28 de junho de 2020

Portugal - Serra do Marão

Branqueamento da história exclui lutadores pela independência de Moçambique, diz Daviz Simango


O presidente do MDM, Daviz Simango, considerou esta quinta-feira que o país cometeu “erros graves” com o branqueamento da sua história, reescrita segundo a agenda do Governo, e defendeu a “inclusão de heróis” com títulos “negados”.

Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira força parlamentar, Daviz Simango disse que a classificação de moçambicanos, como "reacionários, contra reacionários e traidores", excluiu muitos que lutaram pela independência do panteão de heróis nacionais, considerando tratar-se de “uma ação discriminatória que divide os moçambicanos”, que se torna num travão real aos esforços para a reconciliação.

“Se não reconhecermos a heroicidade e a moçambicanidade dos outros jamais haverá reconciliação”, precisou Daviz Simango, em nota alusiva aos 40 anos da independência de Moçambique, que hoje se celebram e divulgada na página do partido na rede social Facebook.

Simango disse ser obrigatório proceder a uma reflexão profunda sobre o trajeto percorrido para, defendeu: “sermos capazes de identificar quais são as causas dos atrasos que teimam em verificar-se na esfera social, política, económica, e cultural" de Moçambique.

“É tempo de aclararmos de forma aberta e inequívoca de que o projeto de construção de Moçambique forte, sólido, democrático, solidário e justo tem sofrido fortes revezes devido a uma série de causas”, declarou Daviz Simango, insistindo que a "postura de açambarcamento" do país por um grupo de moçambicanos e intolerância política retarda o desenvolvimento.

“Quando se procura encontrar as causas da discórdia que ameaça a paz e a estabilidade em Moçambique, chocamos sempre com a intolerância política como causa primeira”, disse, defendendo ser necessário “assumir que a independência foi fruto de sacrifícios consentidos por milhões de moçambicanos”.

O MDM, frisou, quer participar do processo político nacional trabalhando numa visão de descodificar a situação que cada vez mais ganha contornos preocupantes, em alusão à “reabilitação dos heróis dos outros” e a gestão da crise pós-eleitoral.

“A ofensiva mediática de entrevistas com personalidades nacionais que participaram na gesta independentista é importante mas peca por não trazer a opinião de outros moçambicanos que também participaram na luta pela independência nacional”, concluiu.

Lusa, 26 de Junho de 2015

Moçambique: Telegrama "confidencial" revela ataque da Frelimo contra católicos em 1978



Um telegrama "confidencial" da embaixada de Portugal em Maputo revela que Sérgio Vieira, dirigente da Frelimo, ameaçou directamente os bispos católicos em 1978.

A 18 de Dezembro de 1978, um telegrama “confidencial” relata o encontro entre as autoridades de Moçambique e os bispos católicos e que contou com a presença de todos os governadores provinciais.

Segundo o mesmo aerograma, Sérgio Vieira, chefe de gabinete de Samora Machel que desempenhava na altura funções de governador do Banco de Moçambique, presidiu à reunião, acusando directamente os católicos de terem desempenhado o papel de “arma do colonialismo” e apontando o carácter contra revolucionário da igreja face aos princípios políticos que norteavam a República Popular de Moçambique comunicando novas medidas.

“Todos os edifícios religiosos, incluindo respectivo recheio passariam a ser propriedade do Estado moçambicano; todos os actos de culto e catequese seriam doravante confinados ao interior dos templos; seria proibida a circulação de todo e qualquer documento eclesiástico sem aprovação prévia das autoridades moçambicanas", refere Sérgio Vieira, citado no telegrama.

O mesmo dirigente da Frelimo comunica também que "seria proibida a constituição ou manutenção pela igreja de qualquer espécie de associação ou organização, que seria proibida a realização de manifestações públicas, bem como reuniões fora dos templos, não devendo os sacerdotes ir ao encontro dos fiéis mas apenas recebe-los quando procurados por eles" e que "seria proibida a realização de ataques e críticas à doutrina marxista-leninista”, informa a embaixada na mesma transmissão a partir de Maputo.

Segundo o telegrama 1036/1978, a reação dos bispos teria sido de “estupefacção”, mas, apesar de tudo, a sensação que ficou entre os presentes foi que as medidas anunciadas por Sérgio Vieira nunca seriam publicadas “por óbvias razões de imagem política”, principalmente externa.

Em todo o caso, mesmo sem publicar as normas, os responsáveis religiosos, refere a embaixada, jamais poderiam invocar “ignorância” porque os governadores provinciais, presentes na reunião, poderiam exercer pressão junto dos sacerdotes.

“Informações que nos têm chegado indicam estarem muitos padres presos ou colocados sob residência fixa por motivos fúteis, prevalecendo a ideia de que o governo quer subjugar completamente a igreja católica”, vinca o telegrama da embaixada de Portugal sobre as relações entre a igreja e a FRELIMO três anos após a independência de Moçambique.

Da consulta dos telegramas da embaixada de Portugal referentes aos anos entre 1975 e 1980, e que constam dos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, destacam-se em 1978 as perseguições contra sacerdotes, sobretudo portugueses, e nos anos anteriores as declarações do chefe de Estado, Samora Machel, contra Testemunhas de Jeová, podendo alguns deles ser consultados no "site" da Lusa sobre as independências. 


Lusa, 11 de Julho de 2015

Moçambique: Contributos para a História (José Milhazes, 2007)



“Rússia (URSS) nas guerras da segunda metade do séc. XX”. M., Triada-farm 2002. Pág. 402-407

Luta armada do povo de Moçambique pela liberdade e a independência (1965-1979)

(continuação)

"A fim de preparar quadros de comando e especialistas técnicos no período mais curto, foram criadas: a escola militar de Nampula, o centro de treinos de Nacala, o centro de instrução de tropas fronteiriças na Beira, a escola de condução do Maputo. Os primeiros finalistas da escola de Nampula estavam formados no início de 1982.

Em 1980, tinham sido instaladas quatro brigadas de tropas fronteiriças para guardar as fronteiras de Estado. Para isso conselheiros e especialistas soviéticos tiveram de realizar um grande trabalho. Eles ajudaram a realizar o reconhecimento dos locais, faziam propostas para a melhor instalação das unidades, batalhões e brigadas de guarda-fronteiras, organização de serviços de apoio técnico e manutenção.

Decorria com o mesmo êxito a formação de tropas terrestres. Até finais de 1980 foram criadas cinco brigadas de tropas regulares, embora não completas, mas com capacidade de combate. No início de 1982 foi dado início à formação de mais duas brigadas. Os conselheiros e especialistas soviéticos participaram directamente na sua formação, elaboraram estruturas de organização e comando, organizaram o treino militar, o serviço de manutenção. Os armamentos e equipamentos militares eram fornecidos pela URSS.

Os oficiais soviéticos realizaram um grande trabalho com vista à criação da defesa anti-aérea de Moçambique. Além das divisões de artilharia anti-aérea, eles ajudaram a organizar as divisões de mísseis e batalhões de radares, que garantiam a defesa anti-aérea da capital de Moçambique.

Os soviéticos trabalhavam abnegadamente: realizavam aulas, criaram a base de ensino e material, prestavam assistência técnica, (405) realizavam exercícios de treino debaixo do sol escaldante e das chuvas tropicais. As condições de vida, frequentemente, estavam longe de ser as melhores. Apenas se podia sonhar com aparelhos de ar condicionado em funcionamento, já era bom se nas casas havia regularmente luz e água, frigoríficos. Mas havia lugares onde era preciso dormir em tendas ou viver em compartimentos sem luz e canalização.

Moçambique e a União Soviética precisavam deste herói (José Milhazes, 2010)


Artigo sobre o meu livro: "Samora Machel-Atentado ou Acidente" publicado no suplemento Ipslon do Público:

"Samora Machel, o primeiro Presidente de Moçambique, tinha de morrer como um herói. Moscovo não podia admitir falhas no Tupolev-134 que caiu em 1986: a tese do atentado sul-africano era mais confortável. Um novo livro de Jose Milhazes, "Samora Machel - Atentado ou Acidente?", inclina-se conclusivamente para uma falha humana.

É de um episódio distante, e ao mesmo tempo muito presente, que trata o novo livro do historiador e jornalista José Milhazes, "Samora Machel - Atentado ou Acidente?" (Alêtheia). A morte de Samora Machel em 1986 é passado. Mas o mistério que sobre ela permanece é presente, e o acontecimento é olhado, hoje, à luz de uma nova realidade, e de novos e também trágicos episódios, como a morte do Presidente polaco Lech Kaczynski, na queda de um avião do mesmo tipo.

Em 1986, um Tupolev-134. Este ano, um Tupolev-154. Em ambos os casos, a tripulação era russa (em 1986 ainda se dizia soviética), e muito confiante. E é exactamente na Rússia que se centra a investigação de José Milhazes, ex-correspondente do PÚBLICO e actual correspondente da Agência Lusa em Moscovo, para quem o paralelo é inevitável.

Passado e presente ligados pelo mesmo tipo de acontecimento mas também pela leitura política que abre e fecha o livro: "Moscovo forneceu armas suficientes para que o MPLA (em Angola) e a FRELIMO (em Moçambique) continuem ainda hoje no poder", embora "com uma orientação ideológica oposta à defendida por eles até à queda da URSS em 1991".

Moçambique: Contributos para a História (José Milhazes, 2006)


Recentemente, o militar na reserva e jornalista russo, Alexei Sukonkin, publicou o livro “Campanha para a Pensão”, onde descreve o seguinte episódio das relações entre a União Soviética e Moçambique:

“Em 1976, um grupo de conselheiros militares soviéticos foi feito refém em Moçambique. A operação foi dura: foi liquidada praticamente toda a guarda, constituída de soldados moçambicanos.

Nessa altura, a URSS já há vários anos que ajudava activamente Moçambique independente na luta de libertação nacional contra as “artimanhas do imperialismo”. A ajuda era concedida sob a forma de fornecimento de armamentos e injecções financeiras ao partido comunista nacional Frelimo. Pelo seu lado, o Governo de Moçambique fornecia à URSS matéria-prima das suas minas de tântalo e jurava fidelidade e ajuda mútua.

Em 1976, quando o Presidente do país, Machel, reforçou definitivamente as suas posições, os fornecimentos de armamentos da União Soviéticaforam suspensos por não serem objectivamente necessários. O Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) considerou que a construção do socialismo em Moçambique estava garantida e que existiam condições para que Machel abrisse caminho para o futuro radioso “com as suas forças”, apoiando-se apenas no dinheiro ganho com o tântalo vendido.

Habituado à ajuda militar de Moscovo, Machel, de súbito, perdeu muito e, principalmente, a sensação de uma força de protecção atrás de si. Porque ele não podia, devido à ingerência dos “imperialistas”, estabelecer contactos com outros países para adquirir armas de qualidade. Tanto mais que ele planeava realizar uma série de razias nos estados limítrofes com vista exclusivamente ao enriquecimento pessoal. Tentou convencer, através de palavras e conversações, da necessidade do restabelecimento do fornecimento de armas, mas não conseguiu.

Moçambique: Samora Machel e a aviação militar soviética (José Milhazes, 2006)



Não me canso de ficar surpreendido com o que vou encontrando na Internet durante as buscas que os tempos livres permitem.

Desta vez, ao procurar documentos e "estórias" sobre Samora Machel, antigo Presidente da República, deparei com um artigo publicado no jornal "Slovo Kirguistan" (Palavra do Quirguistão) a 12 de Abril, dia da "Cosmonáutica Soviética". A 12 de Abril de 1961, Iúri Gagarine voou para o Espaço.

Ilkham Assadov, engenheiro e fotógrafo que trabalhou durante muitos anos no aeródromo militar soviético de Kant, no Quirguistão, recorda: "No Instituto de Aviação estudavam numerosos africanos, nomeadamente de Moçambique. Dois filhos do Presidente desse país estudavam em Kant. Quando Samora Machel veio visitar o Quirguistão, em Kant foram organizados para ele voos de exibição, incluindo a "volta de Nesterov", aquela a que o povo baptizou de "mortal".

Depois do show, o Presidente, admirado, perguntou: "Os aspirantes de Moçambique também voarão assim?"

O comandante da unidade, major-general Pavel Trofimovitch Ekhtov, era um grande brincalhão e respondeu: "Eles voariam se não passassem o tempo a olhar para as nossas moças". Então, o Presidente pediu para que o apresentasse à tripulação de pilotos extra-classe. Foi dada a ordem. O avião que mostrara figuras de alta pilotagem aterrou, deu umas voltas e dele saiu... um dos filhos de Samora Machel".


http://darussia.blogspot.com

4 de junho de 2020

"Estávamos todos cansados da guerra", lembra Corsino Tolentino


Ex-combatente do PAIGC e responsável pela mobilização de emigrantes cabo-verdianos na Bélgica, na Holanda e na França, Corsino Tolentino dirigiu a primeira missão do Governo de Cabo Verde independente a Portugal.

Natural da ilha de Santo Antão, André Corsino Tolentino foi estudar para Lisboa em 1966. Um ano depois, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) apreendeu-lhe livros no Lar dos Estudantes Ultramarinos. Foi expulso por alegadamente pertencer a uma rede contra a nação portuguesa.

Em 1970, Corsino Tolentino passa a dedicar-se inteiramente à luta de libertação nacional como dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAICG).

Regressou a Cabo Verde em 1974. Em agosto de 1975, dirigiu a primeira missão do Governo de Cabo Verde independente a Portugal, quando era secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. Posteriormente assumiu o cargo de ministro da Educação.

Foi diretor da Fundação Calouste Gulbenkian e promotor do Instituto para a África Ocidental (IAO). Atualmente é administrador não executivo da Fundação Amílcar Cabral.

DW África: Conseguiu uma bolsa para estudar em Lisboa, onde chega em 1966. Nessa altura, conhece a rede de estudantes africanos que se encontrava em Portugal. É a partir destes contactos que surge a vontade de abraçar o movimento de libertação?

Corsino Tolentino (CT): De forma organizada, sim, embora a formação nacionalista tenha começado um pouco antes, já no Liceu Gil Eanes, na Ilha de São Vicente. De qualquer modo, a viagem para Lisboa ou a inserção naquilo que poderíamos hoje chamar de rede de estudantes nacionalistas cabo-verdianos representou um salto qualitativo na medida em que o conhecimento era mais organizado e de melhor qualidade, digamos assim.

"Receávamos que o Movimento dos Capitães não desse certo", diz Chissano




A insistência da ditadura portuguesa em continuar com a guerra em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique impulsionou golpe de 25 de Abril de 1974. Mas temeu-se as ideias "neo-coloniais" do general Spínola após a revolução.

Portugal celebra este mês os 40 anos do 25 de Abril de 1974, marco da transição do regime ditatorial para a democracia.

A data está a ser assinalada com vários eventos, alguns dos quais contam com a participação de vozes em representação dos que estiveram nos dois lados da barricada durante o teatro de guerra em África, entre 1961 e 1974. Por um lado, o exército colonial português, que defendia os territórios da antiga Metrópole, e, por outro, os movimentos nacionalistas, que lutavam pela independência política.

O ex-Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, reconhece a importância que teve para os referidos movimentos a revolução conduzida pelos capitães do Movimento das Forças Armadas (MFA).

"A luta nas colónias, sobretudo em Moçambique e na Guiné-Bissau, criou este Movimento dos Capitães, que depois veio a culminar com o 25 de Abril. Mas apoiavam-se, precisamente, na luta que nós fazíamos", diz Chissano. "Eu não conhecia os capitães, mas, através dos nossos meios, tínhamos informações do que se passava e receávamos que o Movimento dos Capitães não desse certo, porque o general António de Spínola [primeiro Presidente português após a revolução] poderia ter precipitado as coisas."

Spínola estaria interessado num formato "neo-colonial", refere ainda o antigo chefe de Estado moçambicano. "Mas não foi o caso, o Movimento dos Capitães é que ganhou."

"Fiquei contente por não ser manobra do Spínola"

"Receávamos que Movimento dos Capitães não desse certo", diz Chissano

"A independência é um património de todos", lembra Carlos Reis




O ex-combatente Carlos Reis ensinou na Escola-Piloto do PAIGC. E estava em Conacri aquando da invasão portuguesa, em 1970, e da morte de Cabral, dois momentos marcantes na vida do antigo ministro da Educação.

Carlos Reis juntou-se à luta de libertação nacional quando era ainda estudante. O antigo combatente e histórico do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAICG) foi o primeiro quadro do partido a trocar Conacri por São Vicente, onde chegou no início de maio de 1974.

Tinha apenas 28 anos quando assumiu a pasta da Educação entre 1975 e 1981, nos primeiros anos da independência de Cabo Verde.

O histórico do PAIGC participou também na criação do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), em 1980. Atualmente é investigador e um dos administradores da Fundação Amílcar Cabral, na Cidade da Praia.

Amílcar Cabral, "pai" das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde


Assinala-se nesta terça-feira, 20 de janeiro, o 42º aniversário da morte de Amílcar Cabral, "pai" das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Para ele, a educação estava na base do poder de um povo.

Durante a luta armada de libertação desencadeada contra o colonialismo português, a formação de quadros foi sempre uma preocupação para o dirigente do Partido para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral. Em causa estava a preparação dos homens que, no futuro, iriam conduzir os destinos dos dois países.

Os ideais de Cabral neste capítulo despertaram a atenção da historiadora Sónia Vaz Borges. A académica luso-caboverdiana aprofundou o seu conhecimento sobre a estratégia educativa do líder guineense ao ler os seus dois volumes "Unidade e Luta".

Académica luso-caboverdiana, Sónia Borges

"Amílcar Cabral tem uma frase que é muito importante: 'aquele que sabe ensina àquele que não sabe'. Ou seja, há uma transferência do conhecimento, algo que aconteceu durante toda a luta de libertação", diz Sónia Borges.

A formação do "homem novo" era considerada um instrumento importante de luta pela independência durante o difícil período da guerra colonial.

Aprende-se pouco sobre Cabral nas escolas portuguesas

Foi a 25 de junho de 1975 que Samora Machel proclamou Moçambique como estado soberano (Pedro Bello Moraes)

 

Cantam. Dançam. Riem. Abraçam-se. Mas a festa pinta-se a preto e branco. Nem podia ser diferente. 

Na altura, a tecnologia da reportagem televisiva ainda não era technicolor.  

Assim, por todas as razões e mais esta, ficou tudo preto no branco. 

Daquele histórico momento, daquela tarde de 25 de junho de 1975, em Maputo, defunta Lourenço Marques, as camaras registaram para a posteridade o arrear da bandeira da República Portuguesa, seguido do hastear da bandeira da República de Moçambique. E nós, quarenta anos depois, mergulhamos nos vermelhos, verdes, amarelos, que os dois tecidos ostentam e nas muitas e variadas cores que as palavras ali proferidas contêm.

“O Comité Central da Frelimo proclama solenemente a independência total e completa de Moçambique”, declarou Samora Machel, primeiro presidente da República de Moçambique.   

Passaram-se, então, quatro décadas de independência de Portugal, conquistada em parte pela força das armas comandadas por Samora Machel, um revolucionário marxista-leninista.  

O conflito armado independência moçambicana durou dez anos, tendo terminado em setembro de 1974 através da assinatura do acordo de Lusaka, na Zâmbia. 

No entanto, a guerra seria uma marca, mais que isso, seria uma ferida aberta e bem funda na construção deste país africano que em 1976 mergulhou numa violentíssima e sangrente contenda civil que matou um milhão de pessoas e provocou três milhões de refugiados. Guerrearam-se a Frelimo, apoiada pela União Soviética e a Renamo, com o apoio da Rodésia e África do Sul. 

A paz chegou em 1992,  mediante num tratado assinado em Roma.  

O “caso Angoche”, 45 anos depois (Por Jornal o Diabo)


Foi graças a O DIABO que o “caso Angoche” não caiu no esquecimento. Uma série de reportagens publicadas no jornal de Vera Lagoa levantou a ponta do véu sobre uma tragédia da guerra de África, ignorada ostensivamente pelos sucessivos governos posteriores ao golpe militar de Abril de 1974. Hoje, a memória dos tripulantes do navio mercante português continua a exigir uma reparação histórica. 

A 24 de Abril de 1971, o petroleiro ‘Esso Port Dickson’, com bandeira do Panamá, encontrou à deriva, a 30 milhas da costa de Moçambique, entre Quelimane e a Beira, o navio costeiro ‘Angoche’. Desgovernado, com fogo a bordo e sem sinais dos 23 tripulantes nem do único passageiro, parecia um barco fantasma.

O ‘Angoche’, da Marinha mercante portuguesa, pertencia à Companhia Moçambicana de Navegação, subsidiária da Companhia Nacional de Navegação, e fora construído nos estaleiros da CUF, em Lisboa, em 1958, para navegar no serviço de cabotagem de Moçambique.

Às 17:30 do dia 23 de Abril de 1971, o ‘Angoche’ levantou ferro de Nacala com destino a Porto Amélia (actual Pemba), no norte daquela então província portuguesa na costa oriental de África. No porão, além de mercadoria variada, seguia um importante carregamento de material de guerra destinado ao exército português no Norte de Moçambique. A viagem era curta e a chegada estava prevista para as cinco da manhã seguinte. Mas o ‘Angoche’ nunca chegaria ao destino. Quando foi encontrado estava muito para sul da sua rota.

O navio deserto foi passado a pente fino pelos agentes da PIDE/DGS que, em África, durante a guerra, funcionava como serviço de informações. Com base nessa investigação, o director da DGS em Lourenço Marques (actual Maputo) enviou para Lisboa, a 6 de Maio, uma mensagem rádio com a classificação de “urgentíssimo”. Informava os seus superiores da Rua António Maria Cardoso, sede daquela polícia na Metrópole, que tinham sido encontrados vestígios de duas explosões no ‘Angoche’.

Uma delas fora provocada por cargas reforçadas com granadas de fosfato colocadas junto à chaminé de estibordo, por cima da ponte de comando, que ficou completamente destruída, incluindo os sistemas de comunicações do navio.

A segunda carga explodiu dentro do ventilador das máquinas. Ao contrário das instalações destinadas aos tripulantes brancos, na ré do navio, que foram “completamente pulverizadas”, o compartimento destinado aos 13 tripulantes negros dava sinais de ter sido abandonado precipitadamente: roupa, calçado e coletes de salvação estavam espalhados por todo o lado.

Mouzinho, herói em Chaimite (Por Jornal O Diabo)


Mouzinho de Albuquerque escreveu uma página de ouro na história de Portugal. À frente de um punhado de soldados, penetrou no reduto da revolta anti-lusitana e capturou o imperador vátua, Gungunhana. Enquanto o “Leão de Gaza” era levado preso para Lisboa, o herói concluía a pacificação de Moçambique.

Apesar da cedência do Governo ao humilhante Ultimato britânico de 1890, que impusera a retirada do nosso país dos territórios entre Angola e Moçambique incluídos no chamado Mapa Cor-de-Rosa, os ingleses continuaram a manobrar contra a presença portuguesa na África Oriental.

Em 1894-1895, agentes britânicos baseados na África do Sul incentivaram – e financiaram – a revolta dos vátuas, indígenas do sul de Moçambique, que chegara a ameaçar a própria capital, Lourenço Marques.

As tropas portuguesas, comandadas pelo comissário régio António Enes, contra-atacaram, conseguindo, em Novembro de 1895, conquistar Manjacaze, a principal praça-forte do imperador vátua, Gungunhana, que retirou para Chaimite, no território moçambicano de Gaza. António Enes pediu a Lisboa reforços para concluir a pacificação de Moçambique – e, na falta de uma resposta satisfatória, apresentou a demissão.

Sucedeu-lhe no comando das operações o então capitão Mouzinho de Albuquerque, nomeado, a 10 de Dezembro, governador militar da província de Gaza. Mouzinho decidiu então dar um golpe de mão audacioso.

À frente de poucas dezenas de soldados de cavalaria e umas centenas de auxiliares africanos, internou-se no mato e, ao fim três dias de marcha, pôs cerco a Chaimite, a “capital” vátua, onde residia Gungunhana.

Às 7 da manhã do dia 28 de Dezembro, Mouzinho de Albuquerque entrou no povoado através de um pequena abertura na paliçada, à frente dos militares portugueses. Os cerca de 300 vátuas que compunham a elite guerreira dos insurrectos – armados de espingardas fornecidas pelos ingleses – fugiram sem disparar um tiro.

Otelo: uma confissão que chega com 40 anos de atraso (Por Jornal O Diabo)


Quatro décadas depois, o comandante operacional do golpe de Estado de 25 de Abril confessa as suas responsabilidades num período em que as decisões eram tomadas em cima do joelho “e depois logo se via”.

Aos 77 anos de idade, coronel do Exército na situação de reforma, Otelo Saraiva de Carvalho não sossega. Em recente entrevista à agência Lusa, o homem que em 25 de Abril de 1974 assumiu a coordenação das operações do golpe de Estado, a partir de um “posto de comando” improvisado no quartel da Pontinha, confessou que espera ainda “uma acção de massas” que volte a alcandorá-lo ao poder.

Em que se baseará Otelo para acalentar tal esperança? Eis algo que o próprio não esclarece e ninguém lhe pergunta. De resto, a indiferença generalizada pelas suas ideias, afirmações ou desejos reflecte o isolamento político em que vive há décadas: a extrema-esquerda dos nossos dias desconhece-o, o PCP abomina-o e, daí para a direita, o nome de Otelo não existe. Mas o “grande herói de Abril” não desiste, agora que passam 40 anos sobre o 25 de Abril.

Na sua longa entrevista à Lusa, Saraiva de Carvalho (que já recentemente sugerira “a reconstituição do Movimento das Forças Armadas”, o controverso MFA) revelou ter sido “desafiado” a concorrer às próximas eleições para Presidente da República, marcadas para Janeiro de 2016.

Não adiantou quem o “desafiou” – mas pouco importa, pois o coronel reformado declara que, como “o regime está”, não se encontra disponível para “entrar naquilo que o Spínola definiu como porca: a política”. Pouco importa, também, que o apodo de “porca” tenha de ser creditado, não ao general António de Spínola, mas à sátira política do final da Monarquia Constitucional, no século XIX. A cultura política nunca foi o forte de Otelo…

Conhece Otelo Saraiva de Carvalho? (Por Jornal O Diabo)


Curiosamente, as biografias correntes do “grande herói de Abril” omitem uma parte substancial (e suculenta) da sua vida. Para que os leitores d’O DIABO não fiquem dela privados, aqui se deixa um resumo.

TROPA E LEGIÃO

Nascido em 31 de Agosto de 1936, em Moçambique, numa família com origens goesas, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho fez estudos secundários em Lisboa, no Liceu Camões, e em Lourenço Marques, no Liceu Salazar.

Na Metrópole concluiu os estudos superiores militares, na Escola do Exército, onde se destacou como actor amador. Partiu depois como alferes de Artilharia para Angola, onde participou no combate aos primeiros surtos terroristas, entre 1961 e 1963.

Em Novembro deste último ano foi nomeado instrutor da Legião Portuguesa. Voltou a servir em Angola entre 1965 e 1967, sendo depois professor na Escola Central de Sargentos, em Águeda. Medalha de 2ª classe de Mérito Militar e Medalha de prata de Comportamento Exemplar, cumpriu a sua última comissão ultramarina entre 1970 e 1973, em Bissau.

Foi aí, quase a completar 40 anos, que se deixou cativar pelas ideias federalistas dos oficiais que rodeavam o general António de Spínola, então governador da Guiné, e passou a integrar as hostes contestatárias dos capitães – embora fosse já major, prestando serviço na Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, no quartel-general do homem do monóculo, em Bissau.

“HERÓI DE ABRIL”

O resto da história é mais conhecido. Regressado a Lisboa, Otelo Saraiva de Carvalho integrou-se na conspiração político-militar em curso, estabelecendo ligação entre o grupo spinolista (que então o considerava um aliado seguro) e as franjas radicais que, conotadas com o PCP, começavam a controlar o Movimento dos Capitães.

Depois do falhanço do golpe pró-spinolista das Caldas, em 16 de Março de 1974, que levou à prisão da Trafaria os oficiais mais moderados do Movimento, Otelo reforçou a sua posição como responsável pelo “sector operacional” dos revoltosos. Nessa condição, assumiu a coordenação das operações em 25 de Abril de 1974, a partir de um “posto de comando” improvisado no quartel da Pontinha.

7 de Setembro de 1974: O último grito de portugalidade em Moçambique (Duarte Branquinho)


No dia 7 de Setembro de 1974, um levantamento popular exigia que o povo moçambicano fosse ouvido em plebiscito, mas os golpistas de Abril desrespeitaram o previamente acordado e entregaram Moçambique à Frelimo. Clotilde Mesquitela (1924 – 2005) registou essa revolta no livro “7 de Setembro: Moçambique – memórias de uma revolução”, agora republicado pela Branco Editores. O DIABO entrevistou Pedro Mesquitela, filho da autora.

O DIABO – Como devemos ver este livro?

Pedro Mesquitela – Este livro deve ser visto como uma radiografia de um momento histórico, com evidentes componentes emocionais por parte da autora, mas sempre com uma visão de Portugalidade que é inegável, e, tanto quanto a memória lhe permitiu, um relato fiel do que realmente aconteceu em Moçambique entre 7 e 11 de Setembro de 1974.

O que levou ao levantamento popular de 7 de Setembro de 1974 em Moçambique?

Desde 1971 que se sabia que existia um movimento civil para dar uma autonomia progressiva às Províncias Ultramarinas Portuguesas, tanto na Metrópole (Ala Liberal, Sedes e parte da Igreja Católica) como nas províncias, através dos Democratas de Moçambique e de partidos locais como o FRICOMO. de Joana Simeão, e a Coremo, fundada por Uria Simango, que tinha sido Vice-Presidente da Frelimo na presidência de Eduardo Mondlane, e exilado depois do assassinato deste. Tanto a Coremo como a Fricomo defendiam eleições democráticas e multi-raciais, pelo que foram perseguidas e seus líderes mortos após o 7 de Setembro, ao serem entregues à Frelimo pelo governo da África do Sul.