29 de abril de 2018

Moçambique: Mia Couto, um passeio emocional por Maputo




O escritor moçambicano, biólogo de formação, guia-nos num percurso por Maputo ao sabor da natureza, da história e das suas recordações dos tempos da luta na Frelimo e do "carapau e do repolho".

Veem estas acácias rubras?", diz Mia Couto ao volante do seu jipe, apontando para as árvores de flores vermelhas que povoam as ruas por toda a cidade. "São a árvore típica de Maputo, mas vieram de Madagáscar. O nome técnico é delonix regia, ou flamboyant. Mas se começo a falar destas coisas que adoro nunca mais me calo... " Corrigimos. Fale por favor, é mesmo essa a ideia. Esta conversa-percurso com Mia por Maputo quer-se emocional, sem guião, feita ao sabor das árvores e das recordações.


Moçambique: Mia Couto e a paz



Um dos escritores em língua portuguesa mais traduzidos para o mundo fala dos 20 anos de paz em Moçambique, e de como as guerras mexeram com seu país e sua literatura

Há 20 anos, a guerra civil travada entre o grupo governista Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e as forças rebeldes da Resistência Nacional ­Moçambicana (Renamo) chegava ao fim. Há 20 anos, o escritor moçambicano Mia ­Couto lançava seu primeiro romance. Terra Sonâmbula tem o conflito como pano de fundo para a história de um velho e um menino que encontram em um baú perdido cadernos com escritos sobre a desesperança. No livro, o autor mistura numa narrativa saborosa o idioma escrito e a tradição oral africana.

Moçambique enfrentou dez anos de guerra. Primeiro, para se emancipar de Portugal. Com a fundação da República Popular de Moçambique, em 1975, o governo foi entregue à Frelimo, partido único, de orientação socialista. Após a independência, mergulhou em novo conflito, na disputa interna pelo poder, até a assinatura do Acordo Geral de Paz entre os dois grupos, em 1992. Hoje, Frelimo e Renamo são partidos e disputam pacificamente o poder. Antes, a partir de 1986, com a morte do ditador e herói libertador do ­país, Samora Machel, o governo liderado Joaquim Chissano promoveu aberturas no regime e na economia. 

Moçambique: A Frelimo que eu abracei não é a mesma de hoje (Mia Couto)



PLATAFORMA MACAU - Como observa a situação política em Moçambique, tendo em conta a recente crise político-militar e as eleições de Outubro último?

MIA COUTO - Eu acho que nós estamos numa situação que é preciso arrumar a casa dentro das próprias forças partidárias. É preciso que tanto a Frelimo, a Renamo e Movimento Democrático de Moçambique (MDM) se acertem internamente para melhor percebermos que propostas trazem aos moçambicanos. Porque no fundo, a grande armadilha, é que estamos a discutir nomes e cores políticas, mas não estamos a discutir uma filosofia, uma proposta concreta para vermos o que é diferente nas ideias de cada um destes partidos.

Isso ficou claro no último congresso da Frelimo. Percebeu-se que existem propostas diferentes, mas estas linhas não são só pessoas são ideias. Em vez de discutirmos ideias, propostas do futuro, estamos a discutir nomes e isso não garante um futuro que nos habilita a sermos felizes. Agora, eu compreendo, isso são fases históricas. Por muito que eu pense que devia ser de outra maneira, a história é assim mesmo.

28 de abril de 2018

15 de Março de 1961 (Helena Matos)



A 15 de Março de 1961, cinco a seis mil portugueses foram assassinados em Angola. Esses mortos nunca estiveram no lugar certo. Antes do 25 de Abril de 1974 eles foram inconvenientes porque, numa primeira fase, atestavam a imprevidência do regime que não acautelara a segurança daquelas pessoas como era sua obrigação, e posteriormente porque a vontade de mostrar que a guerra estava reduzida à Guiné e a algumas zonas de Moçambique levava a que estes mortos fossem esquecidos.

Após o 25 de Abril estes portugueses continuaram a ser omitidos, pois os seus corpos repetidamente violados, empalados e queimados atestavam na brutalidade de que tinham sido vítimas que aquilo a que se chamava movimentos de libertação não tinham nada de libertadores nem de civilização. Antes pelo contrário. E sobretudo porque esses cadáveres de brancos, pretos e mulatos não se coadunavam com o decálogo revolucionário que transformava os fazendeiros brancos em opressores contra os quais se tinham levantado os seus trabalhadores negros.

Chamaram-lhes retornados (Helena Matos)



Foi no último dia de Março, há 40 anos. Nascia o IARN. Os retornados já estavam aí, mas ainda não se chamavam retornados. Muitos vindos de Moçambique, onde contra eles se fizeram as leis mais abjectas

Em 1975 uma palavra entra na actualidade portuguesa: retornados. Há precisamente 40 anos, os colonos, os brancos, os africanistas, os europeus, os ultramarinos, os residentes ou os metropolitanos do Verão de 1974 que entretanto tinham passado a desalojados, regressados, repatriados, fugitivos, deslocados e refugiados, tornam-se por fim retornados.

Mas antes de lhes reconhecerem a existência, os responsáveis políticos e militares discutiram em Lisboa a possibilidade de os proibir de deixar as antigas colónias e acusaram-nos de colonialismo e de reaccionarismo por quererem fugir.

Crónica de Natal (4): 1975, o ano de todos os retornados (Paulo de Almeida Sande)



20 anos depois, na sua casa da Rodrigo da Fonseca, o velho africano de Sumbe pede: “não me falem de Angola, não quero saber”; e contudo, durante anos, frequentou a tertúlia dos angolanos ao Rossio.

A conversa passa-se na varanda de uma vivenda algures na província do Quanza-Sul, numa cidade hoje chamada Sumbe (então Novo Redondo). Diz o militar recém-chegado da metrópole ao cunhado: “tira daqui o teu dinheiro, vende a casa, isto vai rebentar”. Responde o outro: “esta é a terra onde nasci meu caro, os meus filhos são do planalto, os netos crescerão angolanos e os meus ossos cá apodrecerão – só morto saio da minha terra”.

No ano de 1975 ocorreu uma das maiores e mais rápidas transumâncias humanas de que há memória: mais de meio milhão de pessoas deixaram casas e haveres e voltaram a uma terra de que boa parte delas não partira. O êxodo foi também um dos que se fez a maior distância, dos fundos de África à Ocidental praia lusitana.