28 de julho de 2020

Moçambique: A “diligência” confidencial de Maputo para libertar reféns dos EUA no Irão


A eventual “diligência” de Moçambique no início da crise entre os EUA, Irão e os possíveis apelos de Maputo no sentido da libertação dos reféns norte-americanos são referidos confidencialmente pela embaixada de Portugal em Dezembro de 1979.

“O embaixador de Espanha disse-me ontem [04 de Dezembro de 1979] que o embaixador dos Estados Unidos lhe confidenciara estar muito satisfeito com diligência que teria sido entretanto feita, pela República Popular de Moçambique, junto de dirigentes iranianos no sentido da libertação dos cidadãos norte-americanos sequestrados em Teerão”, transmite a embaixada de Portugal, às 19:30 de 05 de Dezembro de 1979.

O mesmo documento sublinha que o embaixador norte-americano não quis acrescentar mais detalhes - “por enquanto” - por se tratar de material confidencial.

A crise dos reféns prolongou-se durante 444 dias, entre 04 de Novembro de 1979 e o dia 20 de Janeiro de 1981.

Os 52 norte-americanos, a maior parte diplomatas, foram feitos reféns pelos estudantes da Revolução iraniana que acabava de derrubar o regime do Xá Reza Pahlevi, entretanto exilado.

A referência à eventual diligência entre Maputo e Teerão terá acontecido no início do longo processo que só termina em Janeiro de 1981, no dia em que Ronald Reagan toma posse como presidente dos Estados Unidos, sucedendo a Jimmy Carter.

A crise dos reféns norte-americanos não volta a ser referida nas transmissões que se seguem até ao final do ano e em 1980 pela embaixada de Portugal, que no dia 05 de Dezembro de 1979 admite que o novo poder em Teerão possa ter sido permeável aos “apelos” de Samora Machel.


“Não sei se a satisfação do embaixador norte-americano traduz de algum modo a esperança do Ayatollah Khomeiny se mostrar mais sensível aos apelos do senhor Machel do que aos de outros dirigentes políticos ou religiosos”, acrescenta no mesmo aerograma “confidencial”.

Paralelamente, dois dias depois, a embaixada refere os contactos entre Maputo e Bagdad, a propósito da visita de Machel ao Iraque, “prevista para breve”.

“Especula-se no círculo diplomático local, o objectivo útil e imediato da visita que do lado moçambicano seria o de procurar créditos e condições mais vantajosas na compra de petróleo aquele país”, escreve a embaixada a 07 de Dezembro de 1979 sem fazer qualquer referência à situação no Irão e aos eventuais contactos com Teerão.

Já no início desse ano, a 16 de Fevereiro de 1979, o presidente Machel enviava uma mensagem ao ayatollah Khomeiny, congratulando-se pelo derrube do “antigo regime iraniano que classifica como ‘uma vitória para todas as forças anti-imperialistas do mundo’”.

Segundo o telegrama nº136/1979, Samora, na mensagem enviada para Teerão, afirma que o novo governo do Irão vai contribuir para reforçar a luta contra o imperialismo, sionismo, colonialismo, 'apartheid', “referindo-se explicitamente à decisão sobre o embargo ao fornecimento de petróleo à África do Sul”.

De acordo com o embaixador Nunes Carvalho, o chefe de Estado moçambicano “deixa entender claramente o desejo” pelo estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.

A mesma transmissão recorda que os órgãos de comunicação do Estado moçambicano vinham a dar grande relevo aos acontecimentos no Irão, criticando “violentamente” o regime do Xá e “saudando os esforços da oposição”.

O embaixador sublinha que a imprensa oficial destacava - em particular - a figura do ayatollah, “considerado com respeito e pondo em destaque o seu papel fundamental nos acontecimentos”, apesar da hostilidade das autoridades moçambicanas em relação “ao papel político da religião e dos dirigentes religiosos”.

“Não têm sido escondidas reservas relativamente à eventual instauração da ‘República Islâmica’”, refere ainda o embaixador que reproduz os editoriais publicados no jornal Notícias:

“Ao contrário do que as agências de notícias propalam aos quatro cantos, ali a rebelião popular não se esgotou nos limites de ‘uma guerra santa’ e muitos dentro do seu país, compreenderam isto e continuarão a lutar em algo mais do que numa simples República Islâmica. No Irão a libertação das camadas populares apenas começou”, destaca a embaixada em Fevereiro de 1979.

A guerra entre o Irão e o Iraque começou em Setembro de 1980 e prolongou-se até 1988.

As negociações para a libertação dos norte-americanos mantidos reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerão terminaram, com êxito, em 1981.


Lusa, 11 de Julho de 2015