizar, desenvolver e descolonizar.

No dia em que foi empossado como ministro dos Negócios Estrangeiros do novo Governo, Mário Soares foi logo para Dacar, a capital senegalesa, para iniciar conversações com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Na Zâmbia, Soares protagonizou, com Samora Machel, o chamado "abraço de Lusaca", nas negociações de Portugal com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

Mas muitos continuam a criticar a forma como Mário Soares fez a descolonização. Particularmente os portugueses que tiveram que fugir das ex-colónias, os "retornados".

Mário Soares foi detido várias vezes pela polícia política portuguesa, a PIDE

DW África: Como recebeu a notícia do 25 de Abril?

Mário Soares (MS): Estava justamente na Alemanha a convite do meu amigo Willy Brandt [ex-chanceler alemão]. Estava com a minha mulher e com mais dois camaradas meus, que eram também dirigentes do Partido Socialista.

Na véspera, falámos com o ministro das Finanças alemão [Helmut Schmidt], que tinha estado na guerra de Espanha. Ele era todo a favor de Espanha e achava que Portugal não tinha assim grande importância. Ele disse-me: "Olhe que vocês só se podem libertar da ditadura [de António Salazar e Marcello Caetano] quando houver a libertação do Franco, em Espanha". E eu disse-lhe: "Olhe que não é assim, nós somos os primeiros a libertar-nos, antes da Espanha e da Grécia", como realmente fomos. Estivemos toda a noite a discutir isso. No dia seguinte, de manhã cedo, telefona a responsável pelos partidos socialistas estrangeiros que iam lá a Alemanha. E diz: "Afinal, parece que tem razão, está-se a passar qualquer coisa em Portugal."