18 de setembro de 2012

Desprezo e cinismo (Francisco Moita Flores)



Escrevo no momento em que as cidades de Lisboa e do Porto ainda se encontram coalhadas pela imensa multidão que saiu em protesto contra a política ‘troikista’, que optou para aderir aos apelos das redes sociais e, simultaneamente, procurou distanciar-se, com algum desprezo, dos partidos que se opõem ao governo.

À mesma hora, quase dez dias depois da declaração do primeiro-ministro, ainda não se sabia a posição do CDS sobre as medidas anunciadas. Ainda não sabemos se está com o governo ou se está na oposição. Uma coisa é incontornável: Paulo Portas foi poupado aos apupos dos manifestantes, que elegeram Passos e Gaspar como bombos da festa. É caso para dizer com ironia que o CDS esteve mesmo ausente da manifestação. Em corpo e em espírito. Por outro lado, sabe-se vaga-mente que faz parte do governo. Sobretudo quando as coisas dão para o torto e o PS surge a liderar sondagens, lá está o PP em equilíbrio instável, medindo no xadrez da política com quem isto de coligações dará mais jeito. Em nome da Pátria, claro. Porém, desconfio que seja em nome do proveito próprio.

Se é certo que se torna desconcertante que manifestações com esta grandeza fujam da tutela dos partidos que se opõem ao governo, como se os sentissem como algo de impuro e sórdido que macula a indignação, não é menos verdade que as posições de silêncio ambíguo e de hesitação do CDS face às decisões do governo, do qual faz parte, revelam até á saciedade o estado a que isto chegou. O povo nas ruas recusa as políticas da troika, o CDS no governo não sabe se quer lá estar.

Ou melhor, sabe que quer estar num governo. Seja ele qual for, porque é a sua única natureza e finalidade, mas não quer assumir, ou faz os possíveis para não assumir, o que de mais duro essegoverno tem de impor aos portugueses. Isto parece coisa de comediante, mas é assim que estamos. Ninguém ensina um povo a estar contra. O que a rua está a dizer é que quer saber qual o caminho de futuro e aí é que espera e exige que os partidos indignados sejam capazes de apontar novos rumos. Até agora, nada. Portanto, não fazem falta a quem suplica justiça. Muito menos faz falta o CDS, que está e não está. Uma espécie de omnipresença do vazio calculando a dimensão populista da melhor decisão para o seu futurozinho. Em nome de Portugal, claro.

Francisco Moita Flores
Correio da Manhã,16 Setembro 2012