4 de agosto de 2012

Imaginem se Portugal tivesse mar (José Mena Gomes)



Os dados mais recentes do Instituo Nacional de Estatística (INE) demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo/Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores portugueses. Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco. Uma ONU do ultracongelado. Eu explico. Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia, sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti? Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico.Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano. Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: “tem polvo marroquino?”, sem olhar à volta e ver se vem lá polícia. “Queria quinhentos de polvo marroquino” – tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl.Eu, às vezes penso: o que não poupávamos se Portugal tivesse mar…

José Mena Gomes
O Crime, 12 de Julho de 2012