Os factos são suficientemente claros para se ver que a corrupção nasce, cresce e se desenvolve a partir da Europa e da América do Norte e particularmente daqueles países que encabeçam a lista dos campeões do combate à corrupção.
Os últimos grandes escândalos mundiais de corrupção surgiram aonde? Precisamente no Luxemburgo, com os incentivos fiscais às multinacionais que procuram potenciar os lucros, na Suíça, que esconde o dinheiro dos contribuintes dos EUA que fogem ao fisco e é sede da perdulária FIFA, no Vaticano, símbolo e arauto da ética e da moral, em Espanha, com a corrupção na família real; e em toda a Europa, com chefes de Governo e ministros a apresentarem contas no paraíso fiscal do Panamá.
Há tempos ofereci um livro de um autor suíço a um velho e prestigiado professor universitário português. O livro dizia que a Suíça é um dos mais corruptos países do mundo. Pensava eu, na minha jovialidade, que estava a dar um novidade. “Isso já se sabe desde os anos 50”, disse-me ele, para desilusão minha.
Só quem vive o quotidiano de países riquíssimos como a Suíça e os Estados Unidos compreende que a nossa “gasosa” é apenas a aplicação rudimentar à nossa realidade de uma mentalidade e uma prática que atravessa o planeta. Nos países mais desenvolvidos essa gratificação até está regulada.
Na minha primeira visita a Nova Iorque, para cobrir a assinatura dos Acordos de Paz da África Austral, eu e colegas da imprensa angolana apanhámos um táxi. Como eu ia no “lugar do morto”, tive que pagar ao taxista. “Você não é amigo dos americanos”, disse-me ele quando paguei. “Porquê?”, perguntei. “Porque não me deu gorjeta.” Fiz a ressalva e ouvi do taxista: “Você é um grande amigo dos americanos”. Desde essa altura, evito fazer inimigos.
A retribuição, a troca, o clientelismo, a corrupção é algo intrínseco ao sistema económico e financeiro baseado na concorrência e na maximização do lucro que predomina no mundo. Nos países mais avançados, como a Suécia e a Noruega, essa rede clientelar e de troca de favores e corrupção está institucionalizada e funciona até como instrumento de coesão social e nacional.
Uma das consequências da crise das dívidas na Grécia e em Portugal é a desarticulação desses mecanismos objectivos de “solidariedade”. A destruição da maior empresa de Portugal e do maior banco português, a Portugal Telecom e o BES, causou prejuízos imensos às famílias que viviam na órbita clientelar dessas instituições e empobreceu ainda mais o país. Como na economia tudo se transforma, alguém ocupou o lugar deixado vazio – e foram estrangeiros.
Nas economias, a maior parte do bolo a repartir está no Estado. É normal, por exemplo, nos Estados Unidos, as empresas privadas lutarem pela conquista dos contratos milionários de armamento e realizarem assim um serviço público. Um tal procedimento em países como o nosso, onde o mais simples acto de gestão é considerado suspeito, isso é conotado, estupidamente, como utilização de recursos públicos para fins privados, significado genérico de corrupção.
Interessante é notar que as personalidades e organizações que assim pensam são hoje as maiores defensoras das ditas parcerias público-privadas, cujo fito não é outro senão ganhar dinheiro gerindo os negócios do Estado. Ana Gomes criticava a corrupção e afinal corrompia a Rádio Ecclesia. Um deputado britânico em visita a Angola não teve peias em manifestar o seu interesse em entrar nos diamantes. A corrupção deixou de ser “tabu”.
Toda a economia mundial se rege dentro deste modelo financeiro. A diferença é que alguns Estados, os mais ricos, já fizeram a sua acumulação primitiva de capital e dominam as correias de transmissão dos negócios, e outros, os mais pobres, ainda não o fizeram, e talvez nunca o venham a fazer. O modelo está cada vez mais sujeito ao controlo de entidades europeias e norte-americanas que acham possível, por essa via, domesticar a economia. Eles é que decidem sobre quem entra e quem sai desse jogo sistémico. Isso explica as barreiras que os países de África encontram quando pretendem internacionalizar as suas economias para melhorarem a vida dos seus povos, algo apenas possível se obedecerem às regras do modelo de “corrupção” institucionalizado.
O rigor, a transparência, a probidade e a procura dos melhores resultados são princípios basilares da boa gestão de bens públicos ou privados. Não são bênção divina de alguém. Angola é um bom exemplo de como, em pouco tempo, se recupera um país utilizando os recursos próprios nacionais e compete já em paralelo com os “players” no mercado internacional. Mas tem agora pela frente o grande desafio do corte com a dependência exclusiva do petróleo.
Nesse caminho, partimos em desvantagem por causa do atraso estrutural na adaptação aos tempos modernos, na falta de bons gestores e nos preconceitos instalados. Mas não queremos fazer nada diferente do que todos os outros países fazem para terem sucesso. Só não queremos de novo o chicote da Escravatura e do Contrato, com que as elites europeias enriqueceram e permitiram que exibam hoje a sua luxúria transbordante.
Jornal de Angola, 15 de Maio de 2016