As transmissões da embaixada de Portugal em Maputo relatam, ao longo do ano de 1979, uma escalada no conflito entre Moçambique e a Rodésia, ao mesmo tempo que decorrem as conversações de Londres com vista ao cessar-fogo e ao fim do regime de Ian Smith em Salisbúria. Os ataques da Rodésia, com participação de mercenários portugueses, em solo moçambicano, aumentam da mesma forma que se vai implantando a “resistência moçambicana” apoiada por Salisbúria.
Finalmente, o êxito à mesa das negociações de Lancaster House, no Reino Unido, levam Samora Machel a decretar em dezembro a abertura das fronteiras com a Rodésia, dando início a uma nova era na história da África Austral.
Do ponto de vista interno, 1979 fica marcado pelo agravamento da economia, provocada pela guerra, pela “economia planificada” e pela ação direta da Frelimo no “setor agrícola” em todo o país.
Em 1979, é decretada por Samora Machel a instauração da pena de morte, aplicada várias vezes contra atos de “traição” e “mercenarismo”.
Janeiro
Apelo à “resistência popular e nacional”
A 09 de janeiro, a embaixada de Portugal em Maputo nota o “silêncio” das autoridades acerca dos últimos ataques da Rodésia e “de outros elementos não identificados” em particular nas províncias.
Pelo contrário, dias antes, regista a embaixada, os comunicados do Ministério da Defesa divulgava ações armadas desencadeadas em Tete, Manica, Sofala e Gaza com a imprensa oficial a classificar a situação como “verdadeira escalada”.
“Ataques, quer por bombardeamentos aéreos, quer por grupos de agentes do inimigo lançados por paraquedas e helicópteros contra objetivos civis e económicos”, referem as autoridades no princípio do ano de 1979.
Os comunicados oficiais incluem, além de informações sobre os locais onde se registaram ataques, mensagens ideológicas pela defesa da “revolução”, pela “firmeza das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM).
Maputo apela também à “resistência popular e nacional” contra as agressões do imperialismo que “pretendem liquidar a experiência socialista e o apoio concedido por Moçambique à luta de libertação do Zimbabwe”. No dia 10 de janeiro, o Notícias publica a captura de “três agentes do inimigo” responsáveis por um ataque contra um autocarro e um atentado à bomba na zona de Inchope.
“É a primeira vez que as autoridades admitem abertamente (tinham-no insinuado quando de ataque a uma aldeia comunal em Marromeu) semelhantes ações praticadas por elementos moçambicanos e não a grupos ‘infiltrados da Rodésia’”, transmite a embaixada.
“Começa aliás a generalizar-se entre o corpo diplomático a convicção de que o número de incidentes que se estão a verificar, e pela vastidão da área em que são praticados, só podem explicar-se pela conivência, ou mesmo pelo apelo das populações locais”, acrescenta o telegrama nº27/1979.
Em Maputo, na mesma altura, existe o receio de ataques contra as instalações da PETROMOC (Petróleos de Moçambique) que não terá sido efetuado “devido à oposição da África do Sul”.
Dois dias depois a embaixada dá conta de que um cruzador da Marinha de Guerra da União Soviética deixou o porto de Maputo. O consulado de Portugal na Beira acrescenta que “têm estado no porto da cidade três fragatas soviéticas e um navio de apoio”. A 16 de janeiro entra no porto de Maputo um navio de passageiros soviético que, segundo a embaixada, “não parece presumir que traga turistas”.
Em meados de janeiro, um telegrama “confidencial” confirma, “segundo fonte digna de crédito” a escalada do conflito em Tete, Manica e Sofala.
“A cidade de Tete estaria praticamente isolada, após a interrupção do caminho-de-ferro de Moatize e do controlo, por elementos armados hostis à FRELIMO, exercido nas vias de comunicação rodoviárias”, informa a embaixada acrescentando que o “estado de espírito” das populações “seria bastante mau”.
A embaixada sabe, entretanto, que os governadores provinciais de Tete, Manica e Zambézia são chamados de urgência a Maputo para reuniões com o chefe de Estado, Samora Machel.
A 24 de janeiro, a embaixada informa Lisboa que se deslocou a Maputo o norte-americano Sargent Shriver, democrata e casado com Eunice Kennedy, irmã do antigo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. “Segundo embaixador dos Estados Unidos os contactos tinham decorrido em bom ambiente e os moçambicanos mostraram-se receptivos à ‘Kennedy Magic’”, refere a embaixada.
Um dia depois, o Notícias publica na primeira página as informações noticiadas pelo Diário de Lisboa de que estariam a combater contra Moçambique cerca de 2.800 mercenários portugueses a soldo da Rodésia.
“Muitos são veteranos das guerras de agressão coloniais contra os povos de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau”, acrescenta o jornal de Maputo.
Fevereiro
Samora: “O imperialismo é o nosso inimigo”
No início do mês de fevereiro, Samora Machel discursa perante o bureau de coordenação dos não-alinhados, reunido em Maputo.
De acordo com o embaixador, convidado a assistir aos discursos, o chefe de Estado moçambicano disse que foi feita “a definição clara do inimigo”. “O imperialismo é o nosso inimigo. Inimigo económico, inimigo militar, inimigo político, inimigo cultural”, afirmou Machel, debruçando-se, sobretudo, na situação da África Austral e que impede a “libertação completa do Zimbabwe, da Namíbia e da África do Sul”.
“Tive conhecimento que o texto do ante projeto moçambicano continua a conhecer dificuldades”, refere a embaixada de Portugal acrescentando que o “tom duro” e “anti Ocidental” de Machel não terá sido do agrado de todas as delegações.
“Consta que a delegação da Jugoslávia estaria a constituir-se como ‘chefe de fila’ das delegações que se opõem à versão do documento apresentado pelos moçambicanos”, acrescenta a embaixada.
A 17 de fevereiro, a embaixada obtém de “fonte fidedigna” informações sobre um atentado à bomba contra um edifício na Vila de Namaacha, na fronteira com a Suazilândia, ocupado por elementos do Zimbabwe. Não se registaram vítimas mas o edifício ficou destruído pela força da explosão de quatro bombas.
Outros atentados do mesmo género são referenciados em Xai-Xai e Chimoio.
Março
“Agressões rodesianas” chegam à ONU
A 02 de março, é comunicado que o grupo africano nas Nações Unidas pediu uma reunião do Conselho de Segurança para “apreciar” as “agressões rodesianas” contra “países da linha da frente”.
A meio do mês, um comunicado do Ministério da Defesa divulga o ataque da aviação da Rodésia contra a cidade de Chokwe (antiga Trigo Morais), em Gaza, atingindo também um aquartelamento das FPLM na mesma província.
A embaixada sublinha que o ataque é o “mais próximo” da cidade de Maputo registado até ao momento.
Em aerograma “confidencial” datado de 15 de março, a embaixada transmite dados sobre novo ataque aéreo em Chokwe que terá feito 16 mortos e seis feridos.
“Segundo casal de portugueses que ali trabalham e que hoje compareceram na embaixada e que afirmam recear regressar aquela localidade, disseram que o primeiro ataque limitou-se ao ataque de um avião que metralhou um quartel depois de ter sobrevoado a povoação”, refere o telegrama sublinhando que mais tarde se verificaram bombardeamentos contra aquartelamentos.
“O número reduzido de vítimas pode ser explicado pelo facto de os soldados terem fugido ao primeiro sinal de aproximação dos aparelhos. A defesa antiaérea só entrou em ação cerca de 20 minutos após os ataques”, relataram as testemunhas. A mesma transmissão inclui ainda um outro raid da aviação de Salisbúria.
“Acabam de informar-nos que Chibuto foi sobrevoado esta manhã, o que causou grande pânico”, conclui o telegrama.
Uma outra nota “confidencial” da embaixada comunica eventuais atos de sabotagem. “Segundo fonte segura, arderam em Namacurra mais de 250 toneladas de algodão de primeira qualidade que estavam para ser exportadas para Hong Kong. A perda em divisas para Moçambique equivale a cerca de 15 mil contos”, informa o telegrama.
Segundo a mesma transmissão, “a sabotagem, pois o algodão estava empacotado e prensado, estado em que não seria muito inflamável”, pode ligar-se à campanha da “Voz África Livre” (canal radiofónico da Rodésia em português), incitando as populações a cometerem atos de sabotagem contra objetivos militares, económicos e meios de transporte.
“Parece que na área ao norte de Quelimane (Zambézia), onde se situa Namacurra, existe grande descontentamento contra as autoridades, mas é a primeira vez que se verifica incidente deste tipo”, refere a embaixada.
A 19 de março, uma outra transmissão “confidencial” e que inclui informações recolhidas pela embaixada confirma novo ataque rodesiano contra o Dondo que “teria sido violento e causando grandes estragos”.
No final de março, uma mensagem “confidencial” recolhe informações sobre os efeitos que a queda do governo britânico pode causar ao “Caso Rodésia”.
“O embaixador da Nigéria disse-me ontem à noite que não pensava que a senhora Thatcher, se o Partido Conservador viesse a vencer as eleições, reconhecesse o governo de Salisbúria no quadro do ‘acordo interno’, pois isso significaria ‘sem dúvida’ o fim da Commonwealth”.
De acordo com a análise da embaixada o “simples facto de os conservadores subirem ao poder” no Reino Unido teria um efeito psicológico “muito importante” dando novo ânimo às forças que se opõem ao “movimento de libertação”.
Abril
Aviões sul-africanos sobre Maputo
Em abril, os chefes de Estado de Moçambique, da Tanzânia e da Zâmbia reúnem-se em Nampula para “consultas regulares” sobre cooperação, mas a situação na África Austral é um assunto sempre presente.
No dia 10 de abril, mensagem “confidencial” da embaixada informa que aviões de reconhecimento sul-africanos têm realizado, “nos últimos tempos”, voos de grande altitude sobre a cidade de Maputo, facto que tem “causado grandes preocupações às autoridades” moçambicanas.
A 12 de abril, informações coligidas pela embaixada indicam que a última cimeira da Linha da Frente, em Dar-es-Salam teria tido como objetivo conseguir a unidade da Frente Patriótica do Zimbabwe antes da realização das eleições na Rodésia marcadas para o próximo dia 20.
“O referido objectivo teria sido frustrado pois, enquanto a ZAPU (consciente de ser a menor força política) teria insistido na unificação total com a ZANU que, por sua vez insiste apenas na convergência nos sectores da Defesa, Diplomacia e Informação, conservando autonomia para ambos os movimentos na expectativa de futuras eleições”, escreve a embaixada.
A 16 de abril, é anunciada a condenação à morte de “mais dez reaccionários”. Os condenados são seis moçambicanos e quatro rodesianos, sendo que cinco são fuzilados um dia depois, de acordo com notícias transmitidas pela Rádio Moçambique.
A 17 de abril, é avistado a entrar no porto de Maputo um cruzador soviético da classe Kara. “Trata-se do mais moderno e poderoso navio de guerra soviético depois do porta-aviões Kiev”, sublinha a embaixada de Portugal.
No porto de Nacala encontra-se um porta-helicópteros da flotilha da União Soviética a que pertence o cruzador aportado em Maputo.
A 24 de abril, a aviação da Rodésia atinge Mapai e Mabalane, em pontos cada vez mais próximos da capital moçambicana.
Maio
Ataques a 45 km de Maputo
No dia 02 de maio, “informações não confirmadas” indicam que um comando rodesiano teria atacado um alvo próximo de Moamba, situado a apenas 45 quilómetros de Maputo, junto à estrada e à linha de caminho-de-ferro que fazem ligação à África do Sul.
No mesmo dia, Samora Machel anuncia na capital a criação do Tribunal Militar Revolucionário para “punir severamente as acções criminosas dos agentes inimigos”.
“Queremos que o inimigo produza mais criminosos e nós os puniremos. Não importa de onde venham. Venham da Inglaterra, venham da Alemanha, venham da França, venham da Espanha ou de Portugal”, afirma Machel.
A 07 de maio, o embaixador britânico diz ao embaixador português que a Tanzânia “quase desesperava” na tentativa de conseguir a aproximação entre Nkomo e Mugabe, sendo que a situação interna da Frente Patriótica do Zimbabwe é caracterizada “pela divisão e pelos desentendimentos” entre os movimentos que a compõem”.
Junho
Secreta prende grupo contra-revolucionário
A notícia da captura de um grupo contra revolucionário pelos serviços secretos moçambicanos (SNASP) surpreende os meios diplomáticos e políticos da capital. “O grupo preparava-se para realizar actos de terrorismo e sabotagem no dia 25 de junho (data da independência) incluindo atentados ‘contra a vida de dirigentes da revolução moçambicana’”, relata o telegrama datado do dia 29 de junho de 1979 que transcreve o comunicado das autoridades.
“As investigações demonstraram que aquele grupo de assassinos contra revolucionários recebia periodicamente instruções dos serviços secretos imperialistas baseados na colónia britânica da Rodésia do Sul e na África do Sul, onde têm bases de subversão contra o nosso país”, indica a nota do SNASP.
Para a embaixada, a revelação destes factos causou “certa surpresa nos meios diplomáticos”, que sublinha a “forma pouco habitual como a África do Sul é posta em causa”.
De acordo com o telegrama, não se exclui a hipótese de que a forma como é feito o anúncio possa estar relacionada com “algum acontecimento grave em preparação no âmbito da política interna”.
O embaixador recorda que ainda não foram revelados os nomes dos membros do Comité Central da Frelimo e dos deputados da Assembleia Popular atingidos pelas medidas que tinham sido anunciadas recentemente em Maputo sobre eventuais afastamentos.
Julho
Notícias sobre “agentes inimigos” e “grupos traidores”
Em telegrama “confidencial” com data de 11 de julho são transmitidas para Lisboa os anúncios da descoberta de “agentes inimigos” na SHER, onde teria sido colocada uma bomba no refeitório.
Por outro lado, é capturado em Tete, um espião que em colaboração “com outros grupos traidores e mercenários de várias nacionalidades” teria estado no Malawi onde recebeu apoio para desencadear ações terroristas contra Moçambique.
“Trata-se da primeira vez que o SNASP refere abertamente o apoio do Malawi a grupos hostis à Frelimo”, vinca a embaixada. No mesmo aerograma a embaixada escreve que um “ex-comandante da Frelimo passado para a ‘resistência’ teria dado uma entrevista a uma televisão sul-africana e a jornalistas internacionais dentro de território moçambicano”.
A 26 de julho, o Notícias publica informações sobre a existência de “150 mil refugiados do Zimbabwe” em Moçambique.
Maputo refere que está a enfrentar dificuldades para prestar apoio aos refugiados, cujo número aumentou desde o mês de março.
Agosto
Bombas em café e guerrilha
No dia 06 de agosto, é referido pela embaixada que corre o “rumor” de que teriam sido atacados e destruídos vários veículos militares que transportavam tropas para Inhambane e que quatro cooperantes soviéticos tinham sido mortos numa emboscada perto da cidade da Beira.
“Constou-nos também que teria rebentado uma bomba num café de Chimoio e várias bombas em Manica, em instalações ocupadas por cooperantes da RDA, ali deslocados para trabalhos de prospeção de geologia, mas que não causaram vítimas”, escreve a embaixada acrescentando que teria sido destruída uma base de guerrilheiros “da chamada resistência” na serra da Gorongosa.
No dia 09 de agosto, chega a Maputo, o primeiro-ministro da Jamaica, Michael Manley, vindo de Lusaca, a convite de Samora Machel.
“Parece evidente que o tema principal das conversas que o senhor Manley vai manter com os dirigentes moçambicanos não poderá deixar de ser a questão do Zimbabwe à luz dos resultados da conferência da Commonwealth, em que, segundo informações que aqui nos chegam, o senhor Manley teve uma participação muito ativa para que fosse possível um consenso final”, transmite a embaixada de Portugal.
Já anteriormente, o chefe do governo de Kingston tinha afirmado que tinha sido dado um “passo muito importante para a solução do problema do Zimbabwe” e que teriam sido lançadas as “bases para se alcançar uma paz justa”.
A 20 de agosto, uma mensagem “confidencial” citando fontes “com diversos graus de credibilidade” indicam o incremento das operações de “guerrilha” e atividade dos “movimentos de oposição armados” contra o governo.
O aerograma chama a atenção para as informações recolhidas pelo consulado da Beira sobre incidentes ocorridos na província de que se “destaca a operação desencadeada pelas FPLM na zona da Gorongosa, envolvendo cerca de três mil soldados, incluindo ‘cooperantes militares’ russos e cubanos com o objetivo de alcançar a base da ‘resistência nacional moçambicana’ e que teria resultado em desastre para as forças governamentais”.
Setembro
Armas e ataques no Vale do Limpopo
Um comunicado do Ministério da Defesa publicado na imprensa e destacado pela embaixada refere ataques rodesianos na zona do Limpopo.
De acordo com as Forças Armadas, um dos helicópteros que transportava soldados da Rodésia foi “prontamente abatido”, apesar de a operação de Salisbúria contar com o apoio da aviação (“aviões Mirage”, de fabrico francês, precisa o comunicado).
O mesmo documento do Ministério da Defesa, datado de 06 de setembro, sublinha que o ataque foi desencadeado devido à “proximidade da realização da conferência de Londres” sobre a questão do Zimbabwe.
Na região do Vale do Limpopo, de acordo com “informações colhidas de várias fontes”, teriam sido concentradas nos últimos tempos grandes quantidades de armamento, “designadamente armas antiaéreas relativamente sofisticadas, incluindo mísseis terra-ar”.
“O encarregado de negócios da embaixada do Reino Unido, com quem falamos ainda esta tarde, mostrou-se surpreendido com esta iniciativa de Salisbúria, não tendo, aparentemente fornecido qualquer informação segura sobre possível significado político”, acrescenta o embaixador sobre os confrontos no Limpopo.
No dia seguinte, a embaixada transmite dados sobre a continuação dos combates no Limpopo com base em informações do Ministério da Defesa de Moçambique que divulgou os locais atingidos pelos ataques das tropas helitransportadas da Rodésia.
“Campos de refugiados rodesianos e diversos alvos de natureza económica teriam sido seriamente atingidos. Por outro lado, os refugiados estariam procurando refúgio junto à costa, a sul da zona atingida”, acrescenta o telegrama.
Outubro
Pontes destruídas em Tete
A 17 de outubro, são divulgados ataques da Rodésia na província de Tete, destruindo três pontes sobre o rio Mcondezi.
“Informações de um porta-voz do Estado Maior General das FPLM, a aviação rodesiana teria atacado igualmente o caminho-de-ferro que liga a Zâmbia à Tanzânia (linha “Tazara”) comentando que os ataques se enquadram na estratégia de Salisbúria que procuram atingir a economia dos países da linha da frente”, nomeadamente através da destruição de vias de comunicação.
No dia 24 de outubro, sabe-se que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, recebeu o enviado especial britânico, Richard Luce, em digressão pelos países da linha da frente, para consultas sobre a questão do Zimbabwe mas, sobretudo, acerca das propostas apresentadas na conferência de Londres, pelo Reino Unido.
Novembro
RDA faz donativo de material militar
Finalmente, a 05 de novembro, o governo de Maputo pronuncia-se sobre a conferência de Londres que reúne as partes em confronto na colónia da Rodésia do Sul. Para Maputo, o apoio político e militar à Frente Patriótica (ZANU e ZAPU) é incondicional e critica a “ambiguidade” das propostas “vagas” que foram apresentadas pelo Reino Unido.
Moçambique acusa a diplomacia britânica de “ameaças, pressões, e imposições” contra a Frente Patriótica fazendo, “deste modo, perigar os resultados da conferência”.
No mesmo dia, o Estado Maior das Forças Armadas Moçambicanas informa que as forças rodesianas que se tinham instalado na Gorongosa tinham sido aniquiladas tendo sofrido 100 mortos e 22 feridos. “Os efetivos da força rodesiana totalizariam praticamente um batalhão, incluindo oficiais brancos e mercenários de várias nacionalidades e alguns traidores moçambicanos”, refere o comunicado militar.
O jornal Notícias publica também uma reportagem que refere, através de declarações de “prisioneiros”, a retirada por helicóptero de “seis oficiais rodesianos brancos e mercenários de várias nacionalidades, incluindo portugueses”.
A 14 de novembro, é anunciado um “donativo” de material de guerra por parte da RDA à República Popular de Moçambique.
Do ponto de vista diplomático, a imprensa destaca os desenvolvimentos da conferência de Londres sobre o Zimbabwe: “O acordo alcançado em Londres é uma importante conquista para o povo do Zimbabwe”, escreve o editorial do Notícias acrescentando que o pacto “não é ainda a independência.”
“As forças do colonialismo, do racismo e da reacção internacional, derrotadas na frente militar e diplomática, multiplicarão agora as manobras para transformar essa derrota em vitória e procurarão outras formas, talvez mais subtis, de impedir o acesso do povo do Zimbabwe a uma independência genuína”, sublinha o mesmo texto publicado na imprensa oficial de Maputo.
O editorial conclui com a afirmação de que na presente fase “o apoio do povo moçambicano vai manter-se mais firme do que nunca pelo povo irmão do Zimbabwe”.
No mesmo dia, o embaixador analisa a situação à luz dos encontros de Lancaster House, sobre o Zimbabwe:
“É ainda cedo para avaliar devidamente qual é efectivamente a posição do governo de Moçambique perante a fórmula de compromisso agora encontrada mas talvez não se esteja longe da verdade se se disser que não será provavelmente isenta de ‘mixed feelings’ e que é natural o sentimento de satisfação e alívio perante a perspectiva sobre o termo da guerra que tão cara tem custado a este país e ao próprio regime, na medida em que, internamente, têm multiplicado causas de tensão entre o governo e a população e criado condições favoráveis ao alastramento da contestação armadas contra a Frelimo”, escreve o embaixador Nunes de Carvalho.
Na mesma análise é referido que a situação é “temperada” por uma certa apreensão quanto à possível configuração do governo que “poderá a vir a ser instalado em Salisbúria” e às condições que poderão vir a emergir da solução negociada.
“O que vier a passar-se na Rodésia dificilmente deixar de ter reflexos sobre a evolução política da África Austral e na própria situação interna de Moçambique”, alerta a embaixada de Portugal em Maputo.
A 19 de novembro, a imprensa moçambicana “deu mostras” de ter aceitado a proposta britânica apresentada em Lancaster House (conferência de Londres) para a obtenção do cessar-fogo na Rodésia.
O fim das conversações, que se prolongaram durante 10 semanas, leva mesmo o Notícias da Beira a escrever que a proposta “apresentada pela potência colonizadora” foi a melhor de todas.
Apesar do período “excessivamente curto” para a entrada em vigor do cessar-fogo existe “clima de esperança”, de acordo com o jornal publicado na cidade da Beira.
Por outro lado, o Notícias de Maputo, que sublinha a “vitória da Frente Patriótica”, demonstra preocupação sobre as conversações acerca da implementação do cessar-fogo, “por motivos óbvios para Moçambique, como a questão sobre o termo das agressões militares rodesianas contra países vizinhos, presença de mercenários estrangeiros no seio do actual regime de Salisbúria, acolhimento em território rodesiano de ‘forças contra revolucionárias’ e o emissor da Rádio Quizumba (em evidente alusão à ‘resistência nacional moçambicana’) e às emissões da Rádio África Livre bem como o regresso de refugiados do Zimbabwe ao seu país”.
A análise que a embaixada faz das notícias publicadas nos órgãos de comunicação social do Estado refere ainda que, segundo Maputo, são mais de 150 mil os refugiados em território moçambicano e que a Zâmbia e o Botswana vão ser convidados a “acordar os arranjos a serem estabelecidos em conjugação com o cessar-fogo”.
“É ainda, certamente, demasiado cedo para avaliar as medidas em que o governo moçambicano vai exercer pressão sobre a Frente Patriótica”, remata a transmissão da embaixada de Portugal.
A 23 de novembro, a imprensa oficial de Moçambique, em notícias acerca das conversações sobre os detalhes do cessar-fogo, acusa Londres de apenas se referir às agressões da Frente Patriótica contra Salisbúria sem nunca mencionar os ataques da Rodésia contra território moçambicano.
Três dias depois a embaixada informa Lisboa que os países da linha da frente estiveram reunidos na Tanzânia para discutir a questão do cessar-fogo na Rodésia, sendo que Moçambique foi representada pelo chefe de Estado, Samora Machel; o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano e pelo ministro dos Transportes, José Luís Cabaço.
Na conferência de imprensa, em Dar-es-Salam, tanto Mugabe (ZANU) como Nkomo afirmam que continuam a negociar o cessar-fogo mas que “não se vergam ao ‘ultimato’ britânico para apresentar de imediato uma resposta sobre a proposta detalhada”. Notaram-se as ausências da Zâmbia e de Angola.
“Os moçambicanos, após satisfação e otimismo manifestados com a obtenção do acordo sobre a fase de transição na Rodésia, parecem encontrar-se hoje em situação de certo embaraço e perplexidade perante rumo negativo que os acontecimentos estão a tomar, colocando-se em atitude de espectativa e sem adotar espetaculares tomadas de posição oficiais antibritânicas ou de encorajamento à intransigência por parte da Frente Patriótica”, analisa a embaixada.
No último dia do mês e sem qualquer comentário, o Notícias de Maputo, publica na primeira página o título: “Acordo iminente em Londres” sendo que a notícia refere que estão resolvidas quase todas as divergências sobre o cessar-fogo.
O texto acrescenta que a diplomacia britânica responde “satisfatoriamente” às preocupações da Frente Patriótica.
Dezembro
Diplomacia e desanuviamento com a Rodésia
Em pleno ambiente negocial sobre a questão rodesiana, Moçambique anuncia que o Tribunal Militar Revolucionário condenou 17 indivíduos que tinham sido acusados de crimes contra a segurança do povo e do Estado popular.
A transmissão “confidencial-urgente” de 06 de dezembro informa que 15 dos condenados teriam nacionalidade moçambicana, um seria rodesiano e outro natural de São Tomé e Príncipe.
“A pena de morte foi aplicada a quatro moçambicanos e ao rodesiano por crimes de alta traição, mercenarismo, terrorismo e espionagem relacionados com ações militares do ‘inimigo’”, escreve a embaixada.
Os restantes foram condenados a penas entre os dois e os 30 anos de prisão por atividades ligadas à ‘contra revolução’ (“a nomenclatura oficial parece ter sido entretanto adotada para designar o movimento ‘Resistência Nacional Moçambicana’”).
No dia 12 de dezembro, a embaixada faz notar que apesar dos jornais moçambicanos terem publicado uma notícia sobre um ataque aéreo de Salisbúria contra a Zâmbia não “foi feita qualquer alusão a ‘raids’ no interior” de Moçambique.
De acordo com a embaixada, os órgãos de comunicação social da África do Sul teriam noticiado ataques aéreos a Moçambique nos últimos dias.
No dia 24 de dezembro aterra no aeroporto da capital moçambicana um avião da Royal Air Force vindo de Salisbúria. “Segundo nos foi dito por elemento da embaixada britânica que se encontrava no aeroporto estava a bordo uma delegação de que faziam parte um adjunto do chefe do pessoal militar e um alto funcionário da administração civil do governo de Londres”, transmite a embaixada.
No mesmo aerograma “confidencial” a delegação regressa no mesmo dia à capital da Rodésia e teria vindo negociar com as autoridades moçambicanas pormenores sobre a implementação do acordo” de cessar-fogo.
No mesmo dia, o telegrama “urgente” nº 734, emitido às 15:35, informa Lisboa que durante um comício realizado no dia anterior em Maputo, o presidente Machel anunciou o levantamento das sanções contra a Rodésia por parte da República Popular de Moçambique a partir das 00:00 do dia 24 de dezembro.
“O presidente anunciou ao mesmo tempo que iam ser feitos todos os esforços para, o mais rapidamente possível, serem restabelecidas as comunicações telegráficas e telefónicas e normalizado o tráfego de pessoas e mercadorias entre Moçambique e o Zimbabwe”, sublinha o embaixador.
Cinco dias mais tarde, um aerograma “urgente-confidencial” transmite, com base em “meios bem informados” que está prevista a deslocação para Salisbúria de uma “importante delegação moçambicana, chefiada provavelmente pelo vice-ministro da Defesa Armando Guebuza, para tratar de problemas decorrentes da abertura da fronteira da Rodésia”.
No mesmo dia a embaixada emite novo telegrama sobre a presença de Robert Mugabe em Maputo, há vários dias, tendo em declarações ao Notícias denunciado a “presença de forças sul-africanas em território do Zimbabwe acusando o governo britânico de não honrar os compromissos assumidos em Londres.
“A Grã -retanha demonstra que está conivente com a África do Sul contra o povo do Zimbabwe e até mesmo contra o próprio acordo de Lancaster House”, afirma Mugabe.
Para o líder da ZANU, a presença de forças de Pretória na Rodésia tem como propósito o acompanhamento das futuras eleições para depois “atuarem”, caso o resultado “não lhes seja favorável”.
Mugabe, diz também que iriam ser necessárias mais do que as “duas semanas” previstas pelos britânicos para a implementação do cessar-fogo no terreno.
A três dias do final do ano de 1979, a Rádio Moçambique emite a notícia da morte do general da resistência do Zimbabwe Josiah Tongogara, figura histórica da luta contra o regime de Ian Smith. O militar morre num acidente de viação na província de Inhambane, Moçambique, na altura em que a viatura em que se deslocava embate na parte traseira de um camião.
A emissão radiofónica transmite uma biografia do comandante da ZANU e um elogio fúnebre “omitindo, naturalmente certos pontos delicados, como o papel que Tongogara teria desempenhado no assassinato de outro dirigente, em 1975, e o seu suposto envolvimento, já em Moçambique, na tentativa abortada de ‘golpe’ para afastar Robert Mugabe da presidência do movimento”.
“Segundo versão publicada em Moçambique, o comandante Tongogara seguia de Maputo para o Chimoio em missão relacionada com a implementação do acordo de cessar-fogo na Rodésia e que teriam morrido mais cinco militares da ZANU”, acrescenta o telegrama transmitido para Lisboa.
Num curto telegrama “confidencial” a embaixada de Portugal sublinha que o embaixador britânico, na capital moçambicana, “entre outras individualidades”, enviaram as condolências a Mugabe.
Nesse dia, a embaixada de Portugal, pede instruções a Lisboa sobre a “tomada de qualquer iniciativa semelhante”.
Prisão e libertação de portugueses
“Têm sido efectuadas muitas prisões de portugueses”
A questão dos portugueses presos pelo regime de Maputo continua, a par do que aconteceu em anos anteriores, a preocupar a diplomacia de Lisboa em Maputo que, em 1979, depois do retorno de milhares de pessoas desde a independência, regista menos de 10 mil cidadãos registados nos respetivos consulados.
No início do ano, a embaixada de Portugal informa Lisboa que se recensearam “cerca de quatro mil pessoas em Maputo e duas mil na Beira”.
“Quase 70 por cento dos recenseados são originários do Estado da Índia: com saída progressiva de pessoas de origem europeia, os naturais de Goa, Damão e Diu, e seus descendentes, podem vir a ser, em breve, a parte mais importante da comunidade portuguesa em Moçambique”, detalha o telegrama “confidencial” nº 116/1979 sobre os portugueses em Moçambique.
Antes, a embaixada dava conta de que “muitos portugueses” continuavam a ser expulsos e detidos pelas autoridades moçambicanas.
“Têm sido efetuadas muitas prisões de portugueses, em especial na Beira e em Nampula, nos últimos dois meses. No entanto, muitos dos presos têm sido libertados após poucos dias de prisão, segundo me informa o cônsul na Beira”, indica a embaixada de Portugal na capital moçambicana no dia 05 de janeiro.
A 12 de janeiro, nova transmissão sobre o mesmo assunto dá conta de que dois portugueses detidos em Quelimane são transferidos para Maputo de onde deverão ser “repatriados” através dos serviços consulares portugueses, por solicitação das autoridades moçambicanas.
No dia 19 de março, nova transmissão “confidencial” diz que o conselheiro da embaixada foi chamado ao MNE de Moçambique para o informar que “mais quatro cidadãos portugueses” detidos e cujos nomes constavam na lista entregue às autoridades poderiam ser libertados se estivessem reunidas todas as condições consulares para o repatriamento do mesmo grupo, constituído por empresários cujas empresas tinham sido, entretanto, nacionalizadas pelo Estado moçambicano.
A 03 de maio, o diretor administrativo e financeiro da SOGERE, de nacionalidade portuguesa, é detido no aeroporto de Maputo quando se preparava para embarcar para Lisboa.“Desconhecem-se, por enquanto, os motivos da captura, assim como não se sabe quem emitiu a ordem de captura”, refere o aerograma da embaixada.
A 16 de maio, a embaixada sabe pelos jornais que um português é condenado a quatro anos de cadeia por “crime de sabotagem por negligência”, o que suscita um protesto formal junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique.
“A embaixada de Portugal lamentar ter de apresentar o seu mais enérgico e veemente protesto contra o facto de não lhe ter sido oportunamente dado conhecimento da prisão daquele cidadão português, bem como de não ter sido proporcionada às autoridades diplomáticas e consulares portuguesas a oportunidade de o visitarem, ouvirem e prestarem a devida assistência”, indica o telegrama da embaixada.
Finalmente, a 16 de maio, a embaixada destaca a primeira visita autorizada por Moçambique a um preso português. “É, contudo, difícil avaliar se se trata de uma efectiva alteração quanto ao fundo do problema ou uma mera atitude esporádica imputável aos humores de algum responsável”, desabafa o embaixador sobre a visita à cadeia civil de Maputo.
Ainda no mês de maio, a embaixada é informada da prisão de dois sacerdotes católicos portugueses na Beira.
Em agosto, são libertados mais de 20 portugueses que se encontravam na cadeia de Maputo. O embaixador refere o assunto numa cerimónia protocolar a um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, a quem agradece a libertações dos cidadãos de nacionalidade portuguesa.
“O senhor Shafrudin Khan, visivelmente satisfeito, agradeceu as minhas palavras e disse-me, rindo, que iriam a continuar a trabalhar dessa forma até não haver mais portugueses presos em Moçambique – acrescentando porém logo a seguir, receando talvez que eu pudesse levar demasiado à letra a sua promessa, que, no que respeita à situação dos presos à ordem do SNASP (serviços secretos), continuavam a encontrar grandes dificuldades.
O mesmo telegrama “confidencial” nota que nunca tantos portugueses tinham sido libertados de uma só vez o que podia significar uma nova política por parte das autoridades. No entanto, o embaixador lamenta que os presos às ordens do SNASP continuam na cadeia por períodos prolongados, sem culpa formada e que os portugueses nestas circunstâncias não têm oportunidades de acederem a apoio jurídico e consular.
“Continuam assim a não ser observados os padrões mínimos da convenção de Viena e princípios universalmente reconhecidos pela comunidade internacional”, vinca a transmissão de 11 de agosto.
A 12 de setembro são libertados mais 30 portugueses de uma só vez.
Expulsões e sabotagem económica
Compensação pelos prejuízos da “sabotagem económica”
A par das prisões, as situações de expulsão que já se tinham verificado nos anos anteriores continuam a atingir os cidadãos de nacionalidade portuguesa.
No dia 10 de abril, o Banco de Moçambique comunica que os funcionários do extinto Banco de Fomento e Sotto Mayor “deveriam abandonar o país o mais rápido quanto possível”. Os sete profissionais portugueses em causa abandonam Moçambique sete dias depois, a expensas da embaixada.
As situações com funcionários bancários são frequentes durante quase todo o ano.
Relativamente às expulsões e “retorno” de portugueses, a embaixada, em transmissão datada do dia 13 de julho, reporta a visita do embaixador da Suíça sobre conversas mantidas com autoridades moçambicanas que insinuam que os países ocidentais deveriam compensar o país pelos prejuízos da “sabotagem económica” e que, em especial, Portugal se tornara responsável ao retirar técnicos e colonos.
“Trata-se de uma acusação frequente que nos é feita de maneira mais ou menos ostensiva. Não deixa de ser curioso, ficarmos a saber que altos responsáveis do governo de Moçambique admitem em várias ocasiões, em conversas que chegam ao nosso conhecimento, que ‘um dos mais sérios erros da Frelimo foi afastar portugueses de Moçambique”, sublinha o telegrama “confidencial” nº 488/197.
Carestia, política e instabilidade
Faltam bens nas zonas rurais
As situações de carestia que já se faziam sentir em Moçambique desde 1978 acentuaram-se em 1979, apesar dos órgãos oficiais referirem que se trata “apenas” de um problema urbano, devido ao grande aumento da população nas cidades.
“O facto, porém, é que no campo o problema é muito mais grave, dada a baixa persistente da produção e incapacidade das autoridades em acudirem às necessidades rurais”, informa a embaixada em fevereiro de 1979.
O telegrama “confidencial” acrescenta que faltam géneros essenciais e que as “autoridades têm tentado ocultar, com pouco sucesso, as ‘bichas’ enormes que se vêm em toda a cidade” de Maputo.
Poucos meses mais tarde, a embaixada através de informações recolhidas junto de diplomatas suecos indica que 1979 pode vir a ser “o pior ano agrícola de que há memória em Moçambique”.
Em telegrama “confidencial”, de 04 de abril, refere-se que o “ministro da Agricultura, segundo a embaixada da Suécia, dá mostras de perfeita incompetência e estaria profundamente preocupado e deprimido com a situação”.
Por outro lado, verificam-se também episódios de “séria instabilidade” em Cabo Delgado, onde as “populações macondes” se mostram descontentes.
Em abril, os jornais admitem “discretamente” que vai ser necessária, mais uma vez, recorrer “a voluntários” para a colheita do arroz.
“Pessoas que chegam do norte dizem-me que os camponeses reduziram a culturas ao mínimo necessário para a subsistência e têm evitado culturas maiores e com interesse comercial como o algodão e o amendoim pois temem que as colheitas lhes sejam tiradas pelas autoridades. As únicas culturas que se viam eram de mandioca, produto que as autoridades não teriam vantagem em extorquir dos camponeses”, explica a embaixada no aerograma “confidencial” nº 309/1979.
Segurança
Pena de morte torna-se um incómodo
No contexto político e militar, a aplicação da pena de morte, em 1979, torna-se num assunto incómodo, segundo a embaixada.
“Fonte próxima do Ministério da Justiça disse que o assunto continua a ser discutido, causando grande apreensão e mal-estar em muitos sectores que se opõem à medida. Seria fundamentalmente o sector militar que estaria por detrás a apoiar a campanha a favor da institucionalização da pena capital”, transmite a embaixada a 07 de fevereiro.
A pena de morte é aplicada várias vezes durante o ano de 1979, sobretudo por questões de “traição” e “mercenarismo”.
Paralelamente, a embaixada relata que “continuam” a verificar-se fugas dos pilotos da DETA (companhia aérea) de nacionalidade moçambicana.
“Aliás, as fugas verificam-se também em todo o tipo de quadros. O movimento neste sentido já é evidente há alguns meses e tem aumentado depois da publicação da nova lei de segurança do Estado e o estabelecimento da pena de morte”, sublinha a embaixada em meados de março.
A agitação política em Maputo faz-se sentir com a inscrição de palavras de ordem anti-Frelimo pintadas nas paredes e o “incêndio, que não teria sido acidental, da sede do partido nos arredores da capital e o rebentamento de uma bomba perto do Ministério da Presidência, na Ponta Vermelha”.
Na mesma altura, verificam-se protestos de elementos do corpo de polícia que se queixam de discriminação.
Os agentes “discriminados” são aqueles que transitaram da administração colonial portuguesa sendo que a situação provoca até finais do mês de março “uma série de suicídios”.
A embaixada indica mesmo que um polícia apareceu morto junto ao edifício da chancelaria, em Maputo, além de relatar os problemas relacionados com agentes detidos.
“Chegaram-nos informações de que se verificou um motim e tentativa de fuga dos polícias que estavam detidos em Benfica, nas proximidades de Maputo. Pessoas da localidade ouviram tiros e explosões”, transmite a embaixada em aerograma “confidencial” no dia 20 de março.
Um mês depois verifica-se “um grande aumento das medidas de segurança em Maputo” com fortes dispositivos militares junto a instalações industriais, centros de comunicações e prisões.
“As patrulhas exigem às pessoas documentação numerosa: bilhete de identidade, passaporte, cartão de trabalho, cartão de residência, etc”, indica a embaixada a 04 de abril. “Os detidos já não cabem nas prisões”, informa a embaixada no dia seguinte.
No final de abril, a capital é patrulhada à noite por veículos militares.
Em agosto, destaca-se um telegrama “urgente-confidencial” sobre a pena de morte aplicada pelo Tribunal Militar Revolucionário, na Beira, a indivíduos envolvidos em diversos crimes contra a segurança do Estado.
“Dos onze indivíduos, oito foram condenados à pena de morte por fuzilamento e três a penas de prisão. Nota-se a tendência do aumento desproporcionado entre a natureza dos crimes e a gravidade da pena, o que parece traduzir o endurecimento das autoridades quanto a delitos de natureza político-militar”, escreve a embaixada no dia 22 de agosto.
Na mesma transmissão levanta-se o receio de que um dos condenados é de nacionalidade portuguesa, condenado à pena capital por autoria em “crime de terrorismo”, pelo que o consulado na Beira se encontra a averiguar a situação.
No final do ano, Samora Machel, numa cerimónia em Maputo perante trabalhadores do setor da saúde, recorda todo o “aparelho de Estado” do combate contra a indisciplina e “outros males” que atingem a sociedade moçambicana.
“Continua a acentuar-se a tendência para a concentração do poder e a reabilitação de hierarquias. Nessa perspectiva, o discurso (de Samora Machel) ataca o ‘populismo’ , o ‘esquerdismo’ , o ‘igualitarismo’, a ‘demagogia’ e a ‘anarquia’ que tem vindo a criar raízes em quase todos os serviços públicos”, realça a embaixada de Portugal.
“Por ordens do presidente, deverá passar a ser usada novamente a designação ‘servente’ em vez ‘do eufemismo auxiliar de serviços’ e deve acabar-se com o tratamento indiscriminado de ‘camarada’ que deverá ser usado apenas pelos membros do partido ‘nas relações partidárias’. O médico volta a ser ‘senhor doutor’ e o director ‘senhor director’”, acrescenta o embaixador sobre as novas regras de conduta ditadas por Samora Machel, pouco antes do fim do ano de 1979.
“O presidente chegaria mesmo a dizer que ‘o povo gosta de ver os seus dirigentes bem tratados’”, sublinha a transmissão.
O telegrama nº 732 explica também que as imposições formais vão ser difíceis de implementar devido “à desmoralização da maior parte da população criada pela própria situação de penúria geral e á falta real de incentivos”.
“Os sermões presidenciais não parecem, em todo o caso, fáceis de conciliar com a doutrina oficial e a prática corrente de dar absoluta prioridade ao critério de confiança política sobre o da competência técnica e profissional ao que se junta o clima de delação generalizada pelos apelos constantes ao exercício da chamada ‘vigilância popular’”, termina o embaixador.
Mudanças na revista Tempo
Mia Couto na imprensa oficial
A 14 de março, em telegrama “confidencial” a embaixada transmite informações sobre a suspensão temporária da revista Tempo.
“Segundo informações recolhidas, a suspensão teria origem exclusivamente política e acarretaria para já a saída do diretor, Alves Gomes, que seria substituído por Mia Couto”, indica o telegrama.
A mesma transmissão diz também que na base da medida “estaria ainda o caso da retirada de circulação” do número da revista relativo à reunião dos não –alinhados.
“Reinaria grande inquietação no corpo redactorial da revista e, em geral, nos meios de informação do país, reflectindo, assim, indícios de certa desorientação política que têm vindo a ser detectados ao nível dos dirigentes do governo de Maputo”, acrescenta o telegrama.
Em julho, o programa radiofónico “Voz da Frelimo” revela os nomes dos membros do Comité Central do Partido abrangidos por medidas disciplinares. As acusações de “inimigo infiltrado” são comuns aos visados, reduzindo o órgão do partido a 58 membros, composto no III Congresso por 67 militantes.
A 21 de novembro, um telegrama “confidencial” transmite com base “em fonte bem informada” que o jornalista João Santa-Rita da Rádio Moçambique e colaborador da revista Tempo, destacado para acompanhar os trabalhos da Conferência de Londres sobre a Rodésia teria ficado em Lisboa.
Segundo a embaixada, o jornalista recusou-se a acompanhar a equipa de informação em que estava integrado, tendo manifestado a disposição de “não mais regressar a Moçambique”.
“O também conhecido desportista Fernando Adrião, selecionador nacional de hóquei em patins da República Popular de Moçambique, não teria regressado, após gozo de férias em Portugal”, acrescenta o mesmo aerograma.
Diplomacia e ideologia
A visita de Erich Honecker
Em 1979, quando o Vietname invade o Cambodja, pondo termo ao regime dos Khmers Vermelhos, nota-se preocupação por parte de Moscovo sobre a posição de Maputo sobre o fim do regime de Pol Pot, na mesma altura Hanói repele uma intervenção militar chinesa no norte do país.
Finalmente, e nas vésperas da visita do presidente do Conselho de Estado da República Democrática da Alemanha, Erich Honecker, o governo de Maputo saúda a criação da República Popular de Kampuchea, reconhecendo desta forma o novo governo de Phnom Penh.
“Deste modo, termina a hesitação das autoridades de Moçambique. Não foi certamente estranha a pressão exercida pela URSS e seus aliados, especialmente Cuba e Vietnam”, explica o embaixador de Portugal em telegrama enviado para Lisboa no dia 12 de fevereiro.
Perante Honecker, a 23 de fevereiro, Samora Machel refere-se à última reunião da Comissão Política Consultiva dos Países do Pacto de Varsóvia sobre as lutas de libertação nacional.
Na receção ao líder da RDA, o presidente moçambicano diz que Moçambique apoia as “lutas no Sahara, Timor e Nicarágua, bem como a ‘vitória no Afeganistão’, atribuindo significado histórico à criação da República Popular de Kampuchea, assim como ao ‘derrubamento’ do regime antipopular do Xá do Irão”. Na receção é notada pelo embaixador português a ausência do representante da República Popular da China.
Além dos acordos de cooperação bilaterais, sobretudo na área militar, é firmado um documento sobre o acordo de cooperação entre a Frelimo e o PSU da República Democrática da Alemanha e um “programa de longo prazo para o desenvolvimento das relações económicas até 1990”.
Logo a seguir à deslocação de Honecker, o presidente do banco estatal da RDA é recebido em Maputo. “A chegada do senhor Wolfried Stoll tem sido aqui interpretada como mais uma indicação de que Moçambique está a tentar através da aproximação à RDA resolver gravíssimos problemas económicos e financeiros que atravessa neste momento”, escreve a embaixada no dia 02 de março.
No mesmo telegrama, é referido que “os alemães (de Leste) não se mostram muito entusiasmados quanto a ajudas e que, parece ser convicção generalizada, que as contribuições que possam porventura vir a ser concedidas, terão que ter grandes contrapartidas extremamente gravosas para Moçambique”.
Na mesma altura em que se estreitam relações com os países satélites de Moscovo, a embaixada nota, no início de março, que a imprensa local ignorou totalmente a assinatura do acordo de assistência técnica sobre caminho -de-ferro firmado “recentemente” entre Moçambique e a África do Sul.
A 14 de março, uma transmissão “confidencial” dá conta de que o governo se prepara para criar dois grupos de trabalho destinados a estudar os problemas de política externa de Moçambique, nomeadamente sobre o recente posicionamento do país em relação “à Indochina”.
“O debate está ser animado (no seio do Comité Central da Frelimo) por aqueles que não vêm com bons olhos a crescente identificação da diplomacia de Maputo com as teses da URSS e os seus aliados e desejariam eventual regresso à neutralidade e independência, relativamente a divisões cada vez mais graves registadas no campo socialista”, informa a embaixada. Mesmo assim, em abril, são anunciadas as ligações aéreas entre Maputo e Berlim Leste.
A 18 de abril, o presidente Ceausescu da Roménia visita Maputo sob fortes medidas de segurança. A população é convidada a assistir à chegada de Ceausescu “da rua” e não “das janelas porque isso seria perigoso”. “Não sei se atribuir tal medida, até agora inédita, se a carácter notoriamente receoso de Ceausescu, se às condições que aqui prevalecem”, desabafa o embaixador no telegrama “confidencial” nº302.
Em setembro, o presidente de Moçambique, Samora Machel parte para Havana onde participa na Cimeira dos países não-alinhados.
No avião presidencial moçambicano viajaram o primeiro-ministro do Lesotho e Robert Mugabe, líder da ZANU e membro da Frente Patriótica do Zimbabwe.
Em meados do mesmo mês, Samora acompanhado dos ministros Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano estão presentes em Luanda para as cerimónias fúnebres do presidente angolano, Agostinho Neto.
Diplomacia
Os reféns do Irão e “diligência” confidencial de Moçambique
A eventual “diligência” de Moçambique no início da crise entre os Estados Unidos e o Irão e os possíveis apelos de Maputo no sentido da libertação dos reféns norte-americanos em Teerão são referidos de forma “confidencial” pela embaixada de Portugal no final do ano de 1979.
“O embaixador de Espanha disse-me ontem que o embaixador dos Estados Unidos lhe confidenciara estar muito satisfeito com diligência que teria sido, entretanto, feita pela República Popular de Moçambique junto de dirigentes iranianos no sentido da libertação dos cidadãos norte-americanos sequestrados em Teerão”, transmite a embaixada de Portugal, às 19:30 do dia 05 de dezembro de 1979.
O mesmo documento sublinha que o embaixador dos Estados Unidos não quis acrescentar mais detalhes – “por enquanto” – por se tratar de matéria confidencial.
A crise dos reféns prolongou-se durante 444 dias, entre 04 de novembro de 1979 e 20 de janeiro de 1981.
Os 52 norte-americanos, a maior parte diplomatas, foram feitos reféns pelos estudantes da Revolução iraniana que acabava de derrubar o regime do Xá Reza Pahlevi, entretanto exilado.
A referência à eventual diligência entre Maputo e Teerão terá acontecido no início do longo processo que só termina em janeiro de 1981, no dia em que Ronald Reagan toma posse como presidente dos Estados Unidos, sucedendo a Jimmy Carter.
A crise dos reféns norte-americanos não volta a ser referida durante as transmissões que se seguem até ao final do ano e mesmo ao longo do ano seguinte, pela embaixada de Portugal que no dia 05 de dezembro de 1979 admite que o novo poder em Teerão possa ter sido permeável aos “apelos” de Samora Machel.
“Não sei se a satisfação do embaixador norte-americano traduz de algum modo a esperança do Ayatollah Khomeiny se mostrar mais sensível aos apelos do senhor Machel do que aos de outros dirigentes políticos ou religiosos”, acrescenta no mesmo aerograma “confidencial”.
Paralelamente, dois dias depois, a embaixada refere os contactos entre Maputo e Bagdad, a propósito da visita de Machel ao Iraque, “prevista para breve”.
“Especula-se no círculo diplomático local, o objectivo útil e imediato da visita que, do lado moçambicano, seria o de procurar créditos e condições mais vantajosas na compra de petróleo aquele país”, escreve a embaixada a 07 de dezembro de 1979 sem fazer qualquer referência à situação no Irão e aos eventuais contactos com Teerão.
Já no início do ano, a 16 de fevereiro de 1979, o presidente Machel enviava uma mensagem ao ayatollah Khomeiny, congratulando-se pelo derrube do “antigo regime iraniano que classifica como ‘uma vitória para todas as forças anti-imperialistas do mundo’”.
Segundo o telegrama nº136/1979, Samora, na mensagem enviada para Teerão, afirma que o novo governo do Irão vai contribuir para reforçar a luta contra o imperialismo, sionismo, colonialismo, “apartheid”, “referindo-se explicitamente à decisão sobre o embargo ao fornecimento de petróleo à África do Sul”.
De acordo com o embaixador Nunes Carvalho, o líder moçambicano “deixa entender claramente o desejo” pelo estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.
A mesma transmissão recorda que os órgãos de comunicação do Estado moçambicano vinham a dar grande relevo aos acontecimentos no Irão, criticando “violentamente” o regime do Xá e “saudando os esforços da oposição”.
O embaixador sublinha que a imprensa oficial destacava – em particular – a figura do ayatollah, “considerado com respeito e pondo em destaque o seu papel fundamental nos acontecimentos”, apesar da hostilidade das autoridades moçambicanas em relação “ao papel político da religião e dos dirigentes religiosos”.
A guerra entre o Irão e o Iraque começa em setembro de 1980 e prolonga-se até 1988. As negociações para a libertação dos norte-americanos mantidos reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerão terminam, com êxito, em 1981.
Pedro Sousa Pereira, 2015-07-11
http://www.independenciaslusa.info/telegramas