O grupo de croupiers que governa Portugal às ordens de padrinhos e banksters dos casinos financeiros europeus e mundiais inventou um novo jogo para iludir aqueles a quem continua a esmifrar salários, pensões, direitos. Não contente em apostar a dívida, as pensões, os créditos bancários, as grandes empresas, toda a economia nacional, agora inventou o jogo da factura.
O jogo da factura, coisa inocente, dizem, coisa boa, prometem, porque além de combater a fuga ao fisco e à economia paralela ainda permite a cada um de nós, transformado em cobrador do Estado, a possibilidade de ganhar um carro topo de gama. Basta-nos recitar o número de contribuinte para que conste de uma factura ao bebermos uma bica ao balcão e eis-nos habilitados à bomba que fará a inveja dos vizinhos, mesmo que fique parada à porta de casa por falta de dinheiro para o combustível e o imposto de circulação.
Um automóvel de grande cilindrada é, como se sabe, a maior necessidade de cada português.
E se, além disso, for a maneira de aumentar as receitas e de dar caça aos que fogem aos impostos através das manigâncias da economia paralela, então vamos a isso, venha a factura!
O pequeno comércio gasta o que tem e o que não tem para se equipar com as maquinetas inteligentes capazes de dar conta do frenesim deste enxame de consumidores/contribuintes? Problema dele.
Esquecemo-nos do número fiscal para comprar uma vela porque o temporal deitou a luz abaixo? Problema nosso, lá se vai a ambição de guiar a 300 à hora. Mas que seja tudo em benefício da piedosa obra de liquidar a praga da economia paralela. Qual delas? A dos malandros dos desempregados, dos que viram voar salário, reforma, subsídio e que encontram no biscate e no desenrasca a maneira de meter algum dinheiro em casa?
Dinheiro sujo, claro, porque escapa às malhas do fisco, mesmo sendo estas tão apertadas. Venha de lá a factura!
Agora uma dúvida. A quem pedir factura quando os cavalheiros da indústria mandam os bens para os paraísos fiscais, quando os magnatas do comércio pagam patrioticamente os impostos no estrangeiro e ainda recebem centenas de milhões de benefícios fiscais por conta dos que deixam no país, quando os senhores dos bancos e dos seguros especulam sem freios?
Talvez os montantes envolvidos nesta economia paralela sejam ínfimos comparados com a temível indústria dos biscateiros, mas ainda assim que o jogo da factura seja acessível a todos.
Encantados com esta descoberta, os croupiers governamentais esqueceram-se de um pormenor. Que dirá a Comissão Europeia em termos de concorrência? Ora se o Estado se desfaz das suas empresas porque não pode fazer concorrência desleal em qualquer domínio que gere lucros, da energia eléctrica à construção naval, será que pode entrar em competição com lotos, lotarias, totobolas, euromilhões, casinos, raspadinhas, tômbolas, quermesses e correlativos?
Jogo da factura: maneira de o governo chamar imbecis aos portugueses enquanto continua a ir-lhes aos bolsos.
Jornal de Angola, 12 de Fevereiro, 2014