3 de março de 2014

E se D. Afonso Henriques, afinal, nasceu em Viseu? (Amadeu Araújo)


E se D. Afonso Henriques não tivesse, de facto, nascido em Guimarães? A tese do falecido historiador Almeida Fernandes, posteriormente admitida por José Mattoso, serve de base à decisão da Câmara de Viseu de comemorar os 900 anos do rei-fundador. Mas Guimarães também vai comemorar.

Guimarães e Viseu reclamam ser local de origem do rei.

À primeira vista, parece uma disputa bairrista de duas cidades em torno de um evento: Guimarães e Viseu vão comemorar ambas o nascimento de D. Afonso Henriques.

Como os académicos têm vindo a lançar dúvidas sobre o efectivo local de nascimento de D. Afonso Henriques, fundador de Portugal, os 900 anos do primeiro rei português vão ser celebrados em dose dupla: Viseu e Guimarães reclamam-se local de origem do primeiro rei de Portugal e preparam-se para, em 2009, celebrar o aniversário do nascimento do rei que separou o condado portucalense de Castela.

"Ainda ontem estivemos a decidir pormenores da celebração que irá ser levada a cabo por uma comissão, de reconhecido mérito", disse ao DN Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu.

A cidade governada por Fernando Ruas descobriu em 1993 que o primeiro rei poderia lá ter nascido, mas só no ano passado retomou a defesa de Viseu como local de nascimento do monarca que fundou a nacionalidade.

Em Guimarães, "cidade berço da nação", não restam dúvidas de que ali D. Afonso Henriques "nasceu e morreu em Coimbra, onde está sepultado". A informação consta do sítio da internet da autarquia vimaranense e a pretensão viseense não faz mossa.

O DN tentou, sem sucesso, ouvir o presidente da Câmara de Guimarães. Mas, em declarações ao JN, António Magalhães afirmou que, para a Câmara de Guimarães, a pretensão de Viseu "é um assunto que não suscita qualquer incómodo".

"Apreciamos que a figura de D. Afonso Henriques continue a ser objecto de estudos para que se faça justiça à vida e obra do nosso primeiro monarca", disse Magalhães.

Também o presidente da Câmara de Viseu Fernando Ruas reconhece que a evocação por Viseu do nascimento de D. Afonso Henriques, "será uma celebração sem qualquer picardia com Guimarães, cidade que muito estimo e de cujo autarca sou amigo pessoal".

Apesar disso, as últimas teses defendidas por diversos académicos, com José Mattoso à cabeça levaram a cidade de Viseu a lançar mão da ideia e com isso "comemorar de forma digna os 900 anos do nascimento do primeiro rei de Portugal".

O edil viseense até tem uma explicação simples para não beliscar a convicção de que Guimarães é a cidade berço da fundação. "O rei podia aqui ter nascido e fundar o berço da nacionalidade em Guimarães. Alguns estudiosos dizem, sem dúvidas, que o rei nasceu em Viseu não podíamos deixar de dar força a esta constatação e celebrar o facto".

Para o presidente da Câmara de Viseu, "há cada vez mais historiadores a defender esta posição".

"Nós não estamos a alimentar polémicas, mas a deixar que os académicos prossigam o seu trabalho", acrescentou Fernando Ruas.

E enquanto os historiadores não chegam a certezas, no próximo ano Viseu e Guimarães vão assinalar os 900 anos do nascimento de D. Afonso Henriques. Decisão consubstanciada por historiadores como Adriano Vasco Rodrigues, especialista da Universidade do Porto no período medieval, que lembra que "esta é uma questão académica. O que interessa é o papel em prol da fundação, mais do que o local onde nasceu".

E se as dúvidas relativas ao ano de nascimento do primeiro rei acabaram de forma consensual em torno de 1109, a sintonia sobre o local tarda em chegar. Assim, depois de anos de esquecimento, só relevados com a eleição dos Grandes Portugueses, o nascimento do primeiro rei vai ser celebrado em dose dupla. Até que os historiadores clarifiquem.

Diário de Notícias 17-9-2008