20 de outubro de 2016

Telegramas de 1976: Êxodo em português e guerra na Rodésia
















As centenas de mensagens da embaixada de Portugal em Maputo enviadas para Lisboa ao longo do ano de 1976, e que constam do arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relatam o intensificar da guerra com entre a Rodésia e Moçambique em que participaram dissidentes moçambicanos que vão dar origem à RNM e mais tarde à Renamo, além da presença de mercenários ocidentais, incluindo portugueses nas fileiras das forças de Salisbúria. A guerra começa a envolver militares cubanos e russos e armamento pesado soviético.

Por outro lado, na agenda das relações entre Portugal e Moçambique não consta apenas a cooperação ou questões relacionadas com a banca, os seguros ou empresas de energia visto que, ao longo de todo ano, a questão dos prisioneiros portugueses nos cárceres moçambicanos vão obrigar inclusivamente o envolvimento

Os telegramas da embaixada demonstram também preocupação sobre o “êxodo maciço” de portugueses que foi provocado pela “instabilidade” mas sobretudo pelo decreto 34/76 que restringia o embarque de bens móveis para o exterior de Moçambique e pelas nacionalizações de prédios e empresas anunciadas pelo próprio chefe de Estado, Samora Machel.

Janeiro

O problema dos “inválidos da guerra”


No dia 02 de janeiro de 1976, a embaixada regista que a Rádio Moçambique, a “única emissora de radiodifusão”, foi nacionalizada, mas a principal preocupação do início do ano diz respeito aos “inválidos de guerra”.

“As autoridades moçambicanas insistem pelo reembolso por parte do governo português das importâncias que têm sido pagas mensalmente pelo Executivo de Lourenço Marques aos inválidos de guerra, bem como as pensões de sangue”, escreve a embaixada acrescentando que estão a ser elaboradas as listas dos beneficiários.

“A solução do problema geral não se apresenta com facilidade”, sublinha o telegrama enviado para Portugal.

Em meados do mês a embaixada informa Lisboa que a população portuguesa tem solicitado com frequência informações sobre regras de equivalências escolares.

“Corre o boato que as equivalências sobre estudos no exterior teriam terminado no dia 31 de dezembro (1975)”.


Fevereiro

“Lourenço Marques já não é Lourenço Marques. A capital chama-se Maputo”


O governo da Frelimo dedica o dia 03 de fevereiro aos heróis moçambicanos tendo “o povo” sido convocado para assistir ao discurso em que o chefe de Estado anuncia as nacionalizações dos prédios e das casas, no mesmo dia em que a capital do país muda de nome.

“Depois de ouvir muitas opiniões aqui, Lourenço Marques já não é Lourenço Marques. A capital chama-se Maputo. A partir de hoje a nossa capital chama-se Maputo. Viva a população do distrito de Maputo. Viva a população de Maputo. Concordamos?”, proclama o presidente da república popular.

De acordo com o telegrama da embaixada, Samora Machel fez também “críticas violentas ao colonialismo português” e contra todos aqueles que “no estrangeiro prolongam práticas criminosas” contra Moçambique.

“Como seria de esperar, o presidente anunciou importantes reformas que vão ter graves consequências na vida do país, com reflexos ainda na população portuguesa que, tendo saído de Moçambique, aqui mantém interesses”, refere a nota da embaixada de Portugal.

Samora Machel determina que todos os meses, o valor equivalente a um dia de salário dos trabalhadores “será oferecido à nação”, constituindo-se, “com o seu produto, um banco de solidariedade, com vista a ajudar outros povos e a minimizar os prejuízos causados pelas intempéries”.

O presidente moçambicano declara igualmente que o Estado vai proceder à nacionalização dos prédios e das casas abandonadas, cujos donos “fugiram” do país.

Sendo assim, o Estado prepara-se para estabelecer as regras de ocupação de casas, deixando de haver casas de aluguer, mantendo-se o direito de cada qual construir para si a sua própria casa.

No mesmo discurso, Samora Machel refere-se também às dificuldades relacionadas com a alimentação, saúde e transportes, “atribuindo sempre as culpas ao colonialismo português”.

Um dia depois, a Rádio Moçambique divulga as medidas tomadas pelo governo e que foram anunciadas pelo chefe de Estado:

Segundo o comunicado, “as medidas visam liquidar o racismo, acabando com as divisões de raça e de classe nas cidades e aglomerados habitacionais e possibilitar a criação das bases para a verdadeira unidade e permitir ao povo tomar a cidade e viver nela e não no quintal da cidade”.

Para o regime, as novas medidas sobre a habitação e ocupação de casas vão permitir organizar “no seio da cidade, nos bairros, nos quarteirões, nos prédios, uma verdadeira vida colectiva”.

“Estamos a criar as bases para o exercício do poder popular democrático, o alicerce político da nossa sociedade.

Poucos dias depois o embaixador português é contactado pelo encarregado de negócios dos Estados Unidos que se mostra “preocupado” com as medidas anunciadas por Samora Machel.

“A conversa incidiu sobre as nacionalizações dos prédios, sendo-me perguntado se o acordo de Lusaca não estaria a ser respeitado. A eventualidade de indemnizações por parte do governo, a falta de numerário para o efeito, a saída maciça de portugueses nos próximos tempos foram outros aspectos abordados, sempre em forma interrogativa”, refere o telegrama da embaixada.

A mesma mensagem diz que o embaixador de Itália abordou o mesmo assunto e que tal como o diplomata norte-americano “aguardam conhecimento da posição de Portugal” sobre o assunto.

No dia 11 de fevereiro é divulgado o decreto- lei sobre a nacionalização de prédios que determina que “só o Estado pode arrendar imóveis” e que reverte para Moçambique “ a propriedade sobre imóveis pertencentes a estrangeiros que não tenham o seu domicílio na república popular”.

“Caducamos os direitos imobiliários constituídos a favor de estrangeiros não domiciliados em Moçambique”, refere o decreto-lei, aplicando-se a pessoas coletivas ou sociedades estrangeiras.

Em meados do mês, o Ministério dos Negócios Estrangeiros convoca o embaixador para informar sobre a expulsão de seis portugueses que “tinham praticado actos que infringiam os princípios da Frelimo”, que não foram especificados.

A 18 de fevereiro, a embaixada é confrontada com a publicação no jornal Notícias de uma carta de “portugueses radicados em Moçambique e solidários com a revolução”.

O documento, segundo os signatários portugueses, pretende “denunciar com firmeza a campanha malévola de propaganda anti-Moçambique e anti-Frelimo, nomeadamente no que diz respeito à segurança e condições de vida dos portugueses residentes no país, com fortes repercussões em Portugal, com o o evidente objectivo de sabotar a execução dos acordos de cooperação e coagir psicologicamente os cooperantes a não se deslocarem a Moçambique”.

No final do mês, um telegrama “urgente” dá conta de que uma delegação de trabalhadores portugueses “assalariados do caminho-de-ferro”  em representação de quinhentos funcionários dirigem-se à embaixada. “Reclamam que seja definida a sua situação, relativamente ao ingresso no quadro geral de adidos, como lhes teria sido prometido pelo Alto Comissário Vítor Crespo antes da independência”, refere o telegrama.

A mesma mensagem indica que o mau estar entre os funcionários portugueses deixa entender que estão preparados para abandonar o trabalho com “consequente paralisação do caminho- de-ferro”.


Março

Quando as Testemunhas de Jeová eram comparados aos agentes da PIDE


Um mês após o famoso discurso de Samora Machel é anunciada a criação do Banco de Solidariedade.

A decisão que parte do Comité Central da Frelimo prevê que as contribuições sobre os salários dos trabalhadores serão recolhidas no dia 03 de cada mês tendo sido fixados os montantes proporcionais aos vencimentos.

“As contribuições em géneros podem ser de milho, amendoim, mandioca ou arroz”, explica a mensagem enviada para Lisboa sobre o Banco de Solidariedade destinado a apoiar os povos em luta e os programas nacionais de reconstrução.

A 07 de março, realiza-se uma reunião entre o secretário de Estado da Cooperação de Portugal e o presidente Samora Machel.

O chefe de Estado referiu-se à “nacionalização da medicina, acabando com o lucro pela doença; a extinção da advocacia, deixando de haver a defesa dos criminosos; a nacionalização dos colégios e dos prédios e as das agências funerárias”.

Samora disse ainda ter recebido “toneladas” de cartas vindas dos Estados Unidos protestando contra a prisão das Testemunhas de Jeová, no ano anterior.

“Condenou a atuação dos elementos religiosos pela divisão que constituíam no país”, referindo-se às medidas que tinham sido tomadas contra as Testemunhas de Jeová em finais de 1975 sob a acusação de serem “agentes da PIDE”.

Poucos dias depois, as autoridades moçambicanas anunciam que vão passar a solicitar a apresentação de documentos (prova de fundos e extratos da conta corrente) sobre pedidos individuais de transferências de economias de Moçambique para Portugal.

Tendo em vista a cooperação, as negociações entre os dois países dão os primeiros passos mas a reunião com o ministro Machungo que recebeu o secretário de Estado da Cooperação português é marcada pelas críticas da parte moçambicana:

“Não é possível fazer-se uma excepção em favor dos portugueses quanto ao estatuto dos estrangeiros. O clima de instabilidade psicológica da comunidade portuguesa não deriva da actual situação de Moçambique mas única e exclusivamente da actuação concertada das forças reaccionárias que operam simultaneamente em Moçambique e em Portugal”, nota o embaixador sobre as declarações do ministro.

Finalmente, a 13 de março, Moçambique propõe uma agenda de trabalho que, entre outros assuntos, prevê a discussão sobre a definição da situação futura da Marconi além das questões relacionadas com as equivalências escolares; restituição de documentação histórica, técnica e científica e de objetos de arte e “outro material levado para Portugal pelo regime colonial”; garantia de consulta de arquivos da história mais recente referente à documentação colonial.

Maputo propõe igualmente a discussão sobre a responsabilidade dos dois governos em relação aos trabalhadores portugueses em empresas como a SONEFE; fundos da TAP em Moçambique; dívidas dos colonos e responsabilidades do governo português; propriedade industrial, entre outros.

Enquanto se aguardam soluções entre os Estados, mais de uma centena de pessoas concentra-se na embaixada de Portugal em Maputo.

“São funcionários assalariados e eventuais, têm aguardado há muito a decisão do governo português sobre a situação laboral” e critica a falta de decisões sobre a entrada no quadro geral de adidos.

No mesmo dia, a embaixada comunica que o mesmo grupo mostra-se indignado por ver inúmeras dificuldades no embarque de bens, queixando-se do excesso de burocracia junto das agências de navegação e da escassez de navios com destino a Lisboa.

A 25 de março, a embaixada promove uma reunião com agentes de navegação marítima.

“As empresas informaram que é insuficiente o número de navios portugueses para o escoamento da bagagem dos retornados”, propondo fretamento de outros navios estrangeiros que se encontrem próximo dos portos moçambicanos, nos três meses seguintes.

Dois dias depois, a propósito de notícias da agência Reuters sobre o “êxodo”, Samora Machel refere-se à saída de cidadãos portugueses de Moçambique em declarações publicadas na imprensa:

“Quando saem 200 mil portugueses o povo moçambicano está a sair? Dez milhões não é gente? O Ocidente está alarmado. Quem sai são os colonialistas. Caiu o colonialismo e eles vão atrás deles. Estão habituados a viver no colonialismo e não na liberdade. Por isso, são esses mesmos que espalham essa propaganda de que toda a gente foge”, transcreve a embaixada.

O presidente moçambicano critica aqueles que acusam a Frelimo de ter servido os interesses “alheios”, da China e da União Soviética e regressa ao discurso contra o racismo.

“Quando eu era miúdo ia sempre à igreja mas os padres brancos, europeus, diziam-me: ‘o que vais fazer tu à igreja? Tu podes ir para lá, mas Deus ouve-te? Deus é branco. Não é preto. Já viste alguma vez um santo preto? Já viste alguma vez um preto depois da morte ir para o céu?’, afirma o chefe de Estado de Moçambique sobre a saída dos portugueses.

No dia 30 de março, um telegrama “confidencial” comunica que uma reunião em que participaram os cônsules gerais de Portugal na Beira e em Maputo concluiu que se acentua uma “tendência generalizada dos portugueses para a saída definitiva do país” e que há também “uma saída organizada de descendentes de indianos” que pretendem regressar à Índia.

“Mantém-se o problema dos transportes, insuficientes como tenho vindo a dizer há muito. A escassez de aviões é notória, derivada do encerramento da TAP, da exígua frota da DETA (aliás obsoleta )”, informa a embaixada.

O mesmo aerograma “confidencial” refere que aumentam os pedidos de repatriação, “cifrados no consulado de Maputo em trinta e cinco por semana e que na região agrícola do Limpopo, cerca de duas mil e quinhentas pessoas pretendem sair.

O embaixador nota que as autoridades moçambicanas diminuíram o número de prisões arbitrárias entre a comunidade portuguesa e que muitos dos detidos estão a ser libertados.

“Resta porém um grande mal-estar generalizado”, sublinha a comunicação dirigida a Lisboa.

Sobre o mesmo assunto verifica-se que a extinção das associações e o confisco do respetivo património está a atingir inúmeras associações portuguesas.

Por decreto são extintas coletividades por estarem “impregnadas de alguns males da sociedade colonial-fascista”.

A Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra; Associação Recreativa Muçulmana de Lourenço Marques; Casa do Algarve, Casa do Porto; Casa dos Poveiros de Moçambique; Casa de Goa; Casa do Alentejo; Casa da Madeira; Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Manica e Sofala; Associação Chinesa da Beira; Associação Luso Ariana do Distrito de Moçambique; Lar Minhoto de Manica e Sofala, são algumas das dezenas coletividades extintas em todo o país.


Abril

É mais fácil transferir dinheiro para Portugal 

A 10 de abril, e em pleno ambiente de êxodo de cidadãos portugueses, a embaixada de Portugal informa que passou a ser autorizada, com efeitos a partir do primeiro dia do mês de abril, a transferência mensal para o estrangeiro de parte das remunerações dos trabalhadores estrangeiros por conta de outrem.

“Esta medida, que constituía uma pretensão dos trabalhadores portugueses de vários setores, vem retardar parcialmente o êxodo que se estava a verificar”, informa a embaixada de Lisboa em Maputo.

Mesmo assim, duas semanas depois um decreto publicado no Boletim da República refere que novas medidas sobre o número necessário de elementos pertencentes às administrações das empresas.

“Outras dificuldades no campo económico e financeiro são referidas em outra portaria, em que se menciona o facto de que muitos indivíduos, nacionais e estrangeiros, que abandonam Moçambique não satisfazem as suas posições devedoras junto das empresas particulares ou nacionalizadas com quem mantinham relações”, escreve a embaixada.

Deste modo as empresas devem informar as autoridades da partida de um devedor que pretenda ausentar-se do país.

Na mesma altura, o Conselho de Ministros determina que o termo “camarada” não pode ser aplicado às altas figuras do Estado e da administração pública. “Nesta fase do nosso processo revolucionário tem-se verificado o uso abusivo de certas expressões” e a palavra “camarada” constitui “uma situação de igualdade artificial e uma falsa relação de camaradagem e de trabalho”.

Porque as “consequências” são a quebra de disciplina e a desorganização, a fórmula a aplicar ao chefe de Estado, ministros, vice-ministros e governadores provinciais deve ser: “Senhor ministro…Excelência”.

“Sendo frequente receber e encaminhar requerimentos de cidadãos portugueses dirigidos a ministros tratando-os por camaradas, peço atenção de que é de rigor aqui o uso do tratamento por ‘excelência’”, alerta a embaixada de Portugal sobre o novo tratamento oficial para com os líderes da revolução moçambicana.

Maio

Os portugueses que saem clandestinamente


A par do êxodo dos portugueses, a questão das nacionalizações continua a preocupar não apenas a embaixada de Portugal tendo o governo de Londres tomado posição oficial sobre a questão.

“A embaixada de Londres, remeteu ao MNE uma nota na qual informa que se reserva ao direito de, em relação aos cidadãos do Reino Unido e em seu próprio nome, reclamar uma indemnização pronta, adequada e efetiva, de acordo com o direito internacional, no tocante à perda da propriedade sofrida pelos referidos cidadãos e pelo governo de sua majestade”, informa o embaixador sobre a posição britânica acerca da nacionalização de imóveis.

No dia 08 de maio a embaixada indica que o “plano de repatriações está estabelecido” e informa Lisboa sobre o número de movimentos semanais cada vez mais elevado e que pode obrigar a meios de assistência direta no aeroporto de Maputo.

Para o envio de bagagens e outros bens para Lisboa, por via marítima, o embaixador mostra-se muito preocupado com a falta de navios e a concentração excessiva em Maputo propondo o fretamento de mais embarcações que deverão utilizar “mais do que um porto” para evitar o congestionamento da armazenagem antes do respetivo embarque, assim como alerta para várias saídas irregulares.

“Nos últimos meses têm-se verificado saídas clandestinas de portugueses, outros estrangeiros e moçambicanos, utilizando vários meios de transportem, entre os quais: barcos de recreio, helicópteros e aviões que se dirigem inicialmente para a África do Sul ou para a Rodésia”, comunica em telegrama “confidencial” a embaixada em Maputo.

No mesmo dia, o embaixador envia a relação dos navios prontos a zarpar de Pemba (Porto Amélia); Nacala; Beira e Maputo, com a relação de cubicagem assim como o número de passageiros que pretendem embarcar.

“Prontos estão 40 funcionários e 400 particulares e em preparação estão sete mil e quinhentos”, diz o telegrama que propõem que os navios fretados façam escala em portos da África do Sul onde há portugueses que já abandonaram Moçambique mas que queres seguir para Lisboa.

Quanto às ligações aéreas a embaixada regista “irregularidades” nas carreiras normais verificando-se o “caos” em relação ao embarque de bagagens, sendo que os passageiros são obrigados a comparecer no aeroporto com 12 horas de antecedência, sem garantias de seguirem nos voos em causa e sem possibilidade de voltarem a sair do recinto do aeroporto onde também não podem utilizar as instalações sanitárias e o restaurante.

“Nestas circunstâncias, torna-se aconselhável o fretamento de aviões, como medida de último recurso que permita às inúmeras pessoas efetuarem viagem”, aconselha a embaixada em telegrama datado de 14 maio de 1976.

Ao mesmo tempo, um aerograma “confidencial” dá conta de que as transferências de dinheiro que têm sido efetuadas por particulares portugueses para Portugal, podem vir a ser suspensas por falta de divisas.

Além das transferências de divisas, a 20 de maio a situação específica sobre o embarque de viaturas de funcionários portugueses complica-se.

“As autoridades moçambicanas avaliam os automóveis, incidindo as taxas de exportação sobre o valor da avaliação, para os funcionários que rescindiram contrato com pré-aviso de seis meses”, informa o embaixador sobre a situação nos portos.

No entanto, “para particulares, o Estado moçambicano reserva-se ao direito de opção adquirindo as viaturas pelo valor da avaliação”.

Na tentativa de agilizar as ligações aéreas o embaixador chega mesmo a propor a utilização da escala pelas Ilhas Maurícias onde há ligações diretas a Paris e Londres, evitando-se a rota saturada por Luanda, sendo que os preços não seriam drasticamente agravados.

Junho

Barcos para o regresso dos portugueses

As primeiras duas semanas do mês de junho são marcadas pelo processo de fretamento de vários navios destinados ao transporte de bagagens de portugueses que querem abandonar Moçambique.

“O êxito da operação com o ‘Novo Redondo’ aconselha a repetição, com vantagem de o navio poder transportar até 400 automóveis, sem preparação prévia”, aconselha o embaixador num telegrama datado de 12 de junho sobre o caso do embarque de veículos particulares com destino a Lisboa.

Outros navios fretados pelo Estado português preparam embarque de viaturas e bagagens até ao mês de agosto nos portos de Nacala e Beira.

A 18 de junho a embaixada informa o MNE português e Ministério da Cooperação que durante o mês vão ser repatriados por via aérea, com partida de Maputo, 60 portugueses.


Julho

Mais e mais barcos 

A 09 de julho, a embaixada envia a lista detalhada sobre os nove navios de mercadorias preparados para embarcarem bagagens e veículos.

A embaixada insiste no fretamento do navio “Novo Redondo” com capacidade para carregar sete mil metros cúbicos de bagagens e 500 automóveis.

No contexto do êxodo dos portugueses, a 21 de julho, um telegrama “confidencial” regista que estão a proceder-se a transferências periódicas de quantias depositadas em bancos locais de contas da TAP para contas do Estado português.


Agosto

Azáfama de bagagens, carros e portugueses


O transporte de bagagens, carros, passageiros por via marítima e aérea, assim como transferência de divisas, marca o quotidiano da comunidade portuguesa em debandada de Moçambique.

Com navios prontos a zarpar de vários portos de norte a sul do país, o cônsul-geral na Beira assinala em mensagem “secreta” as movimentações de transações bancárias.

“Tendo entendido que bancos comerciais com quem trabalhamos estão todos à beira da falência, uns mais que outros. Se retirarmos todo o dinheiro, ou grande parte dele, para instituições moçambicanas provocaremos a falência imediata daqueles com enorme escândalo”, transmite o cônsul geral referindo-se às transferências bancárias numa altura em que o Estado português procede ao fretamento de navios.

Por via aérea, Maputo informa Lisboa no dia 05 de agosto que, “na corrente semana”,  o total de passageiros “é cerca de mil”, e que utilizam os dois voos da TAP e os quatro voos especiais que estão a descolar da cidade da Beira.

No mesmo dia, “sem dramatizar a situação”, a embaixada nota que aumenta a criminalidade: “Têm sido frequentes os assaltos à mão armada, seguidos de assassínios da população branca, bem como evasões das cadeias.”

Ao mesmo tempo o consulado-geral da Beira relata que um “africano natural do Niassa” que contactou uma brigada consular portuguesa em Cuamba “foi detido por esse facto” e forçado a cavar abrigos antiaéreos durante 30 dias sob o pretexto de querer fugir para Portugal.

“Agrava-se a escassez de produtos de uso diário, aumenta o receio de ataques rodesianos e verificam-se movimentos noturnos de transporte de tropas do Dondo para Manica”, informa o cônsul da cidade da Beira.

Setembro

Portugueses desaparecidos e detidos

Uma mensagem classificada como “muito urgente” e datada do dia 06 de setembro indica que um táxi-aéreo que transportava dois engenheiros portugueses desapareceu, no dia 30 de agosto, após descolagem da pista de Mucangazi, onde se encontravam em missão requisitada pela Frelimo.

“Até agora, não foram encontrados indícios de que se tenha despenhado no solo”, refere a embaixada de Portugal em Maputo.

No dia 30 de setembro, a embaixada envia novo aerograma “urgente” sobre os incidentes ocorridos na Suazilândia com cidadãos portugueses fugidos de Moçambique.

“Pessoas são detidas e bens são confiscados. A falta de adequada estrutura consular tem agravado a situação”. 

Outubro

Transferir para Lisboa até “30 contos por família”

As questões relacionadas com o “êxodo” ocupam os serviços da embaixada e não são apenas os meios de transporte que preocupam os diplomatas em Maputo.

No dia 01 de outubro um telegrama “muito urgente” destinado à Secretaria de Estado da Cooperação transmite informações sobre o número de transferências das “economias dos portugueses” que foram “cerca de seis mil” entre outubro de 1975 e maio de 1976, após consultadas as autoridades competentes em Maputo.

Em média cada agregado familiar podia transferir até “cem contos”, mas “houve inúmeras famílias que não atingiram essa soma”.

A partir de maio de 1976 as transações com limite de “cem contos” foram suspensas por terem sido ultrapassadas as reservas depositadas em Moçambique.

A partir de outubro as transferências autorizadas não podem ultrapassar os “30 contos por família”.

No mesmo dia um outro telegrama enviado ao MNE pede instruções a Lisboa sobre a transferência de dinheiro, nacionalizações dos prédios, ensino do português e equivalência dos estudos, apreensão de viaturas e dificuldades relacionadas com a saída de bens móveis como o “recheio de casas”.

Um dia depois, o ministro das Finanças moçambicano comunica à embaixada de Portugal “sérias preocupações” sobre a saída de administradores e diretores das instituições bancárias com delegação no país.

Uma semana mais tarde, um português é detido perto “de uma fronteira” por suspeita de “tráfico ilegal de divisas”. Transportava “mil contos” segundo a polícia moçambicana.

A 12 de outubro a embaixada informa – com urgência – que funcionários públicos portugueses com direito a viajar para Portugal e com passagens pagas têm solicitado junto do consulado em Joanesburgo para que a viagem tenha início na África do Sul. “Circunstâncias especiais fizeram com que tenham sido obrigados a sair de Moçambique sem poderem de beneficiar a tempo das passagens gratuitas para Portugal. A pretensão é de atender, quanto mais não seja por razões humanitárias”, recomenda o embaixador.

Ainda em outubro é referido que funcionários públicos que, por serem moçambicanos, não celebraram contratos com o Estado ao “abrigo do acordo Frelimo-governo português” de 07 de maio de 1975.

“Entretanto têm vindo a renunciar à cidadania moçambicana, o que vai implicar a exoneração respectiva dos cargos até ao dia 31 de outubro”, informa a embaixada.

Numa altura em que os navios carregam os bens dos cidadãos nacionais, o Estado moçambicano publica um decreto 34/76 que proíbe a “exportação definitiva” de artigos de pessoas singulares produzidos, fabricados ou manufaturados em Moçambique e que ficam dependentes da autorização de uma comissão criada para o efeito sendo “analisado caso por caso” nos aeroportos e portos do país.

“O decreto causou grande perturbação entre a população portuguesa, verificando-se um movimento pouco usual na chancelaria, consulados e escritórios da TAP”, informa o embaixador que recomenda que Lisboa não pode deixar de “tomar posição clara sobre a matéria”.

Poucos dias depois, a embaixada recebe uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros moçambicano referindo que durante a vigência do governo de transição (1975) o Executivo português colocou à disposição de Moçambique uma verba de 500 mil contos para ser utilizada nas transferências das “economias portugueses” para Portugal.

“A verba encontra-se esgotada, não possuindo Moçambique disponibilidades cambiais para suportar encargos com as transferências em causa”, refere a nota.

No mesmo dia, um telegrama “urgente” relata a Lisboa que as autoridades portuárias de Nacala pretendem fazer desembarcar 152 automóveis embarcados no navio “São Tomé” que se preparava para zarpar provocando indignação e “trauma” na comunidade portuguesa.

Os casos pessoais são igualmente comunicados pela embaixada que pede a Lisboa autorização para pagar a viagem para uma clínica de Barcelona a um ex-furriel miliciano do Exército português, mutilado de guerra.

“Com a mão esquerda decepada e ausência do olho direito, apresenta-se sem vista esquerda por ainda ter estilhaços que poderá fazer extrair, vindo a recuperar parcialmente a visão”, informa a embaixada de Portugal em Maputo.

No dia 21 de outubro, a embaixada é contactada por um grupo “representativo de numerosos portugueses” que mostraram a preocupação sobre os decretos que impedem a saída de bens e a transação de divisas para Portugal pedindo compensações pelos prejuízos aos governos português e moçambicano.

“Informaram ainda terem-se avistado com funcionários da representação da ONU tendo recebido como conselho, segundo disseram, o recurso aos serviços judiciários das Nações Unidas e a Comissão dos Direitos do Homem”, relata o embaixador.

“Transmitem alarme e angústia pelos prejuízos materiais e morais que tais medidas estão a provocar, esperando encontrar, junto do Presidente da República (Costa Gomes), o justo amparo que merecem como vítimas inocentes e indefesas do acordo de Lusaca”, transcreve a embaixada sobre a missiva dos portugueses.

Um aerograma “confidencial” relata pouco depois um encontro com o chefe da diplomacia, Joaquim Chissano, que afirma que o governo português “já conhece bem” a posição de Maputo.

“Não aceitaremos discutir a legislação moçambicana”, diz Chissano ao embaixador de Portugal.

Por outro lado, nas últimas semanas chegaram ao país cerca de mil cooperantes portugueses, enquadrados no acordo de cooperação entre os dois países.

“Os interessados, em regra, não procuram a embaixada, mas consta que se verificam dificuldades de integração”, regista o embaixador.

No dia 23 de outubro, um telegrama “urgentíssimo” dá conta de que o governo de Moçambique concorda com a legalidade das exportações das mercadorias a bordo do navio “São Tomé”, no porto de Nacala, que pode seguir “o seu destino o mais rapidamente possível”.

“Registo o facto de, pela primeira vez, em matéria delicada e com termos expressivos, verifica-se a concordância plena da exposição de assuntos da embaixada”, sublinha o diplomata português em Maputo.

Mesmo assim, a 26 de outubro, o embarque de mais de uma centena de automóveis “já vistoriados e verificados” está a ser impedido pelo Ministério da Defesa, no porto de Maputo.

Novembro

Embaixada prevê “novo aumento” do êxodo

A embaixada prevê que o êxodo venha a atingir “novo aumento” durante o próximo semestre em virtude dos contratos estarem a chegar ao fim e das situações que afetam diretamente os portugueses sobretudo provocadas pelo decreto número 34/76 que restringe a saída de bens pessoais.

“Entretanto a imprensa vai publicando artigos, comentários, cartas e declarações de particulares, entre os quais figuram portugueses, de aplauso ao governo pelo referido decreto. Ontem, por exemplo, um cidadão português declarava ‘Acabaram-se os ladrões. Os bens moçambicanos ficam em Moçambique”, relata a embaixada no dia 09 de novembro de 1976.

No dia 11 de novembro, trabalhadores da SHER transmitem a decisão de regressarem a Portugal por “não cumprimento das promessas que têm sido feitas” ao longo dos últimos meses. “Cansados, desiludidos e temerosos do futuro apenas desejam regressar nem que seja com a roupa que trazem no corpo”, sublinha o embaixador.

“A saída imediata de trinta famílias podem trazer graves consequências, ocasionando paralisação da barragem e centrais e subestações que alimentam energia às cidades da Beira e outras cidades do norte”, alerta a embaixada no mesmo aerograma sobre os funcionários da SHER.

No mesmo mês registam-se problemas no setor bancário, com funcionários portugueses no Banco de Moçambique a ameaçar paralisar o trabalho.

Por outro lado, mantêm-se as dificuldades na exportação das bagagens pois a comissão de controlo ao decreto 34/76 “está inoperante”. “Parece que tudo aguarda qualquer acontecimento grave, não arriscando a comissão a tomar decisões”, escreve o embaixador

A 26 de novembro, um telegrama informa que reina um “descontentamento crescente” que lavra na colónia portuguesa na Swazilândia, pelo facto de se sentir abandonada.

“Julgo que não deveríamos ficar indiferentes independentemente da decisão que venha a ser tomada”, reforça o embaixador que volta a propor a abertura de um consulado em Mbabane.

“O problema das viaturas portuguesas retidas na Swazilândia continua sem solução. Interessados têm reclamado junto da nossa embaixada em Pretória e no consulado de Durban, pretendendo intervenção eficaz das nossas representações”, acrescenta o embaixador em mensagem “confidencial”.

Dezembro

Os portugueses

No início do mês, um português é expulso de Moçambique, não sendo dadas explicações para a decisão. No dia 10 de dezembro, o consulado geral de Maputo conta entre “cinco a dez mil portugueses” na zona da capital.

Por outro lado, o consulado da Beira informa que o número é inferior ao de Maputo, mas que ainda não dispõe de dados sendo que a embaixada ainda tenta contabilizar o número total de cidadãos portugueses em Moçambique.

“Até ao final do ano está prevista a saída de dois mil (caso haja meios de transporte) e em junho próximo (1977) alguns milhares de funcionários e familiares abandonarão o país”, calcula a embaixada de Portugal.

Na mesma altura, o ministro Joaquim Chissano aborda com o embaixador o “problema do regresso a Portugal de funcionários-servidores do Estado”.

A embaixada propõe a criação de uma comissão para acompanhar a questão, sob o patrocínio do MNE moçambicano e sugere a “suspensão temporária ou atenuação” das medidas sobre a aplicação do polémico decreto 34/76.

A 21 de dezembro, a juntar aos problemas relacionados com o carregamento dos navios com destino a Portugal registam-se sérias perturbações, “sobretudo na estiva”, no porto da capital.

“Houve agora intervenção das forças policiais. Vários elementos considerados agitadores foram presos”, informa a embaixada.

Um dia depois o embaixador repete que se prevê a saída de “alguns milhares de funcionários” que vai por termo a “um êxodo feito ao longo de dois anos exaurindo as forças deste país”.

“Há setores onde o dia 25 de junho de 1977 será sinónimo de encerramento, senão de caos. As perspetivas de substituição são escassas”, avisa o telegrama enviado para Lisboa.

“Vai resultar um crescente descontentamento de determinados elementos detentores de algum poder ou autoridade contra os últimos funcionários”, acrescenta a mensagem.

O consulado da Beira, entretanto, informa que se tem vivido um período “extremamente agitado” por causa do decreto que restringe o embarque de bens aos estrangeiros assim como nota a sensação de “insegurança” e perseguições politicas: “Soube-se que Fernando Cardoso, braço direito do governador da Beira, caiu em desgraça tendo sido levado para Gaza supondo-se que se encontra num campo de reeducação. Também a mulher do governador da Zambézia foi despachada para um campo de reeducação em Cabo Delgado.”

Guerra

A equação difícil da guerra civil

O conflito entre Moçambique e a Rodésia que vai abrir portas à guerra civil agrava-se com o intensificar dos combates e agressões em que participam dissidentes moçambicanos e mercenários portugueses do lado de Salisbúria. Maputo conta com o apoio da Tanzânia, da Zâmbia e de Angola, além do apoio direto de Cuba e da União Soviética.

No início de março de 1976, o chefe de Estado, Samora Machel, refere-se abertamente sobre as “agressões rodesianas contra Moçambique.

De acordo com a embaixada de Portugal, Samora menciona um ataque efetuado em finais de fevereiro em que terão participado aviões a jato, bombardeiros, helicópteros e tropas de artilharia e de infantaria que teriam feito 10 mortos do lado moçambicano, entre os quais oito soldados e dois civis. Do lado rodesiano teriam sido abatidos dois aviões a jato e um helicóptero.

“Ian Smith deliberadamente violou o espaço aéreo da África do Sul para nos atacar a partir da África do Sul, a fim de desviar a nossa atenção do alvo. Para provocar um conflito maior, um conflito à escala do subcontinente”, afirmou Samora Machel.

Nesta altura, começam a ser construídos abrigos antiaéreos nas povoações, nos bairros, nas escolas, nos hospitais e nas fábricas ao mesmo tempo que é reiterado o apoio de Maputo aos combatentes do Zimbabwe.

“A República Popular de Moçambique confisca todos os bens pertencentes ao regime ilegal, às firmas sediadas no território e que pertençam à colónia britânica da Rodésia do Sul, e aos cidadãos desse território que reconhecem esse regime ilegal”, disse ainda Samora.

A 11 de março, a embaixada informa Lisboa que o chefe da diplomacia moçambicana pediu a convocação urgente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e que Maputo apoia a “justa luta de libertação nacional” do povo do Zimbabwe contra o regime minoritário racista.

Moçambique impôs sanções contra a colónia britânia da Rodésia do Sul, com entrada em vigor no dia 03 de março o que vai acarretar “graves consequências” para os moçambicanos. “Tropas racistas, apoiadas pela aviação, invadiram as povoações de Pafuuri e Mavué e assassinaram velhos e crianças, homens e mulheres. Isto constitui uma ameaça à paz e à segurança no meu país, em África e no mundo”, acusa Chissano.

No dia 16 de março, um telegrama “confidencial” da embaixada portuguesa informa que se encontram em Moçambique “um número não determinado de cubanos, sobretudo na região de Gaza”. Também o consulado de Portugal na Beira reporta: “pelo menos uma centena de cubanos.”

Em conferência de imprensa no mesmo mês perante trinta jornalistas de países “socialistas e capitalistas”, Samora Machel afirma que a ideia de uma “guerra popular prolongada” contra a Rodésia tem como vantagens “libertar as massas populares dos complexos de inferioridade dos pretos em relação aos brancos” e dar “uma consciência revolucionária ao povo do Zimbabwe”

No final de junho, um telegrama “confidencial” dá conta de que “durante as primeiras horas da manhã, dois helicópteros transportaram para o terraço superior de dois edifícios de habitação em Maputo três antiaéreas ZU-23 de fabrico soviético”

“Correm informações, por vezes difíceis de confirmar, sobre a actuação de elementos estranhos a Moçambique que aqui se infiltram”, refere o embaixador referindo-se ao conflito com a Rodésia.

Recentemente, um avião de combate de Salisbúria sobrevou o aeroporto do Maputo na altura em que o presidente Samora Machel se encontrava no local, preparando-se para embarcar para uma visita oficial à Guiné-Bissau, o que foi visto “como provocação”.

Em julho, os chefes de Estado da Tanzânia e da Zâmbia reúnem-se em Moçambique de modo a obter-se “coincidência de posições relativamente a questões externas: guerrilha na Rodésia; ataques entre Moçambique e Rodésia e agressão sul-africana contra a Zâmbia.

“Segundo informa o cônsul-geral na Beira, navios russos têm desembarcado material de guerra junto a Massinga. No norte de Moçambique estão instalados mísseis SAM e aviões da Aeroflot trazem nas carreiras normais, abundante material bélico ligeiro e munições”, emite a embaixada de Maputo em telegrama “confidencial” acrescentando que estão “fortemente” minadas as ligações de caminho-de-ferro entre Vila Pinto Teixeira e Malvérnia e a Leste  entre Espingabera e Gogoi.

No dia 29 de julho, um novo telegrama “confidencial” indica que o estado latente entre Moçambique e a Rodésia é conjugado com confrontos no país entre povo e forças populares que pode levar á guerra civil.

O mesmo documento informa que as autoridades “têm incitado à apresentação de voluntários para a constituição de milícias contra a Rodésia  e à construção de abrigos antiaéreos.

Regista-se também a partir dos emissores de Maputo um programa radiofónico em inglês “dirigido à Rodésia” com ataques verbais contra o regime de Ian Smith. O relatório do embaixador indica igualmente que se verifica a presença de instrutores cubanos e soviéticos nas zonas fronteiriças.

A recente decisão moçambicana de encerrar as fronteiras com a Rodésia é também referida na mensagem enviada para Lisboa. Segundo a embaixada, do lado rodesiano alimenta-se do “clima de preparação psicológica para conflito armado, sendo raro ver homens vestidos à civil nas ruas de Salisbúria”.

As transmissões da Rádio África Livre que transmite em português da Rodésia para Moçambique é outro motivo que a embaixada refere como sinal de preocupação das autoridades de Maputo. “Tem havido repetidas tentativas de impedir tecnicamente a audição da transmissão diária. Foi suprimida a venda de transístores e pilhas. Há informações seguras de que o conteúdo das transmissões é analisado atentamente pelos membros do governo de Moçambique”, indica o mesmo documento.

A 13 de agosto, o jornal Notícias publica que se registam “618 vítimas do ataque contra o campo de refugiados do Zimbabwe em Nhaconia, Moçambique, por tropas rodesianas” que utilizavam fardamento idêntico ao da Frelimo, apoiados por blindados.

De regresso de Nova Iorque, Chissano afirma que o país “está a preparar-se para se defender”.

A embaixada refere igualmente a presença de material de guerra no interior do país, transporte de tropas e envolvimento de cerca de mil militares da Tanzânia nas fileiras do Exército moçambicano.

O ataque de forças rodesianas junto a Vila Gouveia foi considerado como “grave”, tendo a aviação de combate destruído uma ponte e uma instalação militar moçambicana. Inicialmente, atribuiu-se a ação a forças moçambicanas dissidentes que teriam anunciado um exército de libertação de Moçambique mas a Rádio África Livre, de Salisbúria, acabou por reivindicar os ataques que tentou perturbar o envio de cobre para a Zâmbia.

No final do mês agosto assinala-se a presença em Maputo secretário de Estado adjunto norte-americano, William Shaufele e Ted Rowlands do Foreign Office Britânico para avaliarem com o governo de Maputo a situação na África Austral e nomeadamente a questão rodesiana.

A imprensa de Moçambique estabelece, pela primeira vez, ligações entre a emissora de rádio da Rodésia que emite propaganda contra Maputo e o português “Jorge Jardim e outros” que jogam “uma cartada” contra o país.

Em setembro, os líderes da resistência do Zimbabwe, Joshua Nkomo da ZAPU e Robert Mugabe da ZANU são recebidos pelo presidente moçambicano em Maputo.

No terreno, e “segundo informação de fonte fidedigna”, na noite de 01 de novembro “teria descarrilado um comboio de passageiros perto da fronteira com a Rodésia”. “A causa foi atribuída a um ato de sabotagem”, informa o telegrama do embaixador português.

“Tropas vindas da Rodésia penetraram em território moçambicano, em resposta a intensificação dos ataques à Rodésia por parte das forças de Moçambique. Tropas da Rodésia dispunham de forte material bélico: tanques, canhões, cavalaria montada e bombardeiros. O ataque fez-se em duas zonas – Tete e Gaza – sendo que a invasão penetrou cerca de 100 quilómetros da fronteira”, regista o telegrama datado do dia 01 de novembro.

O chefe da diplomacia, Joaquim Chissano, refere-se à “invasão” durante um encontro com o corpo diplomático mas não refere mais pormenores do que aqueles que a embaixada já tinha conhecimento.

O Telegrama Secreto 545

Relatório dos ataques, dissidências e mercenários portugueses

A 05 de novembro, a embaixada de Portugal transmite a Lisboa o telegrama 545, um detalhado relatório secreto sobre os ataques ao “longo de toda a fronteira com a Rodésia”.

O documento contém “informações coligidas de várias fontes” e que permitem concluir as situações relacionadas com ataques, defesa e “dissidências” em Moçambique.

“Elementos que participaram nas infiltrações poderiam ser moçambicanos expatriados, enquadrados por elementos da Rodésia ou portugueses idos daqui antes da independência”, sublinha o telegrama que assinala com detalhe os locais onde se registaram os últimos confrontos, a presença de militares cubanos, montagem de rampas de mísseis, recuperação de viaturas militares abandonadas pelo Exército português, mas, sobretudo situações de mal-estar entre a população civil moçambicana, no norte do país.

“Sabe-se que no norte, em vastas zonas, há contestação generalizada motivada por condições económicas precárias e situação política derivada do tipo de regime. É frequente o povo fazer comparação entre a situação presente com o período da soberania portuguesa. Há focos em Pemba, Alua e Nacora onde por vezes é hasteada a bandeira portuguesa”, informa o documento “secreto”.

O aspeto mais preocupante relaciona-se com a informação sobre o fuzilamento de cerca de 150 trabalhadores da construção da linha férrea em Monapo que tinham “paralisado por falta do pagamento do salário”.

Finalmente, o telegrama 545 refere instabilidade em Inhambane e Boane onde jovens soldados do Exército moçambicano “recusaram-se seguir para a frente de batalha”. “Já anteriormente, igual recusa ocasionara confrontação de que resultou a morte de vários soldados”, acrescenta o documento.

No mesmo dia é publicada na imprensa de Maputo a notícia com declarações dos feridos de um ataque rodesiano contra a província de Gaza e que disseram que entre os invasores contavam-se “mercenários portugueses”. “Havia soldados brancos e negros e davam-se ordens em português. Pela maneira como agiam e pela forma como davam as ordens via-se que eram antigos soldados portugueses”.

Uma outra notícia publicada na capital referia que decorria “no Rossio”, em Lisboa, recrutamento de mercenários entre os antigos militares do “exército colonial” para combater nas forças da Rodésia. “O jornal depreende que sejam antigos comandos e outros antigos militares” portugueses, sublinha a embaixada.

Um dia depois o embaixador emitia outro telegrama “secreto” dando conta que tinham sido obtidas informações sobre os “elementos invasores” da Rodésia: moçambicanos que falavam português, vestiam de preto e “gritavam senhas da F.U.M.O”, (Frente Unida Democrática de Moçambique, fundada em Portugal por Domingos Arouca, dissidente da Frelimo)

“O objetivo seriam ataques a centros militares das forças populares e recolha de material de guerra. Até agora teriam abatido mil FPLM e capturado oito toneladas de material de guerra”, indica o telegrama referindo que elementos da FUMO estariam infiltrados em centros de decisão militares.

Sobre o assunto, o jornal Notícias de Maputo acusa a imprensa de Lisboa de “dar uma numa cravo, outra na ferradura” sobre o conflito com a Rodésia ressalvando que apenas o Diário é o único jornal que publicou a nota do Partido Comunista Português, o único que “até à data tomou uma posição firma de repúdio por mais esta ação criminosa do regime ilegal de Ian Smith”, referindo-se às últimas incursões da Rodésia em território moçambicano.

Com o intensificar do conflito, os voos domésticos sofrem irregularidades de funcionamento tendo a maior parte sido cancelados. “Principal motivo estaria na necessidade de transporte urgente de feridos, no norte, e transporte de tropas” o que levantou o receio por parte dos pilotos portugueses dos aviões comerciais sobre o possível abate de aviões civis por parte da Força Aérea de Salisbúria.

Novo telegrama “confidencial” indica o conteúdo das notícias da AIM, agência oficial de Moçambique, sobre ataques em Tete que incluiu a participação de mercenários portugueses.

A mesma nota da embaixada refe, com ironia, que “não deixa de ser curioso que, não obstante, toda a extraordinária força da FPLM, que tudo rechaça”, afirma a embaixada de sublinhando que até ao momento não foi capturado um “só soldado” rodesiano ou “outros”. 

Alianças regionais

Contra a Rodésia e “napalm” contra Moçambique

No final do ano de 1976 intensifica-se o conflito entre a Rodésia e Moçambique. Em Maputo reúne-se a Comissão inter-estatal de Defesa, com ministros de Moçambique, Angola, Tanzânia e Zâmbia.

O ministro zambiano declara que Lusaca considera existir “possibilidade do Zimbabwe conseguir a independência através da mesa de conferências”.

No terreno, a embaixada de Portugal regista “confrontações” e o lançamento de uma “grande ofensiva com dois mil guerrilheiros zimbabueanos em território da Rodésia” e reforço das defesas em Moçambique.

“Chegou avião carregado de tropas tanzanianas, constituindo dois batalhões. Viriam em reforço das tropas moçambicanas para a frente de combate no sul”.

Por outro lado as forças da Rodésia bombardearam Chicualacuala, em Moçambique, com objetivo de atingir a linha do caminho-de-ferro, a quarenta quilómetros da fronteira.

A revista de imprensa da embaixada regista que os jornais moçambicanos voltam a noticias, “de forma lacónica o prosseguimento de combates” na segunda quinzena de novembro.

“No dia 23 (de novembro) teria sido lançado ataque com bombardeiros, carros de combate e infantaria na província de Manica (noroeste).

O alto-comissário das Nações Unidas para a Namíbia declara que os Exércitos da Rodésia e da África do Sul preparam uma grande ofensiva contra Angola e Moçambique.

A imprensa acentua existirem mil mercenários no Exército rodesiano vindos da Alemanha Federal, Grã-Bretanha, Portugal e Estados Unidos, sublinhando que se encontram no terreno 400 mercenários norte-americanos.

No início de dezembro um comunicado oficial de Maputo nega notícias da imprensa internacional “imperialista” que nos últimos dias tem noticiado revoltas, “ataques” e descontentamento por parte da população.

“Essa mesma imprensa começou a falar de insurreição em Nampula. Hoje em dia ela difunde como factos que guerrilhas operam em Cabo Delgado e Nampula sob comando de Lázaro Nkavandame. É mentira. Quanto a Lázaro Nkavandame, está detido num campo de reeducação desde 1974, por crime de alta traição”, refere a nota enviada às embaixadas em Maputo.

O mesmo documento nega a existência de dissidentes da Frelimo na Rodésia e acusa a “imprensa imperialista” de estar a fomentar mentiras ao noticiar a existência de plataformas militares cubanas e soviéticas no país com o objetivo de lançamento de ataques  contra os “regimes racistas da Rodésia e da África do Sul”, atingindo, com a publicação de “mentiras”, o “processo revolucionário” moçambicano.

“Esta ‘provocação’ já utilizado por Adolf Hitler para justificar a agressão contra a Polónia em 1939, destina-se a fornecer ao imperialismo pretextos e justificações para agredir o nosso país”, indica ainda o mesmo comunicado que deixa claro que o país tem o direito de “fazer apelo aos seus aliados”.

No dia 29 de dezembro, a Rádio Moçambique informa que a aviação rodesiana atacou território moçambicano, “pela primeira vez” com bombas de ‘napalm’.

A embaixada de Portugal regista que não foi fornecido o número de vítimas do ataque de Chitanga, no sul.

Empresas e bancos portugueses

Funcionários bancários apanhados em “processos políticos”

A agenda da embaixada de Portugal em Maputo demonstra que o processo de descolonização deixa pendentes a reestruturação ou provoca mesmo o encerramento de empresas e instituições – seguros, energia, cimentos e banca – mas sobretudo realça a situação laboral das centenas de funcionários bancários portugueses apanhados entre “processos políticos”.

A comissão de representantes dos empregados bancários portugueses no Banco de Moçambique enviam, no dia 17 de agosto de 1976, uma exposição ao Presidente da República, Costa Gomes sobre a situação laboral.

“Novecentos portugueses trabalhadores do Banco Nacional Ultramarino foram ‘alugados’ aos Banco de Moçambique ao abrigo dos acordos que não respeitam a vontade dos trabalhadores que solicitam ao PR para que não permita que cidadãos portugueses vejam destruídos os seus lares devido à situação criada pelos governos provisórios e pedem a elaboração de contratos individuais de trabalho”, refere a nota enviada para Lisboa através da embaixada.

Meses mais tarde, as centenas de trabalhadores ameaçam mesmo paralisar o trabalho em virtude da aplicação do famoso decreto 34/76 que restringe a saída de bens do país.

A 30 de setembro, um telegrama “urgentíssimo” dá conta de que os diretores dos bancos Comercial de Angola e Standart Totta, ambos com participação do Estado português expõem o “problema das transferências dos depósitos da TAP”.

“Arriscamo-nos a ter grandes perturbações na actividade bancária, com possível falta de liquidez”, referem os trabalhadores abordando a questão dos “montantes elevados” que por decreto “passam para instituições bancárias como o Banco de Moçambique”.

No mesmo dia o embaixador comunica que “confirmando receios que se vinham a acentuar” com a nomeação pelo governo de Maputo de dois administradores delegados do Estado de Moçambique para o Banco de Crédito Comercial e Industrial, instituição com parte de capital do Estado português através da posição no Banco Borges e Irmão.

A posição moçambicana tem “alarmado” os depositantes, avisa a embaixada que solicita a nomeação de um adido financeiro.

Além das situações verificadas nas instituições financeiras há também a registar as preocupações dos trabalhadores da SHER, (Sociedade Hidro Elétrica do Revue) por falta de realização de contratos.

Em dezembro, os funcionários da SHER comunicam que a partir de janeiro de 1977 “darão início ao seu regresso a Portugal, sujeitando-se à perda total de bens e haveres”.

Ao mesmo tempo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique informa ter sido autorizada a “reexportação” do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil).

A embaixada recomenda que caso se venham a verificar obstáculos, “conviria contactar Cabora Bassa”.

O setor dos seguros é igualmente motivo de indefinição e preocupação o que chegou mesmo a obrigar, em novembro de 1976, à deslocação a França, República Federal da Alemanha e Portugal, uma comissão para definir a posição das companhias de seguros de Portugal com capital internacional.

Em novembro, o Banco Pinto e Sotto Mayor comunica a viabilidade do empréstimo de “25 mil contos” à Companhia de Cimentos. “Segundo várias fontes, a cimenteira atravessa um período crítico derivado de vários fatores (grande investimento recente, independência de Moçambique, saída de técnicos, problemas de gestão e outros) ”, refere a embaixada, recomendando uma moratória para o pagamento das dívidas da empresa.

Prisioneiros

“Então os pretos também já prendem brancos?”

Apesar dos acordos judiciários entre Portugal e Moçambique, prolonga-se, em 1976, a questão relacionada com os prisioneiros portugueses nos cárceres moçambicanos que leva mesmo à intervenção do MFA e a constantes contactos entre a embaixada e as autoridades moçambicanos.

A 28 de janeiro, a embaixada informa Lisboa sobre a libertação de sete portugueses que se encontravam detidos na Beira.

Quase três meses depois, o governo moçambicano decide expulsar do país 29 portugueses, entre os quais, alguns prisioneiros.

No dia 05 de março, a embaixada envia a lista com as identidades dos 29 portugueses sujeitos à ordem de expulsão, alertando para uma situação semelhante que prevê a expulsão eminente de mais nove portugueses. “Convém não dar publicidade a esta notícia”, aconselha a embaixada em Maputo.
Finalmente, a 16 de março a embaixada entrega uma nota ao MNE de Moçambique com a identidade dos 266 portugueses que ainda continuam presos.

“A nota refere diligências anteriores e pede informação sobre a situação de cada um dos detidos, bem como a solução dos casos, e ao mesmo tempo solicita a visita de funcionários consulares”, relata o telegrama da embaixada.

Dois dias depois, um aerograma “confidencial” refere que dois capitães do Movimento das Forças Armadas (MFA) estão em Moçambique para, sob coordenação da embaixada, manterem contactos com as autoridades militares moçambicanas sobre o “problema dos presos e detidos portugueses”.

Fica definida como estratégia um plano em três fases: análise processual; análise dos casos em cumprimento de penas ou que aguardam julgamento e, em terceiro lugar, análise dos “casos que necessitam de uma posição por parte de Moçambique”.

No dia 27 de março, Samora Machel, em conferência de imprensa, em Maputo, critica Portugal por causa dos portugueses detidos.

“Em Portugal dizem que há muitas prisões em Moçambique. Quando nós prendemos quinhentos moçambicanos pretos e prendemos três portugueses todo o Ocidente vai reagir: ‘como é isso? Então os pretos também já prendem brancos?’”, afirma o chefe de Estado de Moçambique.

“Aqui havia, nas prisões – na Machava – degolamentos diários. Digo degolamentos diariamente e o Ocidente nunca reagiu. Era a civilização?”, acrescentou Samora, referindo-se ao regime que terminou em 1974.

Para o presidente Moçambicano, o Ocidente nunca se preocupou com a “prisão na ilha do Ibo” e com os “campos de concentração” coloniais.

“Nunca houve reacções. Mas, se prendemos três portugueses dizem ‘o que é isto? Selvagens?’ Isto é racismo”, conclui Machel na mesma conferência de imprensa.

A 09 de abril, a embaixada comunica que – em virtude do trabalho elaborado pelos dois oficiais do MFA – a lista de presos portugueses atualizada “incluiu mais 40 nomes” a acrescentar à lista inicial de 266 detidos.

Regista-se igualmente que o assunto vai transitar para o Ministério do Interior e que continua a “não ser viável” as visitas às prisões, apesar dos pedidos da embaixada.

No dia 20 de maio, o telegrama nº 261,com carácter “confidencial”, emite para Lisboa, a pedido dos dois capitães do MFA, Camilo e Afonso, a lista e a “provável situação dos detidos portugueses”. Na penitenciária de Maputo estão “87 (número não confirmado)” de presos portugueses, mas também há detidos identificados em Chai-Chai, Inhambane, Tete, Zambézia, Nampula, Beira e  Chimoio.
A informação refere que, pelo menos, 21 são portugueses de origem indiana e que “se tem conhecimento não confirmado” que os portugueses que se encontravam em campos de trabalho em Bilibiza e Cabo Delgado teriam sido libertados “de forma discreta”.

No dia 29 de maio, as autoridades moçambicanas comunicam que “todos os soldados portugueses capturados pelas FPLM já foram libertados, tendo os últimos sido restituídos à liberdade em Nangade”.

Por outro lado, a mesma comunicação pede a Portugal para que todos os prisioneiros moçambicanos detidos por portugueses sejam libertados “com brevidade possível”.

O embaixador pede para ser habilitado sobre a situação exposta por Moçambique.

No dia 01 de junho, durante uma visita às prisões da PSP e da Machava, o presidente da República Popular de Moçambique contacta com os detidos, acompanhado dos ministros da Defesa, do Interior e da Justiça.

“Dialogou com os reclusos, inquirindo das circunstâncias da detenção. Gracejou sobre delitos, como por exemplo, perguntou a um preso se o carro que tinha roubado ‘era para passear com garotas’”.

De acordo com o mesmo telegrama, “confidencial”, Samora “ficou a saber” que havia delitos sem julgamento há quase dois anos.

“O presidente foi magnânimo em permitir a familiares dos presos que os visitassem, tendo ficado particularmente agradado em ter ouvido presos referirem os seus crimes, ‘falando verdade’. A Rádio Nacional transmitiu excertos deste curioso e original diálogo em que Machel se referia à situação deixada pelos portugueses ‘no mundo do crime’”.

A 06 de junho, um comunicado da presidência, na sequência da visita às prisões reconhece “algumas ilegalidades, incorreções e insuficiências incompatíveis com a linha política da FRELIMO”.

O comunicado, depois de afirmar “o papel da reeducação da Frelimo”, aponta para a necessidade “urgente” de reestruturar a aplicação da justiça “dentro da legalidade revolucionária”, mas em nenhum momento se refere diretamente aos reclusos portugueses.

Mesmo assim, o embaixador diz acreditar, a 18 de junho, que vão ser apresentadas em breve novas listas de portugueses a libertar.

Situação política

O novo regime visto pela embaixada 

Ao longo do ano, a embaixada analisa a política interna moçambicana e sobretudo as várias personalidades que fazem parte da cúpula do regime do novo país.

A 31 de agosto de 1976, o dia em que o presidente Samora Machel completou 43 anos de idade, é oferecido um almoço a quatro “velhos combatentes” do Niassa em que é feita referência à existência na província de campos de reeducação “onde se encontraria o conhecido Urias Simango”, relata a embaixada.

“No jogo de forças políticas”, analisa a embaixada, tem aparecido com evidência Marcelino dos Santos. “Foi com o presidente a Lusaca à reunião dos chefes de Estado dos Países da Linha da Frente e tem-se deslocado em missões especiais de relevo a Angola, Botswana e Somália, fazendo afirmações à chegada e à partida de fraco conteúdo político, mas afirmando crescente presença.”

A 01 de novembro, “cresce o descontentamento interno”, refere um telegrama “confidencial da embaixada de Portugal em Maputo. “O ministro do Interior, Guebuza, há muito que não é visto, sendo de salientar a sua ausência em cerimónias importantes em que a sua presença seria de esperar, como recentemente o juramento de 400 novos agentes da Polícia de Segurança Pública”, nota a embaixada.

Por outro lado, é referido que “houve grandes distúrbios nas plantações de cana de açúcar da importante empresa Maragra, relacionada com reivindicações salariais, cuja satisfação não foi inteiramente autorizada pelo governo.

Paralelamente, em relação a Portugal regista-se o “incidente Vieira” como ficou conhecido através da imprensa de Moçambique. O caso que perturbou as relações entre os dois países tem como origem a detenção no aeroporto de Lisboa de Sérgio Vieira, diretor do gabinete da presidência moçambicana que teria sido interpelado quando já se encontrava no interior do avião em que prosseguia viagem.

Apesar de viajar com passaporte diplomático e com visto emitido pela embaixada de Portugal em Maputo, Sérgio Vieira toma conhecimento de “haver um mandado de captura contra ele por ser refratário do Exército português”.

Sérgio Vieira acaba por seguir viagem, mas o episódio provoca um protesto de Maputo e vários editoriais da imprensa oficial moçambicana com fortes críticas a Portugal.

“O incidente está a ser aproveitado por Vieira, pertencente ao grupo que rodeia Machel, o qual não menor simpatia por Portugal”, refere um telegrama “confidencial” da embaixada datado do dia 11 de outubro.

A 24 de novembro, no aeroporto do Porto, um outro incidente do género envolve um membro do Comité Central da Frelimo e alto funcionário do governo da República Popular de Moçambique, obrigado a abrir a bagagem apesar de ser detentor de passaporte diplomático. “O governo português continua a assumir o colonial-fascismo”, acusa a imprensa de Moçambique.


Pedro Sousa Pereira, 2015-07-11
http://www.independenciaslusa.info/1976-telegramas/