11 de fevereiro de 2017

Algumas verdades sobre a traição em Angola



«Mas se algumas dúvidas ainda hoje subsistissem quanto às conclusões sobre os acontecimentos de Angola a que na altura cheguei, considerando os dois “jogadores” responsáveis pela violência naquela terra, basta relembrar Iko Carreira, ex-Alferes da Força Aérea Portuguesa e elementos de grande influência dentro do MPLA onde militou após a sua deserção, escreveu no seu livro de 1996, O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto, afirmando na pág. 70: “Infelizmente, a luta de libertação do povo angolano era, quando Neto chegou a Leopoldville, um objecto da Guerra Fria. O MPLA e a FNLA tinham-se transformado, talvez mesmo sem o saber, em organizações cuja actividade era controlada por cada uma das outras grandes potências militares da época. Das quais também se tornaram dependentes do ponto de vista material, servindo a respectiva propaganda. A FNLA estava ligada aos norte-americanos, enquanto o MPLA estava ligado à União Soviética.”» (p. 182)


«Poucas semanas antes da eclosão dos acontecimentos que tiveram lugar no Norte de Angola, Holden encontra-se com Franz Fanon em Tunes e, segundo testemunho da esposa de Fanon, teria dito:

“Esteja atento no dia 15 de Março, o dia em que vai ser debatida na ONU a moção apresentada pela Libéria; algumas coisas muito importantes irão acontecer em Angola.” Toda a operação tinha sido planeada com tempo e as diversas acções convenientemente programadas.

Apesar das opiniões, algumas contraditórias, que apareceram na imprensa de todo o mundo sobre as origens, evolução e consequências dos acontecimentos que então tiveram lugar, a realidade era só uma e duma crueldade inconcebível, podendo ser sintetizada nos seguintes pontos:

- Em poucos dias, com início em 15 de Março, milhares de pessoas são exterminadas, entre brancas e pretos, sem que se vislumbre uma conexão clara entre causas e efeito.

- A retaliação das populações, em especial dos colonos brancos, não se fez esperar, matando indiscriminadamente, num desespero total ou simples acto de vingança.

- O racismo surge na sua componente mais dramática, a do sangue, a da morte: és preto, és culpado dos assassínios; és branco, vais matar-me e eu tenho de defender-me!!

Era difícil descrever o clima de medo, verdadeiro pavor, autêntico inferno, que se vivia em Angola, desde Luanda, onde afluíam os colonos que tinham escapado ao genocídio, até à fronteira norte com Congo, abrangendo uma área superior à de Portugal continental. As forças da ordem eram por demais insuficientes, para devolver àquela gente, claramente aterrorizada, um mínimo de tranquilidade que lhes permitisse agir duma forma racional, impedindo o agravamento da situação. Reinava o pânico, o ódio, a sede de vingança.

O pronunciamento de Salazar estava correcto. “Para Angola rapidamente e em força.” Não tínhamos alternativa se pretendíamos restabelecer a ordem naquele território.» (pp. 184/185)

«Em 5 de Abril de 1962, a FNLA cria o GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio), afirmando dispor de um aparelho administrativo, judicial e militar que lhe permitia o controlo efectivo o território de Angola, o que não passava de pura utopia ou miragem e que tinha apenas fins propagandísticos. No seguinte, é fundada em Adis-Abeba a OUA (Organização de Unidade Africana), que quase de imediato, reconhece o GRAE em prejuízo do MPLA, ao qual não reconhece capacidades para levar a luta armada até ao interior de Angola. Neste seu início de vida, e até 1964, este governo teve no desempenho das funções de Ministro dos Estrangeiros o Dr. Jonas Malheiro Savimbi que desenvolveu uma intensa actividade diplomática não só em África mas igualmente na Europa, com o fim de recolher apoios tanto políticos como igualmente de material. O seu exército, ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola), dispunha do apoio político dos EUA, sendo o apoio material circunscrito a uma pequena ajuda financeira. As armas provinham essencialmente do Congo sob o patrocínio dos Estados Unidos, e de outros países africanos, em especial da Tunísia. O treino dos guerrilheiros, embora se verificasse em alguns Estados de África, era essencialmente concretizado no campo de Kinkusu, cerca de sessenta quilómetros a sul de Leopoldville, a cargo de especialistas chineses de Taiwan. Embora nos estivesse interdito, no âmbito da contra-subversão, toda e qualquer acção fora do território sob a administração nacional, a fim de evitar conflitos diplomáticos com os países limítrofes, em 1963 propus ao comandante da Região sobrevoar, com a discrição possível, em missão de reconhecimento fotográfico, o campo de treinos de Kinkusu. O Gen. Brilhante Paiva, começou por sorrir pois, conforme explicou, já tinha pensado no assunto. Deu a sua anuência mas a questão ficaria, por agora, só no âmbito da Força Aérea. A missão foi realizada, os elementos de informação colhidos através da fotografia vertical e explorados pelos serviços especializados. Não houve qualquer reacção diplomática a esta incursão e não deixei de pensar como seria fácil desferir um golpe mortal a todo o complexo com um bombardeamento maciço aos primeiros alvores. Julgo que seria uma forte machadada no já débil potencial de combate inimigo. Mas se sobrevoar era susceptível de ser sempre justificável com um erro de navegação, já este tipo de acção poderia trazer sérias complicações no campo internacional. A reforçar esta nossa convicção, sobrepunha-se, naturalmente, a política conduzida pelos órgãos do poder central, continuando a insistir na tecla do “problema policial de ordem interna”.

Paralelamente, o MPLA sentia enormes dificuldades em se projectar política e militarmente por:

- cisões nas cúpulas do movimento;

- exiguidade de apoios internos que se limitava ao treino de guerrilheiros nos países do bloco soviético;

- restrições e até proibição de todas as actividades no território do Congo imposta pelo respectivo governo;

- perseguição movida pela FNLA não só dentro do território de Angola como igualmente no Congo.» (p. 220/221)

«Holden Roberto, talvez mais preocupado com a sua projecção no campo internacional que com a guerra que conduzia desde 15 de Março de 1961 e onde parece nunca ter participado, assim como qualquer dos seus quadros superiores, começou a cair em desgraça, chegando mesmo a escrever por duas vezes ao presidente Kennedy. Vivendo à sombra dos louros conquistados com a mortandade e as atrocidades cometidas no início da subversão no Norte de Angola, passou a concentrar a sua atenção no campo diplomático pelos estados penalizadores para o seu movimento, especialmente entre os membros da NATO.» (p. 222)

«No entanto e apesar da guerra, muito se fez e bastará recordarmos que, para o ano de 1974, o orçamento de Angola era o terceiro de toda a África, apenas suplantado pelo do da África do Sul e da Rodésia de Ian Smith.» (p. 304)


In General Silva Cardoso, Angola, Anatomia de uma tragédia, Oficina do Livro, 2000.