30 de outubro de 2008

28 de outubro de 2008

Fany Mpfumo e Ricardo Rangel graduados "Honoris Causa" pela Universidade Eduardo Mondlane

FANY MPFUMO E RICARDO RANGEL GRADUADOS DOUTORES "HONORIS CAUSA" PELA UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Duas das mais destacadas figuras do panorama artístico e cultural moçambicano, o compositor e intérprete musical Fany Mpfumo e o fotojornalista Ricardo Rangel, foram ontem graduados como doutores "Honoris Causa" pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), que vê neles personalidades que, em vários sentidos, contribuíram para a construção de Moçambique. A decisão do maior estabelecimento de Ensino Superior do país de atribuir este grau honorífico àqueles proeminentes artistas consubstancia-se num amplo plano do Governo e de várias instituições nacionais para reconhecer e exaltar a vida e obra dos moçambicanos em várias vertentes da sua vida política, económica, social e cultural, segundo destacaram nas suas intervenções o Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, e o Reitor da UEM, Filipe Couto. Intervindo na cerimónia de graduação de António Mariva, nome de registo de Fany Mpfumo, representado pela filha, Ilda Mpfumo, também cantora, e Ricardo Rangel, o ministro elogiou as duas figuras por inspirarem a moçambicanidade. Reafirmou o cometimento do Governo na promoção e divulgação do trabalho de cidadãos que, com a sua capacidade intelectual e com conhecimentos técnico-científicos desenvolvem acções relevantes que contribuam para o desenvolvimento do país. "Esse desafio compromete-nos a levarmos a cabo acções de reconhecimento, como distinções, premiações ou outras formas de homenagem àqueles que, quer no passado, quer no presente, trabalharam ou trabalham de forma abnegada na preservação, valorização e divulgação do património cultural nacional", apontou o governante. Tanto Fany Mpfumo como Ricardo Rangel podem ser considerados, para além de exímios artistas, cada um na sua área, grandes nacionalistas. O músico é um dos percursores da marrabenta. Neste estilo, compôs inúmeras canções, através das quais interpretava, quando fosse necessário de forma crítica, o quotidiano de Moçambique. No período colonial, por exemplo, chegou a ser, devido ao conteúdo de alguns dos seus temas, procurado pela PIDE, a polícia política portuguesa. Só não foi detido porque, apercebendo-se do facto, conseguiu emigrar para a África do Sul. Depois da independência continuou a cantar Moçambique, inspirando outros artistas, alguns deles interpretando suas canções. Faleceu aos 57 anos de idade, em Novembro de 1987. Ricardo Rangel é tido como um dos percursores do fotojornalismo moçambicano. Ingressou no "Notícias da Tarde" em 1952 e começou daí a testemunhar, por via da sua objectiva, a História do nosso país. Denunciou as atrocidades do colonialismo português em Moçambique, o que lhe valeu pelo menos uma vez a detenção pela PIDE. Com o advento da independência, para além de fotografar para si e para os diversos órgãos de informação para que trabalhou, contribuiu para a formação de outros profissionais, sobretudo no Centro de Formação Fotográfica, de que foi co-fundandor. O reitor Filipe Couto apontou que a UEM continuará a trabalhar na identificação e reconhecimento público de personalidades moçambicanas e estrangeiras que tenham contribuído para o engrandecimento do nosso país. Neste sentido, proximamente receberão o "Honoris Causa" um veterinário português e uma cidadã sueca que contribuiu para o desenvolvimento do Ensino Superior em Moçambique.

Mia Couto e Lizha James felicitados pelo Ministério da Educação e Cultura

MIA COUTO E LIZHA JAMES FELICITADOS PELO MEC O escritor Mia Couto e a jovem cantora Lizha James foram felicitados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), em virtude dos galardões recebidos no estrangeiro. Mia Couto foi galardoado em Espanha com o prémio de notoriedade internacional Rosália de Castro, atribuído pelo Pen Clube de Galiza. O romancista e poeta moçambicano é o primeiro africano a ser distinguido com este prémio. A jovem cantora Lizha James foi distinguida pela terceira vez consecutiva com o prémio de melhor voz feminina no Chanel Music Video Awards 2008, com o clip da música "Nita Mukuma Kwin". No comunicado de saudação a estes artistas, o MEC diz que endereça as suas felicitações, ao mesmo tempo que os reconhece como grandes fazedores e promotores da cultura moçambicana. Diz ainda que aquela instituição governamental reconhece o incontestável papel de artistas de diferentes expressões artísticas, que, com a sua criação e talento, difundem mensagens de reconstrução social, contribuindo na divulgação do património cultural imaterial moçambicano, dentro e fora do país e em diferentes cenários e épocas. Afirma que o reconhecimento internacional dos nossos fazedores de arte valoriza e engrandece a arte e cultura moçambicanas, "orgulho de todos os moçambicanos", lê-se. "As artes contribuem na promoção da expressão da identidade do povo moçambicano e na projecção da imagem do país no exterior, bem como no reforço do amor pátrio e do espírito de solidariedade", afirma no documento o ministério. Num outro ponto descreve que o artista, individual ou colectivamente, desempenha um papel de extrema importância na educação das comunidades, na mobilização dos cidadãos para as tarefas de reconstrução e desenvolvimento nacional, e, sobretudo, na criação de um ambiente de cultura de paz, concórdia, harmonia social, democracia e respeito pelos direitos humanos, bem como na divulgação da diversidade cultural. "A criação e a interpretação artísticas são um meio privilegiado para promover e melhorar a comunicação e o diálogo permanente entre os vários estratos da nossa sociedade", escreve o Ministério da Educação e Cultura.

26 de outubro de 2008

Bana: Resposta de Segredo Cu Mar

Bana: Mexe Mexe

23 de outubro de 2008

Duo Ouro Negro - Kurikutela

Duo Ouro Negro - Maria Rita

Danças africanas

Conjunto musical Zinho Sousa & Tony Sousa (Beira)

O último voo do flamingo (Mia Couto) - Capítulo décimo

O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO Capítulo décimo Os primeiros rebentamentos Os factos só são verdadeiros depois de serem inventados. (Crença de Tizingara) A primeira vez que escutei os rebentamentos acreditei que a guerra regressava em suas tropas e tropéis. Meu pensamento tinha uma só ideia: fugir. Passei pelas últimas casas de Tizingara, minha pequena vila natal. Ainda vi, se silhuetando ao longe, a minha casa natal, depois, já mais perto, a residência de Dona Hortênsia, a torre da igreja. A vila parecia em despedida do mundo, tristonha como tartaruga atravessando o deserto. Escapei nos matos onde ninguém nunca se apessoara. Sim, era certo: aquela floresta havia recebido nenhuma humanidade. Fiz um abrigo, de galhos e folhas. Pouca coisa, com discrição de bicho: não seria bom ser visto ali alguém em estado de pessoa. Eu tinha abrigo, não tinha morada. Fiquei nesse recôndito, conselhado pelo medo. Regressaria à vila quando me garantisse que a guerra não tinha regressado. Logo na primeira noite, porém, me amedrontaram os sons dos bichos e mais ainda as sombras do escuro. Estremeci de medo: não saltara eu da boca da quizumba para entrar na garganta do leão? Sentei-me a esclarecer. Minha alma parecia ter-me saído e flutuava como nuvem por cima de mim. A guerra tinha terminado, fazia quase um ano. Não tínhamos entendido a guerra, não entendíamos agora a paz. Mas tudo parecia correr bem, depois que as armas se tinham calado. Para os mais velhos, porém, tudo estava decidido: os antepassados se sentaram, mortos e vivos, e tinham acordado um tempo de boa paz. Se os chefes, neste novo tempo, respeitassem a harmonia entre terra e espíritos, então cairiam as boas chuvas e os homens colheriam gerais felicidades. O novos chefes pareciam pouco importados com a sorte dos outros. Eu falava do que assistia, ali em Tizingara. Do resto não tinha pronunciamento. Mas, na minha vila, havia agora tanta injustiça quanto no tempo colonial. Parecia de outro modo que esse tempo não terminara. Estava era sendo gerido por pessoas de outra raça. Talvez fosse um grande cansaço que me fazia, afinal, ficar por aquela lonjura. Secretamente, eu deixara de amar aquela vila. Ou, se calhar, não era a vila, mas a vida que nela vivia. Eu já não tinha crença para converter a minha terra num lugar bem assombrado. Culpa do vigente regime de existirmos. Aqueles que nos comandavam, em Tizingara, engordavam a espelhos vistos, roubavam terras aos camponeses, se embebedavam sem respeito. A inveja era seu maior mandamento. Mas a terra é um ser: carece de família, desse tear de entrexistências a que chamamos ternura. Os novos-ricos se passeavam em território de rapina, não tinham pátria. Sem amor pelos vivos, sem respeito pelos mortos. Eu sentia saudade dos outros que eles já tinham sido. Porque, afinal, eram ricos sem riqueza nenhuma. Se iludiam tendo uns carros, uns brilhos de gasto fácil. Falavam mal dos estrangeiros, durante o dia. De noite, se ajoelhavam a seus pés, trocando favores por migalhas. Queriam mandar, sem governar. Queriam enriquecer, sem trabalhar. Agora, na margem da floresta, eu via o tempo desfilando sem nada nunca acontecer. Esse era um gosto meu: pensar sem nunca ter nenhuma ideia. Seria, afinal, que me convertia em bicho, em lógica de unha e garra? A guerra o que havia feito de nós? O estranho era eu não ter sido morto em quinze anos de tiroteios e sucumbir agora em meio da paz. Não falecera da doença, morria do remédio? Foi numa dessas manhãs de retiro que senti vozes. Surgiam camufladas. Aquilo era gente que se cuidava não ser vista. Espreitei entre as moitas. Entrevi os vultos. Havia pretos e brancos. Se debruçavam no chão, pareciam escavar na berma de um atalho. Às tantas, um falou alto, bem audível. O grito, em inglês de fora: – Atention! E os outros estacaram. Depois, se retiraram, sem pressa. De quando em quando, se voltavam a debruçar em roda de outra qualquer coisa. Que procuravam? Mas eles se foram e eu voltei a ficar só. Dei um tempo para que se afastassem e me dirigi para onde haviam estado a coscuvilhar. Foi quando um braço me travou o intento. – Não vá que é perigoso! Me virei: era minha mãe. Ou seria, antes, a visão dela. Pois ela já há muito passara a fronteira da vida, para além do nunca mais. Naquele momento, porém, ela surgia das folhagens, envolta em seus panos escuros, seus habituais. Não me saudou, simplesmente me orientou para junto do meu abrigo. Ali se sentou, aconchegando-se na capulana. Fiquei mudo e miúdo, à espera. Se temos voz é para vazar sentimento. Contudo, sentimento demasiado nos rouba a voz. Agora, que ela transitara de estado, eu acedia, completo, às vistas dela. – Como é, filho: vive no lugar dos bichos? Devolvi pergunta com pergunta: – Há lugar, hoje, que não seja de bichos? Ela sorriu, triste. Podia ter respondido: há, onde eu venho é lugar de gente. Porém, ela permaneceu calada. Rodou pelos arbustos e desfez folhinhas entre o dedos. Apurava perfumes e levava-os lentamente junto ao rosto. Matava saudades dos cheiros. – A guerra já chegou outra vez, mãe? – A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda. – E a mãe anda a fazer o quê por essas bandas? Eu queria saber se tinha terminado sua tarefa de morrer. Ela explicou-se, lenta e longa. Andava com uma bilha a recolher as lágrimas de todas as mães do mundo. Queria fazer um mar só delas. Não responda com esse sorriso, você que não sabe o serviço do choro. O que faz a lágrima? A lágrima nos universa, nela regressamos ao primeiro início. Aquela gotinha é, em nós, o umbigo do mundo. A lágrima plagia o oceano. Pensava ela por outras, quase nenhumas, palavras. E suspirou: – Haja Deus! Lembrou-me como ela despertava, antes, toda alagada. Não houve, depois que o meu pai nos deixou, uma manhã em que o sol a encontrasse em panos secos. Sempre e sempre ela e os choros. Todavia, isso fora antes, quando ela padecia a doença de estar viva. – Não fique aqui que esses caminhos ainda têm o pé da guerra. A pegada está viva! – Estou tão bem aqui, mãe. Nem me apetece regressar. Ficamos ali horas trocando nadas, simplesmente adiando o tempo. Alongando o milagre de estarmos ali, na margem da floresta. Já entardecia, ela me avisou: – Volte para a vila, há-de acontecer tantíssima coisa. – Antes de ir, mãe, me lembre a estória do flamingo. – Ah, essa estória está tão gasta... – Me conte, mãe, que é para a viagem. Me falta tanta viagem. – Então, senta, meu filho. Vou contar. Mas primeiro me prometa: nunca siga pelos carreiros onde seguiam aqueles homens que você espreitava há um bocadito. – Prometo. Então ela contou. Eu repetia palavra por palavra, decalcando sobre a voz cansada dela. Rezava: havia um lugar onde o tempo não tinha inventado a noite. Era sempre dia. Até que, certa vez, o flamingo disse: – Hoje farei meu último voo! As aves, desavisadas, murcharam. Tristes, contudo, não choraram. Tristeza de pássaro não inventou lágrima. Dizem: lágrima dos pássaros se guarda lá onde fica a chuva que nunca cai. Ao aviso do flamingo, todas as aves se juntaram. Haveria uma assembleia para se conversar o assunto. Enquanto o flamingo não chegava, se escutavam os pios em rodopios. Se acreditava em tais ditos? Podia-se e não. Fosse ou não fosse, todos se demandavam: – Mas vai voar para onde? – Para um sítio onde não há nenhum lugar. O pernalta, enfim, chegou e explicou – que havia dois céus, um de cá, voável, e um outro, o céu das estrelas, inviável para voação. Ele queria passar essa fronteira. – Porquê essa viagem tão sem regresso? O flamingo desvaloriza seu feito: – Ora, aquilo é longe, mas não é distante. Depois ele foi internando-se nas árvores sombrosas do matagal. Demorou. Só pareceu quando a paciência dos outros já envelhecia. Os bichos de asa se concentraram na clareira do pântano. E todos olharam o flamingo como se descobrissem, apenas então, a sua total beleza. Vinha altivo, todo por cima da sua altura. Os outros, em fila, se despediam, Um ainda pediu que ele desfizesse o anúncio. – Por favor, não vá! – Tenho que ir! A avestruz se lhe interpôs e lhe disse: – Veja, eu, que nunca voei, carrego as asas como duas saudades. E, no entanto, só piso felicidades. – Não posso, me cansei de viver num só corpo. E falou. Queria ir lá para onde não há sombra, nem mapa. Lá onde tudo é luz. Mas nunca chega a ser dia. Nesse outro mundo ele iria dormir, dormir como um deserto, esquecer que sabia voar, ignorar a arte de pousar sobre a terra. – Não quero posar mais. Só repousar. E olhou par cima. O céu parecia baixo, rasteiro. O azul desse céu era tão intenso que se vertia líquido, nos olhos dos bichos. Então, o flamingo se lançou, arco e flecha se crisparam em seu corpo. E ei-lo, eleito, elegante, se despindo do peso. Assim, visto em voo, dir-se-ia que o céu se vertebrara e a nuvem, adiante, não era senão alma de passarinho. Dir-se-ia mais: que era a própria luz que voava. E o pássaro ia desfolhando, asa em asa, as transparentes páginas do céu. Mais um bater de plumas e, de repente, a todos pareceu que o horizonte se vermelhava. Transitava de azul para tons escuros, roxos e liláceos. Tudo se passando como um incêndio. Nascia, assim, o primeiro poente. Quando o flamingo se extinguiu, a noite se estreou naquela terra. Era o ponto final. No escurecer, a voz de minha mãe se desvaneceu. Olhei o poente e vi as aves carregando o sol, empurrando o dia para outros aléns. Aquela era a minha última noite desse retiro nos matos. Manhã seguinte eu já entrava na vila, como quem regressa a seu próprio corpo depois do sono.

22 de outubro de 2008

O gato e o escuro (Mia Couto) - Excerto


Vejam, meus filhos, o gatinho preto, sentado no cimo desta história. Pois ele nem sempre foi dessa cor. Conta a mãe dele que, antes, tinha sido amarelo, às malhas e às pintas. Todos lhe chamavam o Pintalgato. Diz-se que ficou desta aparência, em totalidade negra, por motivo de um susto. Vou aqui contar como aconteceu essa trespassagem de claro para escuro. O caso, vos digo, não é nada claro. Aconteceu assim: O gatinho gostava de passear-se nessa linha onde o dia faz fronteira com a noite. Faz de conta o pôr do Sol fosse um muro. Faz mais de conta ainda os pés felpudos pisassem o poente. A mãe se afligia e pedia: - Nunca atravesse a luz para o lado de lá. Essa era a aflição dela, que o seu menino passasse além do pôr de algum Sol. O filho dizia que sim, acenava consentindo. Mas fingia obediência. Porque o Pintalgato chegava ao poente e espreitava o lado de lá. Namoriscando o proibido, seus olhos pirilampiscavam. Certa vez, inspirou coragem e passou uma perna para o lado de lá, onde a noite se enrosca a dormir. Foi ganhando mais confiança e, de cada vez, se adentrou um bocadinho. Até que a metade completa dele já passara a fronteira, para além do limite. Quando regressava de sua desobediência, olhou as patas dianteiras e se assustou. Estavam pretas, mais que breu. Escondeu-se num canto, mais enrolado que o pangolim. Não queria ser visto em flagrante escuridão. Mesmo assim, no dia seguinte, ele insistiu na brincadeira. E passou mesmo todo inteiro para o lado de além da claridade. À medida que avançava seu coração tiquetaqueava. Temia o castigo. Fechou os olhos e andou assim, sobrancelhado, noite adentro. Andou, andou, atravessando a imensa noitidão. Só quando desaguou na outra margem do tempo ele ousou despersianar os olhos. Olhou o corpo e viu que já nem a si se via. Que aconteceu? Virara cego? Por que razão o mundo se embrulhava num pano preto? Chorou. Chorou. E chorou. Pensava que nunca mais regressaria ao seu original formato. Foi então que ouviu uma voz dizendo: - Não chore, gatinho. - Quem é? - Sou eu, o escuro. Eu é que devia chorar porque olho tudo e não vejo nada. Sim, o escuro, coitado. Que vida a dele, sempre afastado da luz! Não era de sentir pena? Por exemplo, ele se entristecia de não enxergar os lindos olhos do bichano. Nem os seus mesmo ele distinguia, olhos pretos em corpo negro. Nada, nem a cauda nem o arco tenso das costas. Nada sobrava de sua anterior gateza. E o escuro, triste, desabou em lágrimas. Estava-se naquele desfile de queixas quando se aproximou uma grande gata. Er a mãe do gato desobediente. O gatinho Pintalgato se arredou, receoso que a mãe lhe trouxesse um castigo. Mas a mãe estava ocupada em consolar o escuro. E lhe disse: - Pois eu dou licença a teus olhos: fiquem verdes, tão verdes que amarelos. E os olhos do escuro de amarelaram. E se viram escorrer, enxofrinhas, duas lagriminhas amarelas em fundo preto. O escuro ainda chorava: - Sou feio. Não há quem goste de mim. - Mentira, você é lindo. Tanto como os outros. - Então porque não figuro nem no arco-íris? - Você figura no meu arco-íris. - Os meninos têm medo de mim. Todos têm medo do escuro. - Os meninos não sabem que o escuro só existe é dentro de nós. - Não entendo, Dona Gata. - Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá inventamos. Agora me entende? - Não estou claro, Dona Gata. - Não é você que me te medo. Somos nós que enchemos o escuro com nosso medos. A mãe gata sorriu bondades, ronronou ternuras, esfregou carinho no corpo do escuro. E foram carícias que ela lhe dedicou, muitas e tantas que o escuro adormeceu. Quando despertou viu que as suas costas estavam das cores todas da luz. Metade do seu corpo brilhava, arco-iriscando. Afinal? O espanto ainda o abraçava quando escutou a voz da gata grande: - Você quer ser meu filho? O escuro se encolheu, ataratonto. Filho? Mas ele nem chegava a ser coisa alguma, nem sequer antecoisa. - Como posso ser seu filho se eu nem sou gato? - E quem lhe disse que não é? E o escuro sacudiu o corpo e sentiu a cauda, serpenteando o espaço. Esticou a perna e viu brilhar as unhas, disparadas como repentinas lâminas. O Pintalgato até se arrepiou, vendo um irmão tão recente. - Mas, mãe: sou irmão disso aí? - Duvida, Pintalgatito? Pois vou-lhe provar que sou mãe dos dois. Olhe bem para os meus olhos e verá. Pintalgato fitou o fundo dos olhos da sua mãe, como se se debruçasse num poço escuro. De rompante, quase se derrubou, lhe surgiu como que um relâmpago atravessando a noite. Pintalgato acordou, todo estremolhado, e viu que, afinal, tudo tinha sido um sonho. Chamou pela mãe. Ela se aproximou e ele notou seus olhos, viu uma estranheza nunca antes reparada. Quando olhava o escuro, a mãe ficava com os olhos pretos. Pareciam encheram de escuro. Como se engravidassem de breu, a abarrotar de pupilas. Ante a luz, porém, seus olhos todos se amarelavam, claros e luminosos, salvo uma estreitinha fenda preta. Então, o gatinho Pintalgato espreitou nessa fenda escura como se vislumbrasse o abismo. Por detrás dessa fenda o que é que ele viu? Adivinham? Pois ele viu um gato preto, enroscado do outro lado do mundo.

Alocução na cerimónia de entrega do prémio União Latina (Mia Couto)


ALOCUÇÃO NA CERIMÓNIA DE ENTREGA DO PRÉMIO DA UNIÃO LATINA DE LITERATURAS ROMÂNICAS (2007) Moçambique é um dos 37 estados que integra a União Latina, organização que se dispõe a valorizar o património plural e diverso do mundo que se expressa nas chamadas línguas latinas. Dezasseis escritores de diversas nações foram galardoados desde que, em 1990, foi instituído o prémio de Literatura da União Latina. Este ano, pela primeira vez, o continente africano é contemplado por este prestigiado prémio. O prémio União Latina de Literatura reafirma, deste modo, a grande diversidade das nossas culturas e das nossas geografias. Jorge Amado falou do Prémio da União Latina como um modo de promover diálogo entre povos. É assim que eu vejo esta distinção: como uma janela por onde nos podemos ver melhor e que nos encoraja a atravessar os territórios de desconhecimento que ainda nos separam. O conhecimento da realidade das nações africanas que integram a União Latina é uma das condições para que esta organização cumpra o seu destino. Não seremos inteiros se não formos todos. Se não teremos espelho se não estivermos igualmente reflectidos numa mesma imagem composta. Moçambique será para muitos de vós uma nação quase desconhecida. Contudo, o percurso desta jovem nação, desde 1975, ano da proclamação da Independência, é uma riquíssima epopeia de sonhos e utopias, de apostas desfeitas e refeitas contra o peso da História. Esse percurso de guerras e dramas fez-se de materiais humanos sublimes, de histórias individuais e colectivas profundamente inspiradoras. São essas vozes que disputam rosto e eco nas páginas dos meus livros. A par de línguas de raiz africana, a língua portuguesa é uma das ferramentas de fabricação da identidade nacional e de construção da modernidade em Moçambique. O lugar da língua portuguesa como idioma oficial não pode ser construído de forma hegemónica, à custa da sobrevivência das línguas bantus que são os idiomas veiculares da maior parte dos moçambicanos. Neste contexto multilingue, os moçambicanos estão reinventando a língua portuguesa, ao mesmo tempo que ela os está inventando como corpo colectivo, como sujeitos de uma cultura apta para o afecto e para as negociações com a modernidade. Os escritores de Moçambique actuam como timoneiros neste processo de construção identitária. Eles estão moldando um idioma que esteja aberto a namorar com os outros idiomas de Moçambique. Por isso, partilho este prémio com todos os meus colegas escritores que usam a palavra para encantar os caminhos da nossa própria construção como nação. Em particular, dedico esta distinção a José Craveirinha que nos ensinou, por via da poesia, que o sermos cultural e linguisticamente múltiplos não nos converte em seres divididos e fragmentados. Ao inverso, nós somos criaturas repartidas, capazes de viajar entre esse arquipélago de identidades de que se constitui a alma moçambicana. Celebro convosco o gosto por essa errância de quem sabe que apenas na viagem pelos outros encontraremos raiz e morada. Muito obrigado Mia Couto (2007)

O gato e o escuro (Mia Couto)

O GATO E O ESCURO (MIA COUTO) O Gato e o Escuro é a estória do gatinho Pintalgato, contada por um narrador anónimo que se dirige a um grupo de crianças, reunidas à sua volta. Trata-se de um mini-conto, cuja temática gira à volta do medo do escuro ou do desconhecido: daquilo que está para lá da linha do horizonte ou do muro da nossa casa, da área circundante, até onde a vista dos nossos pais nos consegue alcançar ou até onde chega o braço protector da nossa infância… É uma pequena estória que fala também dos riscos de desobediência, factor que entra em conflito com a crescente necessidade de autonomia, a sede de descoberta e gosto pela aventura do pequeno Pintalgato. E, para incarnar este tipo de personagem, nada melhor do que a figura de um gatinho, traquinas e brincalhão, com aquele sentimento, misto de irresistível curiosidade e intrepidez, normalmente atribuído aos gatos… Mia Couto escreveu este delicioso conto, não exclusivamente para o público infanto-juvenil ou infantil, mas "para a criança que há em cada um de nós" (sic). Ou seja, para um público sem idade. Ainda sobre esta obra, o Autor revelou em entrevista às Correntes d’Escritas – Encontro Internacional de Escritores de Expressão Ibérica – que teve lugar na Póvoa de Varzim, entre os dias 12 e 16 de Fevereiro último, o seguinte: - Aqui há tempos, dei um autógrafo a um menino que tinha lido esse livro. Conversámos um pouco, mas só quando lhe perguntei se ele tinha medo do escuro é que ele respondeu, é que ele falou realmente comigo: "Sim. E Tu?" e eu respondi "Também." Então aconteceu algo de extraordinário: Ele sentiu-se na obrigação de me consolar e, com isso, citou-me uma frase do livro como se fosse dele – Somos nós que enchemos o escuro com os nossos medos! - Para mim foi o melhor prémio literário que tive até hoje! A pequena estória é contada num tom coloquial, como se fosse dirigida a crianças que estão a escutar atentamente uma narrativa, mas onde o encanto poético colocado nas frases e a cadência, o ritmo, a elas associado, tem o condão de seduzir, também, os adultos, enfeitiçando-os com a musicalidade das palavras e restituindo-lhes a infância e a voz dos avós, que antes nos contavam as estórias do “escuro”, ou melhor, dos nossos medos, à lareira… Os neologismos de Mia Couto, sabiamente introduzidos em momentos-chave da narrativa, enriquecem o conto de forma substancial, através da aglutinação de, por exemplo, substantivos com verbos, como é o caso de pirilampiscavam, tiquetaqueavam ou despersianar os olhos – este último um substantivo transformado em verbo ao qual se juntou um prefixo, para dar a imagem de um abrir de olhos a custo, como se se puxasse uma persiana…ou então a transformação de adjectivos em verbos como, por exemplo, amarelar, ou um substantivo num advérbio, como noitidão. Há, também, a construção frásica atípica em relação à norma existente em Portugal, fazendo lembrar a voz de um velho feiticeiro tribal a encantar os mais pequenos: Faz de conta o pôr-do-sol fosse um muro. Faz mais de conta ainda os pés felpudos pisassem o poente. A fuga à norma no que toca à construção gramatical é, aqui, utilizada como um recurso estilístico, de forma a "vestir" a personagem do narrador, que adquire verosimilhança pelo tom poético que as imagens transportam imediatamente para o imaginário visual do leitor, as quais poderiam perfeitamente ser transportadas para um filme de animação de altíssimo nível. Um gato a pisar a linha do horizonte, quando o sol desaparece é uma cena visual descrita numa frase que perderia muito do seu encanto se fosse enquadrada na frieza da norma. As ilustrações estão a cargo de Danuta Wojciechowska que recebeu o Prémio Nacional de Ilustração de 2003, tendo sido também distinguida com Menções Especiais do Júri em 1999, 2000, 2001 e 2002. A Ilustradora foi a candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen em 2004. Tendo nascido no Quebec, em 1960, é licenciada em Design de Comunicação em Zurique, obtendo uma pós-graduação em Educação em Inglaterra. Actualmente vive e trabalha em Lisboa desde 1984. Em 1992, fundou o atelier Lupa Design, onde se dedica ao design, ilustração e cenografia (fonte, Editorial Caminho). As ilustrações de Danuta traduzem com extraordinária precisão a expressividade do texto de Mia Couto, dotando as cenas desta pequena estória de grande beleza, as quais são exibidas numa paleta de cores ocre, índigo, azul noite, ajudando muito à visualização do próprio texto pelos leitores…e fazendo de um livro como O Gato e O Escuro uma obra de arte, com ilustrações ao nível de pintores como Marc Chagall ou Paul Gauguin… Sinopse: Claudia Sousa Dias

Prémios atribuídos a Mia Couto

PRÉMIOS ATRIBUÍDOS A MIA COUTO Com Mia Couto, a independência literária moçambicana torna-se evidente, certificando aquela consabida observação, segundo a qual a independência política nem sempre coincide no tempo com a autonomização cultural e literária plenas, decorrendo esta de uma lenta emancipação. Mia Couto defrontou uma poderosa instituição que dá pelo nome de Literatura: deu-lhe expressão moçambicana, transformando uma mera língua veicular de comunicação em língua literária, descobrindo os segredos da inteligência da língua e introduzindo provocadoras metamorfoses vocabulares, verbais, frásicas e estilísticas, cheias de graça e arrojo, que são fonte inesperada de novidade. O mundo cultural de Mia Couto, de raiz afro-europeia, exprime-se com uma espontaneidade que a ninguém deixa indiferente. A atestá-lo, o sucesso e aplauso que rodeiam a sua obra em África, na Europa e no Brasil, as consecutivas traduções que vão surgindo noutras línguas. Prémios: Prémio Anual de Jornalismo Areosa Pena (1989) Grande Prémio da Ficção Narrativa de Moçambique (1990) Prémio Nacional de Ficção da Associação de Escritores Moçambicanos (1995) Prémio da Associação dos Críticos de Arte de S. Paulo (Brasil, 1996) Prémio Virgílio Ferreira, pela totalidade da sua obra em língua portuguesa (1999) Prémio Mário António, da Fundação Calouste Gulbenkian (2002) Prémio União Latina de Literaturas Românicas (2007)

21 de outubro de 2008

8 de outubro de 2008

Mia Couto fala de Jorge Amado (Março 2008)

Mia Couto: vida e obra (Abril 2008)

Obra literária de Mia Couto

OBRA LITERÁRIA DE MIA COUTO Mia Couto é, sem dúvida, uma referência no campo da literatura de expressão portuguesa, sendo actualmente o escritor moçambicano mais conhecido no exterior. A sua obra revela ainda influências dos escritores brasileiros João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, do autor moçambicano Craveirinha e de alguns poetas portugueses, como Sofia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade ou Fernando Pessoa. A sua obra tem como tema principal a vida do povo moçambicano, um dos mais pobres e martirizados do mundo, que passou por uma guerra civil de 30 anos e onde persiste uma forte tradição de transmissão da literatura e dos saberes essencialmente por via oral. Numa cultura onde se diz que "cada velho que morre é uma biblioteca que arde", Mia empreende uma escrita que liga a tradição oral africana à tradição literária ocidental, tal como ao estudar a floresta como biólogo. Liga o saber ancestral sobre o espírito das árvores e das plantas à moderna ciência da Ecologia. “Eu guardo na minha infância, assim, uma coisa muito esbatida, um ponto de referência, as histórias que me eram contadas, dos velhos que moravam perto, vizinhos do outro lado da rua, de um outro mundo, e eu recordo esse mundo encantado até algumas histórias, sobretudo como eles me deixaram uma marca.” (in Patrick Chabal, Vozes Moçambicanas). Essencial, num caso como noutro, é sempre a relação mais profunda entre o humano e a terra, entre um humano e outro humano, por vezes nas suas condições mais extremas. O seu estatuto incontestado deve-se não só à forma como aborda os problemas e a vida quotidiana do Moçambique contemporâneo, mas principalmente à criatividade da sua escrita, numa permanente descoberta de novas palavras através de um processo de mestiçagem entre o português "culto" e as variantes dialectais introduzidas pelas populações moçambicanas. Mia é, assim, uma espécie de mágico da língua, criando, apropriando, recriando, renovando a língua portuguesa. Devido a essa autêntica revolução linguística, tem sido comparado a outro grande mágico da Língua Portuguesa do século XX, o escritor brasileiro João Guimarães Rosa. Pode-se afirmar que, em Portugal, há já um verdadeiro culto por Mia Couto, expresso no fascínio que a sua figura exerce, a que não é alheia a ausência de pose intelectual, a simplicidade nos encontros com o público, durante os quais prefere contar histórias pícaras ou dramáticas do quotidiano de Moçambique, a falar da sua obra. Publicações: Raiz de Orvalho – 1999 Vozes Anoitecidas – 1987 Cronicando – 1991 Cada Homem é uma Raça – 1990 Terra Sonâmbula – 1992 Estórias Abensonhadas – 1994 A Varanda do Frangipani – 1996 Contos do Nascer da Terra – 1997 Mar me quer – 2000 Vinte e Zinco – 1999 O Último Voo do Flamingo – 2000 Na Berma de Nenhuma Estrada e Outros Contos – 2001 O Gato e o Escuro – 2001 Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra – 2002 Pensamentos. Textos de Opinião - 2005 A Chuva Pasmada - 2004 O Fio das Missangas - 2004 O Outro Pé da Sereia - 2006 O Beijo da Palavrinha - 2006 Idades Cidades Divindades - 2007 Vozes Anoitecidas - 2008 Venenos de Deus, Remédios do Diabo - 2008

Mia Couto (Biografia)

MIA COUTO António Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, nasceu em 5 de Julho de 1955 na cidade da Beira em Moçambique. É filho de uma família de emigrantes portugueses. O pai, Fernando Couto, natural de Rio Tinto, foi jornalista e poeta, pertencendo a círculos intelectuais, tipo cineclubes, onde se faziam debates. Chegou a escrever dois livros que demonstraram preocupação social em relação à situação de conflito existente em Moçambique. Mia Couto publicou os seus primeiros poemas no jornal Notícias da Beira, com 14 anos. Iniciava assim o seu percurso literário dentro de uma área específica da literatura – a poesia –, mas posteriormente viria a escrever as suas obras em prosa. Em 1972 deixou a Beira e foi para Lourenço Marques para estudar medicina. A partir de 1974 enveredou pelo jornalismo, tornando-se, com a independência, repórter e director da Agência de Informação de Moçambique (AIM) - de 1976 a 1976; da revista semanal Tempo - de 1979 a 1981 e do jornal Notícias - de 1981 a 1985. Em 1985 abandonou a carreira jornalística. Reingressou na Universidade de Eduardo Mondlane para se formar em biologia, especializando-se na área de ecologia, sendo actualmente professor da cadeira de Ecologia em diversas faculdades desta universidade. Como biólogo tem realizado trabalhos de pesquisa em diversas áreas, com incidência na gestão de zonas costeiras e na recolha de mitos, lendas e crenças que intervêm na gestão tradicional dos recursos naturais. É director da empresa IMPACTO, Lda. - Avaliações de Impacto Ambiental. Em 1992, foi o responsável pela preservação da reserva natural da Ilha de Inhaca. Mia Couto é um "escritor da terra", escreve e descreve as próprias raízes do mundo, explorando a própria natureza humana na sua relação umbilical com a terra. A sua linguagem extremamente rica e muito fértil em neologismos, confere-lhe um atributo de singular percepção e interpretação da beleza interna das coisas. Cada palavra inventada como que adivinha a secreta natureza daquilo a que se refere, entende-se como se nenhuma outra pudesse ter sido utilizada em seu lugar. As imagens de Mia Couto evocam a intuição de mundos fantásticos e em certa medida um pouco surrealistas, subjacentes ao mundo em que se vive, que envolve de uma ambiência terna e pacífica de sonhos - o mundo vivo das histórias. Mia Couto é um excelente contador de histórias. A sua actividade como escritor é a mais conhecida em Portugal. É o único escritor africano que é membro da Academia Brasileira de Letras. É hoje o autor moçambicano mais traduzido e divulgado no estrangeiro e um dos autores estrangeiros mais vendidos em Portugal. As suas obras são traduzidas e publicadas em 24 países. Várias das suas obras têm sido adaptadas ao teatro e cinema. Tem recebido vários prémios nacionais e internacionais, por vários dos seus livros e pelo conjunto da sua obra literária.

3 de outubro de 2008

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA (CPLP) O primeiro passo no processo de criação da CPLP foi dado em São Luís do Maranhão, em Novembro de 1989, por ocasião da realização do primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, a convite do Presidente brasileiro, José Sarney. Na reunião, decidiu-se criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), que se ocupa da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade. A ideia da criação de uma Comunidade reunindo os países de língua portuguesa – nações irmanadas por uma herança histórica, pelo idioma comum e por uma visão compartilhada do desenvolvimento e da democracia – já tinha sido suscitada por diversas personalidades. Em 1983, no decurso de uma visita oficial a Cabo Verde, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Jaime Gama, referiu que: "O processo mais adequado para tornar consistente e descentralizar o diálogo tricontinental dos sete países de língua portuguesa espalhados por África, Europa e América seria realizar cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado ou Governo, promover encontros anuais de Ministros de Negócios Estrangeiros, efectivar consultas políticas frequentes entre directores políticos e encontros regulares de representantes na ONU ou em outras organizações internacionais, bem como avançar com a constituição de um grupo de língua portuguesa no seio da União Interparlamentar". O processo ganhou impulso decisivo na década de 90, merecendo destaque o empenho do então Embaixador do Brasil em Lisboa, José Aparecido de Oliveira. Os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da Comunidade dos Paises de Língua Portuguesa, (E-D) o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, de Cabo Verde, Mascarenhas Monteiro, de Portugal, Jorge Sampaio, o primeiro-ministro português, Antonio Guterres, da Guiné-Bissau, Joao Bernardo "Nino" Vieira, de Moçambique, Joaquim Chissano, o representante de São Tome e Príncipe e ainda o Secretario Executivo da CPLP, Marcolino Moco, durante a Cimeira Constitutiva da CPLP, que decorreu a 17 de Julho de 1996 no Centro Cultural de Belém Em Fevereiro de 1994, os sete ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores, reunidos pela segunda vez, em Brasília, decidiram recomendar aos seus Governos a realização de uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo com vista à adopção do acto constitutivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Os ministros acordaram, ainda, no quadro da preparação da Cimeira, a constituição de um Grupo de Concertação Permanente, sedeado em Lisboa e integrado por um alto representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal (o Director-Geral de Política Externa) e pelos Embaixadores acreditados em Lisboa (única capital onde existem Embaixadas de todos os países da CPLP). Relativamente às várias vertentes do processo de institucionalização da CPLP, o Grupo analisou em substância a cooperação existente entre os Sete e a concertação a estabelecer. Foram abordadas, de forma aprofundada, áreas como a concertação político-diplomática, a cooperação económica e empresarial, a cooperação com organismos não governamentais e a entrada em funcionamento do IILP. O resultado desse trabalho encontra-se consolidado em dois documentos, adoptados posteriormente na Cimeira (a) Declaração Constitutiva (b) Estatutos da Comunidade Os sete Ministros voltaram a reunir-se em Junho de 1995, em Lisboa, tendo reafirmado a importância para os seus países da constituição da CPLP e reiterado os compromissos assumidos na reunião de Brasília. Nessa ocasião, validaram o trabalho realizado pelo Grupo de Concertação Permanente (que passou a denominar-se Comité de Concertação Permanente) e concordaram em recomendar a marcação da Cimeira para o final do primeiro semestre de 1996, em Lisboa, fazendo-a preceder de uma reunião ministerial em Abril do mesmo ano, em Maputo. A 17 de Julho de 1996, em Lisboa, realizou-se a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo que marcou a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, entidade reunindo Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Seis anos mais tarde, em 20 de Maio de 2002, com a conquista de sua independência, Timor-Leste tornou-se o oitavo país membro da Comunidade. Os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da Comunidade dos Paises de Língua Portuguesa, (E-D) o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, de Cabo Verde, Mascarenhas Monteiro, de Portugal, Jorge Sampaio, o primeiro-ministro português, Antonio Guterres, da Guiné-Bissau, Joao Bernardo "Nino" Vieira, de Moçambique, Joaquim Chissano, o representante de São Tome e Príncipe e ainda o Secretario Executivo da CPLP, Marcolino Moco, durante a Cimeira Constitutiva da CPLP, que decorreu a 17 de Julho de 1996 no Centro Cultural de Belém A reunião deste grupo de Estados – situados em 4 Continentes e englobando 230 milhões de pessoas – consolidou uma realidade já existente, resultante da tradicional cooperação Portugal-Brasil e dos novos laços de fraternidade e cooperação que, a partir de meados da década de 1970, se foram criando entre estes dois países e as novas nações de língua oficial portuguesa. A institucionalização da CPLP traduziu, assim, um propósito comum: projectar e consolidar, no plano externo, os especiais laços de amizade entre os países de língua portuguesa, dando a essas nações maior capacidade para defender seus valores e interesses, calcados sobretudo na defesa da democracia, na promoção do desenvolvimento e na criação de um ambiente internacional mais equilibrado e pacífico. A CPLP assume-se como um novo projecto político cujo fundamento é a Língua Portuguesa, vínculo histórico e património comum dos Oito – que constituem um espaço geograficamente descontínuo, mas identificado pelo idioma comum. Esse factor de unidade tem fundamentado, no plano mundial, uma actuação conjunta cada vez mais significativa e influente. A CPLP tem como objectivos gerais a concertação política e a cooperação nos domínios social, cultural e económico. Para a prossecução desses objectivos a Comunidade tem promovido a coordenação sistemática das actividades das instituições públicas e entidades privadas empenhadas no incremento da cooperação entre os seus Estados-membros. As acções desenvolvidas pela CPLP têm objectivos precisos e traduzem-se em directivas concretas, voltadas para sectores prioritários, como a Saúde e a Educação. Para tal, procura-se mobilizar interna e externamente esforços e recursos, criando novos mecanismos e dinamizando os já existentes. Neste esforço, são utilizados não apenas recursos cedidos pelos governos dos países membros, mas também, de forma crescente, os meios disponibilizados através de parcerias com outros organismos internacionais, organizações não-governamentais, empresas e entidades privadas, interessadas no apoio ao desenvolvimento social e económico dos países de língua portuguesa. No tocante à concertação político-diplomática, tem-se dado expressão crescente aos interesses e necessidades comuns em organizações multilaterais, como a ONU, a FAO e a OMS. Nos fora regionais e nas negociações internacionais de carácter político e económico, a CPLP tem-se assumido como um factor capaz de fortalecer o potencial de negociação de cada um de seus Estados-membros. No campo económico, procura-se aproveitar os instrumentos de cooperação internacional de um modo mais consistente , através de uma concertação regular entre os Oito. Outro ponto importante em que se tem vindo a desenvolver esforços significativos é o da cooperação empresarial. Para a valorização e difusão do idioma comum, realça-se o papel crescente que é exercido pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sedeado em Cabo Verde, assim como pelo Secretariado Executivo da CPLP, que desenvolveu uma rede de parcerias voltadas para o lançamento de novas iniciativas nas áreas da promoção e difusão da língua portuguesa.

2 de outubro de 2008

Maputo / LM revisitada (2005)

História do Palácio da Ponta Vermelha (Maputo)

HISTÓRIA DO PALÁCIO DA PONTA VERMELHA A designação da Ponta Vermelha ao promontório de cor avermelhada, 63 metros acima do nível médio das águas do mar, onde desaguam os rios Tembe, Umbeluzi, Matola e Maputo para formarem a imensa Baía de Maputo, deve ser reminiscência remota do período da ocupação holandesa (1720-1730). Com efeito, sob a designação de «Roode Hoek», ela aparece pela primeira vez na célebre carta da Baía de Lourenço Marques levantada em 1726 pelo engenheiro holandês Konick. Mais tarde a designação aparece repetida pelos ingleses que a traduzem para «Reuben Point», daí, talvez, o vir a chamar-se Ponta Vermelha pelos cartógrafos portugueses como tradução da expressão inglesa, originária por sua vez da designação holandesa. É porém curioso notar que na carta da Baía de Lourenço Marques, datada de 1872 submetida ao julgamento arbitral de Mac-Mahon, ela aparece indicada sob duas designações: «Ponta alta de Mafumo» e «Ponta Vermelha». Ainda hoje, quem contornar observando com atenção os penhascos salientes que do alto da reentrância parece ameaçarem a estrada marginal, notará a razão de ser da designação que conserva. A Ponta Vermelha constituía, ainda na última década do século XIX, uma vila à parte de Lourenço Marques. Foi integrada na cidade e entregue à Câmara Municipal em 27 de Agosto de 1896, por decreto provincial do Comissário Régio António Enes. Presume-se que os primeiros edifícios que se situavam onde hoje se encontra o Palácio da Ponta Vermelha tenham sido erguidos por volta de 1883-1884 por uma concessionária norte-americana designada Mac Murdo, que estava envolvida nas obras de construção da linha dos Caminhos de Ferro Lourenço Marques–Transvaal. Num contrato rubricado a 14 de Dezembro de 1883 com o Governo português, a concessionária obrigava-se a construir, para além da linha férrea, todas as dependências necessárias para residência do pessoal e armazenamento de material. Daí terá resultado a construção de alguns barracões na zona da Ponta Vermelha. O Palácio começou por ser um pavilhão de madeira e ferro. Era uma construção sem carácter de longa duração, portanto estaria lá enquanto durassem os trabalhos da construção da linha férrea. A 25 de Junho de 1889, por quebra de contrato e desobediência à autoridade portuguesa por parte da concessionária, o Governo colonial determinou a apreensão da linha do caminho de ferro, incluindo as dependências de qualquer natureza que pertencessem à Mac Murdo. O pavilhão de madeira e ferro passou à posse do Estado, o seu primeiro ocupante famoso foi o Comissário Régio António Enes, quando chegou a Lourenço Marques, em Janeiro de 1895. "À noite" - escreveu ele – "fui instalar-me na pequena casa da Ponta Vermelha, antiga propriedade da empresa concessionária do caminho de ferro, em que os Governadores do distrito já haviam estabelecido residência, e que eu ia promover a Paço do Governo e quartel-general, embora a sua modéstia arquitectónica lhe proibisse prosápias, e a sua varanda alpendrada, sobranceira à vastidão da baía e toda afestoada de trepadeiras floridas, lhe desse ares de moradia romântica de alguma Julieta". A partir dessa data, mas sem carácter permanente, os Governadores do Distrito de Lourenço Marques passaram a estabelecer-se na Residência da Ponta Vermelha, uma vez que a sua residência oficial tinha deficiências na sua construção.Em 1891, para além das habitações já construídas na Ponta Vermelha, é iniciada a instalação de quartéis militares. É ainda com António Enes que em 1895, Ponta Vermelha passa a ser a residência oficial do Governador Geral, que até aí tinha o seu palácio na Ilha de Moçambique, capital da colónia. Essa mudança esteve intimamente relacionada com as campanhas de ocupação no sul, nomeadamente contra Ngungunhana. Outro hóspede que a Residência da Ponta Vermelha teve foi de Mouzinho de Albuquerque, que sucedeu a António Enes como Comissário Régio, em 1896. Quando ali se instalou com sua esposa, D. Maria José Gaivão, tudo continuava faltando, quer em mobiliário quer em conforto. Foi então que sobre os ombros da senhora D. Maria José caiu a tremenda responsabilidade de preparar decentemente a Residência para receber o almirante inglês Rawson, que, com a sua esquadra estacionada no Cabo, visitaria oficialmente Lourenço Marques em 1897. A visita do almirante Rawson, numa altura em que os ingleses ainda pensavam em «comprar» ao Governo Português a cidade e o porto de Lourenço Marques, parece que tinha outros fins que não de simples cortesia. O autor Montague George Jessett, escreve no seu livro «The Key to South África: Delagoa Bay», que «foi verdadeiramente a visita do esquadrão britânico a Delagoa Bay, em 1897, que atraiu pela primeira vez as atenções do Mundo para este "maravilhoso porto". Cerca de 1905-1906, sob a direcção técnica do empreiteiro italiano Francesco Masci fizeram-se as primeiras obras mais importantes de que urgentemente carecia a Residência, para sua ampliação e modificação. Masci pôs na execução do trabalho que lhe foi confiado, toda a sua boa vontade e entusiasmo, resultando aquilo que um jornal da época chamou, depois, de «uma verdadeira obra-prima». O italiano que fora empreiteiro também da construção do edifício dos Correios de Moçambique, na hoje Av. 25 de Setembro, retirou-se para a Itália em Outubro de 1906. Devido às modificações introduzidas por Masci, Ponta Vermelha ficou em condições de receber os Príncipes de Connaught, em 1906. Foi essa a primeira vez nos anais da história, que a cidade que Lourenço Marques recebeu uma visita régia, pois o Duque era membro da Casa Real Inglesa. Os Connaughts e a filha, Princesa Vitória Patrícia (que chegou a ser indigitada para noiva do Rei D. Manuel II), chegaram a Lourenço Marques em visita oficial em fins de Fevereiro de 1906 e ficaram instalados na Residência da Ponta Vermelha, posta à sua disposição pelo Governador-Geral João de Azevedo Coutinho. Em 1 de Março de 1906, pelas 15.30 horas da tarde realizou-se na Residência, em honra do Duque, que era Inspector-Geral dos Exércitos da Grã-Bretanha e irmão do Rei Eduardo VII, sua esposa e filha, uma recepção oficial que ficou memorável, pois decorreu com o maior brilhantismo possível. O primeiro príncipe português que habitou a Residência foi D. Luís Filipe, Duque de Bragança, que seria o futuro Rei de Portugal se não tivesse sido assassinado em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1908. Chegou a Lourenço Marques a 29 de Julho de 1907, a bordo do paquete «África». À chegada à Residência, D. Luís Filipe dirigiu-se para os seus aposentos particulares, que tinham sido preparados no andar superior do Palácio do Governador-Geral. Após pequena demora, desceu para o salão principal, onde se efectuou a recepção. Era Governador-Geral o conselheiro Freire de Andrade. Ao Governador-Geral, Dr. Alfredo de Magalhães (1911-1912) se ficou devendo a ampliação mais importante do Palácio da Ponta Vermelha. Primitivamente, só a parte central do edifício tinha primeiro andar, servindo pela escada interior. Ali se reunia o Conselho Legislativo. Verificada a necessidade de novas instalações pelo desenvolvimento de todos os serviços públicos, surgiu a conveniência imperiosa de o ampliar, elevando os corpos laterais. Desta forma, o edifício se tornou mais amplo, pois além da Sala do Conselho do Governo ficou com mais duas grandes salas, sendo uma destinada à biblioteca e outra à reunião de vários conselhos e comissões, como era objectivo do Dr. Alfredo de Magalhães. Ponta Vermelha voltou a conhecer obras de reabilitação em Fevereiro de 1939 e foi preparada convenientemente para a visita do Presidente Óscar Carmona, primeiro Chefe do Estado que a habitou. Por essa ocasião, ampliou-se a Sala da Índia, cuja área foi duplicada. Essa sala evocava, pela designação que lhe fora atribuída, o período áureo da gesta da expansão ultramarina e as afinidades que ligaram Moçambique aos Vice-Reis e ao Governo de Gôa, sob cuja administração esteve a província até Abril de 1752, tendo-se desligado dessa administração durante o vice-reinado de Marquês de Távora. Em 1956, a Residência beneficiou de outros melhoramentos e principalmente da construção do vasto salão preparado para a visita oficial do Chefe do Estado, Marechal Craveiro Lopes. Por essa altura o mestre Frederico Ayres executou um gigantesco painel que decora o salão e foi colocado em ambiente próprio, no Jardim, o conjunto alegórico em bronze, representando a famosa carga de cavalaria de Macontene, conduzida por Mouzinho, em 1897. Ao longo dos anos, Ponta Vermelha foi sofrendo várias obras de beneficiações, mas sempre mantendo o seu traçado primitivo que o confere uma certa beleza e estética. Com a conquista da Independência Nacional, em Junho de 1975, o Palácio da Ponta Vermelha foi declarado residência oficial do Presidente da República.

Armando Emílio Guebuza (Biografia)

ARMANDO EMÍLIO GUEBUZA Nasceu a 20 de Janeiro de 1943, em Murrupula, Província de Nampula onde, seu pai, Miguel Guebuza, exercia a função de enfermeiro e sua mãe, Marta Bocota Guebuza, doméstica. Em 1948, seu pai é transferido para Lourenço Marques, nome como era chamada a Cidade de Maputo no período colonial. Aqui, aos seis anos, Armando Guebuza inicia os seus estudos em Xipamanine, no Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique. Frequenta, igualmente, a Igreja da Missão Suíça, onde é integrado nas Patrulhas (Mintlawa), que para além das actividades religiosas, desenvolviam outras que exigiam a participação de todos, irmanados no espírito de sacrifício, ajuda mútua e promoção de uma visão comum. No ensino secundário, junta-se a outros jovens, membros do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), e que era conhecido por “Núcleo”, uma organização cívica fundada por Eduardo Mondlane em 1949. O Núcleo tinha como actividades principais, a realização de aulas de compensação, educação cívica e cultural e, de uma forma discreta, a mobilização política. Após a saída do Presidente do Núcleo, Joaquim Alberto Chissano, para Portugal, onde ia prosseguir os seus estudos, foram sucessivamente eleitos dois companheiros para direcção daquela organização estudantil. Em 1963, Armando Guebuza é eleito Presidente do Núcleo. A sua escolha correspondeu à expectativa, tornando o Núcleo um centro de atracção e de referência para muitos jovens e adolescentes de então. Em 1963, Armando Guebuza junta-se à rede clandestina da FRELIMO, na então Cidade de Lourenço Marques. A sua experiência na direcção do Núcleo, a sua qualidade de monitor e o seu carisma concorreram para promover e desenvolver o trabalho clandestino no meio estudantil. Em Março de 1964, Armando Guebuza e outros colegas, decidem abandonar Moçambique para se juntarem à FRELIMO. Para escapar ao controlo da PIDE, a tenebrosa polícia secreta do regime colonial, tiveram que abandonar o comboio em Mapai para fazer o restante percurso até à fronteira de Chicualacuala, a pé, enfrentando o cansaço, a fome e a sede. Uma vez do outro lado da fronteira rodesiana, ainda exaustos, com fome e sede, caminharam mais 30 Kms antes de retomarem ao comboio. Depois de Salisbúria, hoje Harare, o grupo que integrava Armando Guebuza já na companhia de outros dois moçambicanos, que a eles se juntaram no comboio a caminho de Salisbúria, retomam a viagem para a Zâmbia. No comboio, são presos pela polícia rodesiana, quando se preparavam para abandonar aquele país, e encarcerados em Victoria Falls. Armando Guebuza e os seus colegas são entregues à PIDE e durante aproximadamente cinco meses são torturados para se lhes extrair confissões. Entretanto, por alturas da sua libertação são presos os guerrilheiros da Quarta Região que se preparavam para abrir a Frente Sul. Apesar de estarem em liberdade vigiada, Armando Guebuza e os seus camaradas decidem vingar-se da acção da PIDE e reafirmar com actos de coragem que a FRELIMO estava activa. Na noite de 24 e 25 de Dezembro de 1964, espalham panfletos, na região Sul de Moçambique, que continham a fotografia do Presidente Eduardo Mondlane. Esta situação forçou a PIDE a divulgar, um comunicado com a lista dos guerrilheiros detidos dando detalhes de cada um deles. Não obstante as intimidações e chantagens da PIDE, retomam o sonho de se juntarem à FRELIMO. Permanecem alguns meses na Suazilândia, como refugiados. Mais tarde, conseguem atravessar a África do Sul e, na Bechuanalândia, um protectorado Britânico, são novamente detidos e ameaçados com a deportação pelas autoridades britânicas. Graças à intervenção do Dr. Eduardo Mondlane, exigindo a sua incondicional libertação, o grupo é entregue ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e conduzido para a Zâmbia. Dali, mais tarde, o grupo segue para a Tanzânia, conduzido por Mariano Matsinha, então representante da FRELIMO na Zâmbia. Na Tanzânia, Armando Guebuza é submetido aos treinos militares em Bagamoyo. Faz depois parte do grupo de combatentes que abriu o Campo de Preparação Político Militar de Nachingweya. Em 1966, é transferido de Nachingweya para Dar-es-salam, para exercer as funções de Secretário Particular do Presidente Mondlane, em substituição de Joaquim Chissano que se preparava para ir à formação na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Nesta altura, Armando Guebuza, lecciona Cumulativamente no Instituto Moçambicano. Mais tarde e ainda nesse mesmo ano de 1966 é nomeado Secretário para a Educação e Cultura. Desde 1966, é membro do Comité Central da FRELIMO. Em 1968, é nomeado Inspector das escolas da FRELIMO. Em 1970 é nomeado Comissário Político Nacional. No Governo de Transição Guebuza ocupa a pasta da Administração Interna. No primeiro Governo do Moçambique independente é nomeado Ministro do Interior. Em 1974, Armando Emílio Guebuza, dirige na sua qualidade de Comissário Político, o processo de criação e implantação dos Grupos Dinamizadores. Em 1977, o Comité Político Permanente da FRELIMO designa Armando Guebuza para dirigir a Comissão de reassentamento das populações vítimas das cheias na Província de Gaza. É em resultado desse esforço, e em colaboração com as autoridades e populações locais, que nascem as aldeias comunais erguidas nas partes altas do Vale do Limpopo, e hoje em franco progresso. Em 1977, o Comissário Político Nacional, Armando Guebuza é nomeado Vice-Ministro da Defesa Nacional e em 1978 acumula estes cargos com o de Substituto Legal do Governador da Província de Cabo Delgado. Em 1981, é designado Governador da Província de Sofala, e em 1983, é novamente, nomeado Ministro do Interior. Em 1984, é nomeado Ministro na Presidência, responsável pela coordenação das áreas da Agricultura, Comércio, Indústria Ligeira e Turismo, assim como a cooperação com a China, Coreia do Norte, Paquistão e Vietname. Em 1986, assume a pasta dos Transportes e Comunicações e da Presidência do Comité de Ministros dos Transportes e Comunicações da Comunidade para o Desenvolvimento da Africa Austral. Em 1990, é nomeado chefe da delegação do Governo às conversações de Roma que resultaram na assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992. Em 1992, é designado Chefe da Delegação do Governo na Comissão de Supervisão e Implementação do Acordo Geral de Paz para Moçambique. Armando Guebuza, Tenente-General na Reserva esteve também envolvido no processo de Paz do Burundi sob a égide do falecido Presidente da Tanzânia Julius Nyerere e, mais tarde, do antigo Presidente sul-africano, Nelson Mandela. Armando Guebuza foi responsável da Comissão sobre a natureza do conflito Burundês, problemas do genocídio e exclusão e suas soluções. Em 2000 ele foi escolhido por consenso pelas partes em conflito no Burundi para presidir à Comissão sobre as Garantias para a Implementação do Acordo resultante das negociações de Paz. Foi Chefe da bancada da FRELIMO desde o primeiro parlamento multipartidário saído das Eleições Gerais de 1994, até ao VIII Congresso da FRELIMO. Em 2002, é eleito Secretário Geral da FRELIMO. Em 2004, é eleito Presidente da República. Em 2005 é eleito Presidente do Partido. Armando Emílio Guebuza é casado com Maria da Luz Guebuza, é pai de 4 filhos e tem dois netos.

Joaquim Alberto Chissano (Biografia)

JOAQUIM ALBERTO CHISSANO Nasceu a 22 de Outubro de 1939 na aldeia remota de Malehice, distrito de Chibuto, província de Gaza. Frequentou o ensino primário numa escola oficial na cidade de Xai-Xai, actual capital provincial de Gaza. Em 1951, o jovem Joaquim Chissano logrou tornar-se no primeiro negro a matricular-se no Liceu Salazar (actual Escola Secundária Josina Machel), onde fez os seus estudos secundários. Nessa altura, Joaquim Chissano integrou o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), organização de que se tornou seu líder. Depois de concluir o ensino secundário em 1960 partiu para Portugal afim de cursar medicina. Entretanto, em 1961 viu-se na contingência de fugir deste país, integrando um numeroso grupo de estudantes provenientes das então colónias portuguesas de África, devido a perseguição de que estavam sujeitos pela Policia Secreta Portuguesa (PIDE) devido às suas convicções no que diz respeito ao direito à auto-determinação dos seus povos. Chegado à Paris na França estabeleceu contactos com Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, um moçambicano então professor na Universidade de Siracusa que viera dos Estados Unidos da América de propósitos para se encontrar com os estudantes moçambicanos que entretanto haviam fundado a União Nacional dos Estudantes Moçambicanos (UNEMO). Com objectivo de continuar com os estudos matriculou-se na Universidade de Poitiers, em França. Em Abril de 1962 Joaquim Chissano viajou para Dar Es Salaam a fim de, em representação da União dos Estudantes Moçambicanos, de que era Presidente, tentar convencer os Movimentos de Libertação ali sediados a unirem-se numa FRENTE DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. Como corolário de esforços conjugados com vários outros compatriotas liderados por Eduardo Mondlane, a FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE (FRELIMO) foi formalmente fundada a 25 de Junho de 1962, em Dar-Es-Salaam, Tanzania. A consciência patriótica de Joaquim Chissano leva-o a responder positivamente ao chamamento da FRELIMO, que ajudou a formar, e abandonar os estudos, em 1963, de modo a fixar-se na Tanzania afim de servir mais directamente a causa da libertação nacional. Dadas as suas qualidades de liderança e a sua entrega é pouco tempo depois da sua chegada designado Secretário Particular do Presidente Eduardo Mondlane e Assistente deste nas funções de Chefe do Departamento de Educação e por inerência de funções torna-se membro do Comité Central da FRELIMO. Em 1964 acumula as suas funções com as de subtítulo do Chefe de Departamento de Segurança e Defesa. No mesmo ano recebe uma formação militar em Moscovo. De regresso, em 1965, reassume as suas funções na Educação e participa como professor nas actividades da Escola Secundária da FRELIMO e do Instituto Moçambicano. Em 1966 volta à formação militar. De regresso é nomeado chefe do Departamento da Segurança que é encarregado de criar, já separado do Departamento de Defesa. Em 1968 participa no II Congresso da FRELIMO, realizado em Matchedje, uma zona libertada da província do Niassa, no Norte de Moçambique. Ali foi eleito membro do Comité central. Em 1969 Joaquim Chissano é nomeado Representante Permanente da FRELIMO na Tanzânia cargo que acumulou com a de Chefe do Departamento de Segurança. Chissano jogou um papel fundamental nas negociações dos Acordos de Lusaka, assinados a 7 de Setembro de 1974, entre a FRELIMO e o Governo Português, sobre a Independência de Moçambique. A 20 de Setembro de 1974, com apenas 35 anos de idade, Joaquim Chissano toma posse como Primeiro-Ministro do Governo de Transição que conduziria Moçambique à proclamação da sua Independência Nacional, a 25 de Junho de 1975. Depois da proclamação da Independência, Chissano é nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros. Como chefe da diplomacia moçambicana ajudou o país a granjear respeito e simpatia em todo o Mundo, do oriente ao ocidente e do norte ao sul. Chissano participou com a equipa de Samora Machel na preparação e direcção das negociações do Acordo de N’Komati embora não tomasse parte nos contactos directos para não dar aso a um relacionamento diplomático com a África do Sul. Fez parte na delegação que acompanhou o Presidente Machel à assinatura do mesmo acordo na fronteira com África do Sul em 1984. Com a morte trágica do Presidente Samora Machel, em 1986, Joaquim Chissano é eleito Presidente da República Popular de Moçambique. Como Chefe do Estado, Chissano conduziu com sucesso profundas reformas sócio-económicas no país, fundamentalmente consubstanciadas na Constituição de 1990, que abriu Moçambique ao multipartidarismo e á economia de mercado. Chissano conduziu igualmente com sucesso as negociações com o ex-movimento armado Renamo para o fim de 16 anos de uma guerra de desestabilização que dilacerou o tecido social e económico do país. O Acordo de paz foi assinado a 4 de Outubro de 1992, levando a que o povo carinhosamente o tratasse por “Obreiro da Paz”. Em 1994 venceu as primeiras eleições multipartidárias na história do país, tendo sido reeleito Presidente da República em 1999. Apesar de o número 5 do artigo118 da Constituição moçambicana permitir que possa concorrer nas eleições presidenciais de 2004, Joaquim Chissano voluntariamente decidiu não o fazer. Como Chefe de Estado moçambicano, Chissano ocupou altos cargos em organizações internacionais, nomeadamente, Presidente da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); Presidente da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC); Presidente do Órgão da SADC para a Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e Segurança e Vice-Presidente da Internacional Socialista. Em Julho de 2003, foi eleito Presidente da União Africana. Chissano é poliglota. Fala fluentemente cinco línguas: Changana, Português, Swahili, Inglês e Francês. Comunica em mais três línguas: Espanhol, Italiano e Russo. É casado com Marcelina Rafael Chissano com que tem 4 filhos.