28 de junho de 2020

Moçambique: Contributos para a História (José Milhazes, 2006)


Recentemente, o militar na reserva e jornalista russo, Alexei Sukonkin, publicou o livro “Campanha para a Pensão”, onde descreve o seguinte episódio das relações entre a União Soviética e Moçambique:

“Em 1976, um grupo de conselheiros militares soviéticos foi feito refém em Moçambique. A operação foi dura: foi liquidada praticamente toda a guarda, constituída de soldados moçambicanos.

Nessa altura, a URSS já há vários anos que ajudava activamente Moçambique independente na luta de libertação nacional contra as “artimanhas do imperialismo”. A ajuda era concedida sob a forma de fornecimento de armamentos e injecções financeiras ao partido comunista nacional Frelimo. Pelo seu lado, o Governo de Moçambique fornecia à URSS matéria-prima das suas minas de tântalo e jurava fidelidade e ajuda mútua.

Em 1976, quando o Presidente do país, Machel, reforçou definitivamente as suas posições, os fornecimentos de armamentos da União Soviéticaforam suspensos por não serem objectivamente necessários. O Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) considerou que a construção do socialismo em Moçambique estava garantida e que existiam condições para que Machel abrisse caminho para o futuro radioso “com as suas forças”, apoiando-se apenas no dinheiro ganho com o tântalo vendido.

Habituado à ajuda militar de Moscovo, Machel, de súbito, perdeu muito e, principalmente, a sensação de uma força de protecção atrás de si. Porque ele não podia, devido à ingerência dos “imperialistas”, estabelecer contactos com outros países para adquirir armas de qualidade. Tanto mais que ele planeava realizar uma série de razias nos estados limítrofes com vista exclusivamente ao enriquecimento pessoal. Tentou convencer, através de palavras e conversações, da necessidade do restabelecimento do fornecimento de armas, mas não conseguiu.


Nessa altura, a GRU (Direcção Principal de Reconhecimento) [espionagem militar soviética] do Estado Maior já tinha entregue no CC o seu relatório sobre o estado e perspectivas do desenvolvimento económico, político e militar de Moçambique, onde a possibilidade do fracasso da construção do socialismo tinha sido completamente excluída. Do ponto de vista da GRU, a situação em Moçambique era relativamente estável.

Resumindo, o CC do PCUS deu a entender, de forma suave, a Machel que era preciso trabalhar mais do que pedir ajuda. “Tu és o chefe, então dirige” – foi a resposta a Machel. Além disso, a ajuda humanitária seguia da URSS para Moçambique com a mesma intensidade. Os mais velhos lembram-se bem disto: “...as crianças moçambicanas gostam muito de leite condensado...”

Então, Machel recorreu a uma fraude. Organizou o rapto de cinco oficiais soviéticos da GRU, conselheiros no estado-maior das forças armadas de Moçambique, para demonstrar à União Soviética que no país supostamente existiam ainda forças antigovernamentais que constituíam séria ameaça ao regime. Tudo parecia ser real: bandos da oposição ou destacamentos especiais de vanguarda da República da África do Sul, com o apoio das espionagens imperialistas, movimentam-se ousadamente no país, raptando representantes soviéticos. Isto seria bom para mascarar razias, mas para isso faltavam armamentos! E tinham sido retirados instrutores inteligentes! Com o que combater e pilhar?

A GRU suspeitou dos verdadeiros objectivos de Machel e, por isso, foi decidido realizar uma operação especial. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS propôs a Moçambique que organizasse, o mais rapidamente possível, a busca e libertação dos oficiais desaparecidos. Machel não fez isso.

Um mês depois, no porto de Maputo entraram dois navios de guerra da Armada do Índico da URSS. A bordo de um dos barcos encontrava-se o 263º batalhão de fuzileiros, contituído por 300 homens. Uma hora depois, os fuzileiros simplesmente desembarcaram, sem terem ordem para avançar. O batalhão fumava, revistou o cais e pôs-se a gozar o forte sol africano. Duas horas mais tarde, os serviços secretos moçambicanos “descobriram e libertaram” os reféns. 

Machel tirou as devidas conclusões e, um mês depois, assinou com a URSS o Tratado de Amizade e Cooperação e não desviou mais a linha do partido...

O desembarque demonstrativo de centenas de fuzileiros, falando literalmente, restabeleceu as relações favoráveis entre os países que estavam a ser perdidas. No fundo, esse batalhão de fuzileiros simplesmente fez chegar à consciência dos políticos de Moçambique a política inabalável do Partido Comunista da União Soviética e a firmeza das decisões do Comité Central. Isto chama-se precisamente: “”a palavra apoiada pela pistola...”

O Presidente da República Popular de Moçambique, camarada Machel compreendeu instantaneamente que, se Moscovo quiser, no lugar de um pequeno batalhão demonstrativo, em Maputo pode desembarcar a 55ª divisão de fuzileiros navais da Frota Militar da URSS e, então, ele já não será Presidente do país. Talvez até ele já esteja no outro mundo.

Claro que a causa do desembarque do batalhão de fuzileiros navais não foram os cinco oficiais soviéticos. Nem o desvio político de Machel. A União Soviética, antes de tudo, estava interessada nas minas de tântalo de Moçambique. Mas essa verdadeira causa ficou nos bastidores. Os cinco oficiais foram apenas o pretexto para demonstrar a sua força ao desobediente Machel e a uma série de outros dirigentes dos países do terceiro mundo que se encontrava debaixo da asa da URSS e acompanharam, com grande interesse, o desenvolvimento desses acontecimentos. A demonstração foi bem sucedida. Não só Moçambique, mas muitos países do terceiro mundo encaixaram esta lição dada com perícia".


darussia.blogspot.com, 12 de Novembro de 2006