A corrida pelos rubis de Namanhumbir levou ao fluxo de mineiros artesanais pobres, compradores não licenciados, contrabandistas, pessoas de idade mediana, de conduta duvidosa e gangs de ladrões, todos a tentarem tirar a sua parte do rico solo vermelho de Montepuez muitas vezes servido-se da violência para conseguirem as preciosas pedras coloridas. Porém, pior do que eles, tem actuado agentes da Polícia da República de Moçambique(PRM) ao serviço da Montepuez Ruby Mining, Limitada. "O meu filho António Gerónimo foi morto a tiro pelos homens da Força de Intervenção Rápida”, um residente da Região, mais arrepiante é o relato de um garimpeiro que viu o seu primo ser enterrado vivo por uma bulldozer da empresa que tem a concessão mineira dos ricos jazigos de pedras preciosas.
O Governo de Moçambique e a Montepuez Ruby Mining (MRM) têm interesses comuns nos jazigos existentes em Namanhumbir: reduzir a mineração não licenciada e o contrabando de pedras preciosas. Para o Executivo significa proteger as receitas fiscais e ganhos em divisas enquanto para a empresa privada significa a salvaguarda de potenciais lucros.
Embora o jornalista tenha observado que os agentes das diferentes unidades policiais estão são acomodados e alimentados na propriedade da MRM, ao lado das outras forças de segurança privadas, a empresa afirma que “as forças governamentais estão presentes na concessão com mandato específico de salvaguardar um bem nacional de Moçambique”, esclareceu por escrito a empresa Gemsfields, accionista maioritário da concessão, a quem foram remetidos os pedidos de esclarecimento.
Geralmente quando estas forças que garantem a segurança da concessão da Montepuez Ruby Mining deparam-se com os garimpeiros ilegais retiram-nos compulsivamente muitas vezes com recurso a violência física e uso de armas de fogo.
"O meu filho António Gerónimo foi morto a tiro pelos homens da Força de Intervenção Rápida (FIR, actualmente designada Unidade de Intervenção Rápida) em Ncoloto, Namanhumbir”, relatou Gerónimo Potia fazendo referencia a área mineira dentro da concessão da MRM na província de Cabo Delgado.
Segundo Gerónimo após o baleamento do seu filho ninguém da MRM ou da polícia se dignou a ajuda-lo. Foi um grupo de cidadãos estrangeiros, na Região também a procura de pedras preciosas, que criaram as condições financeiras para o transporte e assistência médica da vítima. "Ele morreu a caminho do hospital rural”, desabafou Gerónimo Potia adicionando que acabou por amarrar o corpo do filho a uma mota para o levar para casa onde se realizaram as cerimónias fúnebres.
Manuel Artur, outro garimpeiro de 18 anos de idade teve um destino idêntico. De acordo com o seu pai, Artur Pacore, alguns dos colegas do seu filho viram um agente da PRM a disparar sobre o abdómen de Manuel, “(...) ele arrastou-se a uma distância de 100 metros mas não sobreviveu. Morreu a caminho do hospital de Namanhumbir”, revelou.
“Quando os homens da FIR chegaram eu estava num buraco. Eles disseram-nos para sair da cova. Levei cerca de cinco minutos e quando eu saí, um agente da FIR disparou a queima-roupa um tiro no meu pé e foi embora. Alguns Somalianos e Tanzanianos ajudaram-me ", contou Jorge Mamudo, garimpeiro precisando que o crime aconteceu em Ncoloto, dentro da área da concessão da MRM, no dia 7 de Julho de 2014.
A Polícia da República de Moçambique, solicitada pela reportagem não aceitou dar entrevista. Já a Gemfields, em nome da Montepuez Ruby Mining, esclareceu que desd Abril de 2015 o Governo moçambicano substituiu a FIR pela Polícia de Protecção de Recursos Naturais e Meio Ambiente, uma unidade composta por 35 elementos instalou-se em Namanhumbir para proteger a concessão e as áreas em torno dela.
Enterrados vivos
Existem também relatos do uso de bulldozer da empresa para fechar os túneis escavados pelos garimpeiros em alguns casos ainda com os mineiros no seu interior. De acordo com os mineiros quando são surpreendidos pelos agentes da segurança da MRM na posse de pedras preciosas preferem não sair dos túneis. Um mineiro da aldeia Muaja, próxima de Montepuez, identificado apenas pelo nome de Abdul afirmou que presenciou o seu primo ser enterrado vivo por uma máquina pesada da Montepuez Ruby Mining.
“Três de nós estávamos dentro de um buraco, com 3 a 4 metros de profundidade. Dois saímos para esconder os rubis no mato, a cerca de 100 metros de distância da cova, deixando para atrás o meu primo. Quando voltamos, vimos um bulldozer fechando a cova com areia. O meu primo ainda estava lá dentro”.
Em resposta escrita ao nosso questionamento, a Gemfields disse que iria verificar nos seus relatórios para apurar se o primo do Abdul tinha sido soterrado no deslizamento de terra da mina que ele tinha escavado. “As alegações segundo as quais a MRM enterra vivos os mineradores ilegais com recurso as suas máquinas escavadoras sobre as suas escavações enquanto estes permanecem dentro daquelas, não são solidas”, afirmou a empresa adicionando que pauta por um processo rígido para assegurar que nenhuma máquina da MRM alguma vez tenha causado a morte de mineiros ilegais por acidente ou de forma intencional.
“A dimensão dos túneis é profunda e longa, não podemos afirmar que nenhuma morte tenha ocorrido” disse por sua vez Arcanjo Cassia, Administrador do distrito de Montepuez. Um comité encontra-se a investigar no terreno as mortes para determinar se foram causadas pelo colapso dos túneis ou pelas máquinas que são conduzidas sobre as minas para fecha-las disse ainda o governante local.
“As nossas forças são as que usam armas de fogo e não os mineiros”
De acordo com o Administrador de Montepuez o aumento do número de garimpeiros ilegais dentro e em torno da concessão da MRM originou o aumento generalizado da violência e criminalidade no emprobrecido distrito da província de Cabo Delgado. Entre Dezembro de 2013 e 2014, foram registados uma média de um assalto por dia, quinze baleamentos mortais tiveram lugar no mesmo período, incluindo seis assassinatos ocorridos em plena luz do dia, entre Junho e Agosto de 2014.
O Procurador de Montepuez, Pompílio Xavier Uazanguiua, atribui a maioria dos crimes a crescente tensão entre as forças de segurança armadas destacadas para a protecção dos depósitos de rubis e os mineradores não licenciados na exploração das gemas. “As nossas forças são as que usam armas de fogo e não os mineiros” declarou o magistrado a nossa reportagem revelando que “alguns elementos das forças de segurança foram julgados e condenados”.
O entrevistado disse que entre Janeiro de 2013 e Janeiro de 2015, a procuradoria de Montepuez processou mais de 10 casos contra elementos da PRM, mais 35 a 40 casos relacionados com assaltos a mão armada alegadamente protagonizados por elementos da polícia que roubavam as cidadãos e aos garimpeiros. Num outro caso, dois elementos da polícia foram condenados por roubo a uma residência com recurso a arma de fogo, afirmou Uazanguiua.
No tribunal distrital de Montepuez, com o aumento da criminalidade os casos a serem julgados aumentaram chegando a 950 processos. Numa zona remota de Moçambique como é Montepuez os registos são arquivados em papel pois os tribunais não estão informatizados o que torna quase impossível o seguimento de cada um desses casos criminais.
Os responsáveis pela mineradora em Londres - o sócio moçambicano é a empresa Mwiriti Limitada (e tem o Raimundo Pachinuapa como o accionista maioritário) -, foram informados sobre o nível de violência e os problemas de segurança na sua subsidiária, Montepuez Ruby Mining. Num relatório datado de Julho de 2015, elaborado pela firma britânica SRK consulting, a pedido da Gemfields, pode-se ler que “o conflito com os mineiros ilegais constitui um dos riscos mais significativos para a MRM”.
A empresa reconheceu estar ao corrente de um tiroteio protagonizado por agentes da PRM dentro da sua concessão e que resultou na morte de dois mineiros ilegais, um moçambicano e outro tanzaniano. O porta-voz da Gemfields também disse estar a par das acusações de violência que pesam sobre dois elementos da empresa que faz a sua segurança privada.
“A MRM mantém um diálogo aberto com as autoridades no interesse de manter a lei” disse Gemsfields, adicionando que sobre os termos da sua licença, é obrigado a prestar assistência básica às forças governamentais, incluindo ajuda-los a acomodarem-se porém clarificou que a companhia não tem autoridade sobre os agentes da PRM nem actuam em seu nome.
“Essa assistência não significa que as forças governamentais sejam de algum modo dirigidas pela MRM. Insinuar ou inferir que qualquer assistência logística fornecida signifique que a MRM dirige as forças governamentais é, completamente falso e não poderá ser responsável pelas suas acções”, enfaziou a Gemfields em comunicado onde ainda explica que está “preocupada com os actos ou alegação de violência e com certeza investigamos tal questão. Estamos a trabalhar com investigadores externos para apurar as alegações”.
“Nós não vamos sair, mesmo que nos matem aqui”
Mas os conflitos não se resumem à escavação pontual ou criminalidade. A 15 de Setembro de 2014 agentes da polícia moçambicana queimaram aproximadamente 300 casas no mercado da vila de Namucho e Ntoro, em Namanhumbir, e ainda espancaram os residentes, de acordo com chefe da vila e residentes locais entrevistado pela reportagem.
Uma acção idêntica aconteceu em Setembro de 2012 e foi protagonizada por agentes da PRM que alegaram ter sido necessário limpar a área de mineração antes da visita do Ex-Presidente Armado Guebuza.
“Eles levaram as nossas terras e queimaram as nossas casas”, disse um morador, cujo testemunho foi corroborado por outros entrevistados. “Agora eles também nos querem fora de nossas vilas, para abandonar as nossas tradições e nos mudarmos para um lugar onde não tem água e a terra não é propícia para a agricultura. Nós não vamos sair, mesmo que nos matem aqui”.
Ali Abdala, antigo residente da vila de Naucho-Ntoro comunidade de Montepuez, acusou os representantes da Montepuez Ruby Mining o terem forçado a assinar documentos concordando em entregar as suas terras com a promessa de que não teriam que mudar-se. “Eles nos mentiram. Porque somos pretos e pobres, a empresa pensa que podem fazer aquilo que lhes bem entender”, afirmou Abdala.
Membros dos 2000, forte comunidade de Ntsewe em Namanhumbir, corroboraram as afirmações de Ali Abdala de que as residentes locais nunca foram informados que teriam de deixar as terras onde habitam há várias gerações.
A Gemfiels, em representação da MRM, disse por escrito que agiu legalmente e respeitando a legislação moçambicana e que “discussões intensas” com a comunidade local aconteceram. Segundo a porta-voz da empresa, Olivia Young, baseada na capital inglesa, apenas a vila de Ntoro teve de ser reassentada, no âmbito de um plano apresentado pelo Governo, enquanto com 95 famílias conseguiram um “acordo amigável” para que pudessem receber uma recompensação em conformidade com a Lei. A insinuação de que isto seja “uma apropriação de terras” é absurda, acrescentou a empresa na sua resposta escrita.
Escrito por Estácio Valói
@Verdade 03 Junho 2016