“O Governo não é forte. Só o é, enquanto V. Ex.ª estiver à frente dele. Faça V. Ex.ª a experiência. Afaste-se, e ponha na Presidência o Sr. Marcelo Caetano que, pelo visto, se sente com asas para voar. Ele voará, - mas nós vamos todos para o fundo. A estabilidade da chefatura do Estado não está garantida. Tudo o que se tem feito é artificial. Entende V. Ex.ª que Portugal encontrou «uma linha conveniente de pensamento e acção política assente em segura experiência». Ilusão que pode ser-nos fatal. O que é a experiência de vinte anos diante da experiência de oito séculos? Esta experiência de oito séculos obriga os governantes da estatura de V. Ex.ª a procurar a solução do nosso problema nas directrizes tradicionais da Nação.” (p. 267)
“O homem da rua espalha esbaforidamente que V. Ex.ª deixa a pasta do Estrangeiro, e cria a Vice-presidência , que confiará ao Sr. Marcelo Caetano, chefe do novo M. R. P. = Movimento Revivalhista Português. É verdade? Então - se eu pudesse, emigrava prudentemente para Havana, porque é indiscutível que Deus nos abandonou… E há vinte anos que eu confio, e prego a confiança em V. Ex.ª!” (p. 283)
“Já lhe têm chegado aos ouvidos que há grandes esperanças no Sr. Marcelo Caetano? Compreende V.ª Ex.ª o que isto significa? Insisto. Não acrescente V.ª Ex.ª aos becos sem saída da Mocidade Portuguesa (pobre mocidade portuguesa!) e da Legião Portuguesa, o beco sem saída da União Nacional.” (pp. 288/289)
“Há três dias, o homem da rua veio visitar-me, e dar-me as seguintes novas:
- o marechal Carmona não será o candidato à Presidência da República, porque no Governo há uma grande corrente que quer que seja V. Ex.ª o futuro Presidente;
- nesta hipótese, iria para Presidente do Conselho, o Marcelo Caetano.
V. Ex.ª conhece, creio eu, a minha posição, no caso. É-me indiferente que a Presidência da República fique no Sr. Carmona ou noutro qualquer, porque não me compete escolher Presidentes da República, dada a minha doutrina política. Mas não me é indiferente que V. Ex.ª deixe a única função compatível com as qualidades com que Deus o dotou - a de presidente do Conselho.
V. Ex.ª, na Presidência da República, inutiliza-se, e vai cair em beco sem saída. E se em cima dessa desgraça, temos outra, a da Presidência do Conselho nas mãos do snr. Marcelo Caetano - está tudo perdido.
O Sr. Marcelo Caetano foi nado, fadado e criado para ser o Kerenski da situação actual, - se lhe confiarem o governo. As suas relações de família, a sua política equívoca, mestiça, furta-cores - para não dizer camaleónica; o seu feitio odiento de parvoíce, - tudo isso o contra indica para ser o substituto de V. Ex.ª. V. Ex.ª não me pediu conselhos, nem, com certeza, me considera digno de lhos dar. Mas pela consideração que tenho por V. Ex.ª, pela confiança que me conquistou o seu proceder, devo dizer-lhe o que penso, e preveni-lo do que se me afigura fatal. E não me tenho enganado muito nos meus vaticínios pessimistas.
Deixe-se V. Ex.ª estar onde está - que é o seu verdadeiro lugar supremo da governação. V. Ex.ª tem, dentro da situação, muitos inimigos; os piores são os que estão a trabalhar para o colocar na Chefia do Estado. Era isto o que eu, há dias, ando para dizer a V. Ex.ª, e só hoje muito triste o faço.” (p. 361)
“Ex.mo Sr. Presidente do Conselho : - tenho, porque os arranjei, nos momentos livres, para poder escrever a V. Ex.ª uma daquelas minhas cartas em que discorro sobre a coisa pública.
Já ontem quis fazê-lo - quando li a notícia da demissão da Comissão executiva da União Nacional, eufemismo que encobre o nome de Marcelo Caetano. O homem da rua - eufemismo, também, na minha pessoa - conta-me que foi V. Ex.ª quem muito deliberadamente pôs S.ª Ex.ª na rua, pelo que muito me felicito, verificando simultaneamente que de nada servirão as andanças do Celestino da Costa, por Coimbra e pelo Porto, a tentar levar os catedráticos a solidarem-se com o artigo do Marcelo Caetano - que foi a gota de água, ao que parece, segundo o homem da rua, que fez transbordar o copo da paciência de V. Ex.ª.
Já V. Ex.ª sabe que nunca tive confiança nesse homem, de que comecei a perceber que era uma criatura sem sinceridade, à procura de todos os meios que o levassem a satisfazer a vaidade, a ambição, o sentimento mesquinho de arrivismo que o caracteriza. É um segundo Botelho Moniz… E dizendo isto, está dito tudo. Calcule V. Ex.ª que o homem da rua, dias antes da sua demissão, me segredava que ele se preparava para ir ocupar a pasta da Educação Nacional! Fui buscar o guarda-chuva, para fazer frente ao possível novo aguaceiro…” (pp. 380/381)
In "Salazar e Alfredo Pimenta - Correspondência, 1931-1950". Editorial Verbo. Lisboa. 2008.