Beira (Canal de Moçambique) - O triste espectáculo oferecido gratuitamente pelas lideranças políticas nacionais não só é mau pelos resultados como também pelo que significa na globalidade.
Uma persistência já careca e rota de apresentar uma normalidade inexistente são sinónimas de falência argumentativa.
Os moçambicanos estão crescendo no seu entendimento sobre o que as malhas e intrigas políticas significam na realidade.
Mais cedo do que tarde veremos políticos e seus partidos recebendo o cartão vermelho devido ao seu desempenho deplorável.
A manipulação da opinião pública e as suas consequências tem limites. Chegará o dia em que as pessoas acordam e dizem basta, pois chega de tanto sofrer e de tanta mentira como forma de estar na vida política.
Muita da fraqueza atribuída e característica do nosso sistema político deriva da maneira como os nossos lideres e seus partidos concebem as coisas, as organizam e agem no domínio politico e governamental.
Quando os argumentos dirimidos não ultrapassam a vantagem do eu, quando se observa a olho nu que a politica feita é uma que visa a barriga e as contas bancárias dos protagonistas, está tudo dito. Quando o que transparece é uma voracidade em recuperar o tempo perdido em termos de enriquecimento, é todo um país que se ressente. Jamais teremos uma democracia digna desse nome enquanto os partidos políticos forem débeis, desarticulados, megalocéfalos sem corpo bem distribuído, sem uma agenda assumida pelas suas lideranças e sobretudo enquanto continuarem máquinas intrinsecamente distantes dos seus membros criadas ou existindo para servir oligarquias.
Vivemos numa situação de aparências permanentes. Parece que existem partidos políticos quando tal não passa de eufemismos, quando os ditos membros não possuem a perspectiva nem o conhecimento das teias e agendas de seus partidos, quando na realidade tais membros não passam de ovelhas num rebanho sem direcção consensual, quando os partidos são máquinas funcionando segundo a vontade do timoneiro e quando tais máquinas servem de suporte a regimes e modelos de governação centralizados, em que a democracia é tratada como um nome politicamente correcto mas efectivamente fora da agenda. Só se pode dizer que estamos numa alhada com sérias consequências.
O que se diz, o que se proclama, aquilo que dizemos ser a agenda e preocupação deve ser realizado. Todo e qualquer afastamento desses objectivos devem ser questionados dentro dos partidos e na sociedade em geral. Os recuos e falhanços que se verificam na implementação da democracia têm causas concretas. Aquele sentimento que havia nos primórdios da independência de que a política era algo feito em defesa do povo e para o povo diluiu-se com o tempo.
Em sua substituição instalou-se a ideologia e cultura do saque dos recursos públicos. Ou melhor, as ideologias e manifestos políticos propagados são unicamente coberturas e artifícios para se alcançarem posições de relevo na esfera partidária e governativa.
Depois, as tarefas zelosamente executadas são o saque, o tráfico de influências, o desvio dos recursos públicos para benefício próprio, o roubo descarado, a promoção da impunidade judicial através de casamentos forçados entre o executivo e o sistema jurídico.
A transparência e democracia começam no seio dos partidos políticos, são cultivados a esse nível e depois transladados para o terreno geral da governação e da política. De outro modo, a efectiva separação dos poderes democráticos, tida como chave de qualquer democracia, não se verifica e não há nada que possa acontecer no sentido do fortalecimento da democracia.
As Constituições sucessivamente adoptadas são demasiado centralizadoras. Muito poder, talvez demasiado poder, numa situação de fraqueza institucional, repousa nas mãos de uma só pessoa.
Se antes da democracia, a apropriação indevida dos recursos públicos era feita sob a sombra das estruturas do partido único e tudo ficava em águas de bacalhau, com os cidadãos afastados da gestão da coisa pública, com o advento da democracia mesmo que precária, surgiu uma esperança de que haveria oportunidade de romper com práticas corruptas. Mas infelizmente a música que continua a tocar é aparentemente a mesma. O que de democracia se possui efectivamente são as eleições periódicas. Todo o resto não passa de cosméticos aplicados em benefício dos doadores ou parceiros externos e sua opinião pública.
Um Juiz do Tribunal Supremo praticamente vitalício, uma polícia agindo excessivamente e manifestamente inclinada para defender o partido no poder, forças policiais especializadas criadas com base em considerações de simpatia política, Procuradores da República sem a autoridade real de acusar, executivo continuamente contrariando os preceitos de utilização de fundos públicos e sempre condenado pelo Tribunal Administrativo, constituem algumas das características da nossa situação.
Quanto aos partidos políticos é difícil dar-lhes esse nome. Muitas vezes parecem feudos de individualidades que tiveram o mérito histórico de terem participado em processos importantes da conquista da independência e da democracia. No dia a dia são de facto campos de pastagem de individualidades. A maneira como é feita a sua gestão, o sistema de subordinação e hierarquias imperando, não deixa espaço para manifestações de qualquer democracia interna tão necessária.
Qualquer discurso de democracia interna nos partidos é farinha para consumo dos distraídos.
O fortalecimento de qualquer democracia fundamenta-se na economia, na capacidade de criar condições para a extensão da mesma para o domínio da economia. As pessoas tem de ser educadas, informadas e possuírem recursos para sobreviverem sem estarem na dependência desumana dos outros.
Quando as políticas implementadas não conseguem melhorar o acesso dos cidadãos ao emprego, educação, saúde, habitação e condições gerais de vida que estejam dentro daquilo que se considera dignidade humana não passa de falácias falar de democracia.
Oferecer ocasionalmente juntas de bovinos, tractores, máquinas de costura, não muda a estrutura económica de uma sociedade. Só pode servir objectivos e agendas eleitorais.
Os benefícios de um sistema político não podem se restringir só para os chefes.
A democracia efectiva está intimamente associada a capacidade de fazer justiça, uma justiça em todos os campos da vida das pessoas. Todo resto, creio, é demagogia.