Rei da Carqueja (Francisco Moita Flores)
A si próprio se intitulava Rei Ghob. Construiu um Castelo retorcido, decorado com todo o mau gosto que existe no mundo, para os lados da Lourinhã, proclamava-se em vídeos distribuídos pela Internet rei-profeta anunciador de mil desgraças e de finais apocalípticos. Na vizinhaça todos os julgavam bom rapaz, embora com "coisas esquisitas". Nada com que não se convivesse. Era rei de gnomos, o nome dos servos desta seita tão artesanal e de mau gosto quanto o seu castelo. Uma construção irreal e patética que mais parecia uma história de crianças. E, de repente, a trágica realidade. Os "gnomos" desapareciam. Provocando ilusões nas famílias, com a ajuda de telemóveis, garantia que estavam no estrangeiro, aliás coisa que se confirmava pelas mensagens que enviavam aos pais. Que não sabia nada deles. Que estavam bem e longe. Quando as preocupações se avolumaram devido à ausência e ao cansaço dos truques, a Polícia Judiciária meteu mãos à obra e surgiu o pesadelo. O Rei Ghob, fantoche de si próprio, era responsável pelo assassinato de quatro, agora suspeita-se que são seis, os jovens que morreram às suas mãos. Convenceu-se que se escondese os cadáveres ninguém o apanharia. Porém, a estupidez do homem falou mais alto. As provas abundantes que deixou por todo o lado não só permitiram reconstituir os crimes como prendê-lo. O Ministério Público acaba de acusá-lo e não tenho dúvidas que vai ser severamente punido. Não é a primeira vez, devo até dizer que já foram dezenas de casos de homicídios julgados sem a presença/descoberta do cadáver. Essa ideia peregrina que se não apareceu o cadáver não existe prova, faz parte de mentalidades ancestrais, anteriores à criação da Polícia Científica. É apenas crueldade. Este tipo de assassinos não se limita a matar. Prooca ainda mais sofrimento ao não permitir que as famílias realizem o luto a partir dos rituais simbólicos de separação, onde o funeral tem um papel importante. É crueldade em cima de crueldade. Nada mais. O Rei Ghob extenguiu-se tal como se sumiram as suas profecias. Está preso um indivíduo sem escrúpulos que espera agora a mão da Justiça. Espero que a Justiça tenha por ele a mesma compaixão que ele teve sobre as suas vítimas e as suas famílias.
Francisco Moita Flores - Criminologista
in TV Guia Nº 1696 de 2011/07/25