NATAL A cidade acordou em festa. Natal! Natal! A Baixa encheu-se de gente. Nas lojas os brinquedos atraíam os pais com as crianças pela mão. Maguébe o negrinho, sobraçando seu monte de aspargos, parou em frente de uma montra. Os olhos abriram-se gulosamente perante as maravilhas tão perto e tão longe dele, que aquilo tudo era um sonho boiando nas pupilas redondas e cheias de todas as fomes de África. Triciclos, motos, camiões, aviões e tantas coisas mais, feitiçaria misteriosa para Maguébe, estavam ali atrás do muro de vidro. Maguébe seguiu depois, rua fora, com seu grande ramo verde debaixo do braço e no pensamento: «a shitututo, a mimova, a shitimela... oh... inkuasu psa Quissimuce ya valungu!» Um búzio grande soprava na alma de Maguébe as ânsias de um menino sem um balão sequer na mão escura, um reles balão encarnado para ele assoprar, o balão inchado como um sapo enorme. Os machimbombos passavam pejados de gente com pressa. Nas lojas há um entra-e-sai initnerrupto como formigueiro. Maguébe cruza a rua, um carro buzina e passa, rápido, um olhar zangado do motorista da cabeça aos pés. No bazar as pessoas iam e vinham, de banca em banca, numa lufa-lufa de batatas, legumes e frutas do Transval e também outras coisas que Maguébe nunca tinha comido e cujos nomes não sabia. Maguébe passou no bazar, vendo, ouvindo e cheirando. Mas o maior milagre de Culucumba era a falta de espaço para a cobiça na alma do pequeno vendedor de ramos de aspargos. Ele não sofria e nunca provara aquelas coisas bonitas que brilhavam do outro lado do vidro das montras. A filosofia de Maguébe nascia e vivia de não saber. Talvez fossem coisas boas, mais gostosas que o sumo de caju; a tincarosse; a mapsincha madura, mais coisas que não tinha perdido porque nunca as tivera. Talvez mesmo fossem melhores que mavunga!... Maguébe, agora que estava morando na cidade, sentia vontade de provar as coisas dos mulungo. Quando ele descia as ruas gritando: - Aspargo minha sinhôr!!!, havia senhoras que tinham pena dele e davam comida, às vezes bolos que ficavam do dia de anos do menino. Maguébe ficava contente e comia até lamber os dedos. Maguébe ficava sentado debaixo de uma sombra de cajueiro, descobrindo o gosto dos bolos até ao lamber dos dedos. Hoje, véspera de Natal, Maguébe sai caminhando rua acima, buscando as moradias, a boca gritando: - Aspargo minha sinhôr... - e os grandes olhos amarrados ainda às paredes de vidro das casas grandes de chilunguine. - Aspargo minha sinhôr!!! Mas a voz hoje perde-se no burburinho da cidade e no barulho dos motores dos automóveis que são os donos das estradas negras de alcatrão: - Dá bocadinho de pão minha sinhôr... Espreita nos portões, grita através das grades mas o apelo morre na lufa-lufa dos preparativos do Natal. Maguébe olha, ajeita o ramo de aspargos no braço nu e lá vai estrada em estrada com o Natal nos olhos, nos ouvidos e no nariz achatado e a luzir em vão no ar embuzinado e festivo: - As... par... go... minha sinhôr... Já longe o pregão de Maguábe ainda corta a atmosfera festiva da cidade, paira no ar como um balão suspenso: - As... par... go... minha sinhôr... E nas veias do menino que veio do fundo da Munhuana com seu ramo de aspargos, um batuque estranho bate e repercute pelo corpo todo como se mil demónios dançassem chibugo dentro da sua barriga: Qui... ssi... mu... ce! Qui... ssi... mu... ce! José Craveirinha