27 de julho de 2014

A importância da Guiné Equatorial (Artur Queiroz)


A entrada da Guiné Equatorial na CPLP provocou em Portugal um terramoto de disparates, desvarios de alta intensidade, atitudes de grande cinismo e, como habitualmente, quantidades exageradas de ignorância.

Como se esta mistura explosiva não bastasse, os desvairados opositores à adesão ainda acrescentaram o habitual racismo encapotado e comportaram-se como soldados  invencíveis da democracia.
Pelo meio, os mais ressabiados ainda aproveitaram para atacar Angola, por ter sido o país patrocinador da adesão da Guiné Equatorial à CPLP. Li coisas espantosas e que ainda me custa acreditar que foram escritas. Ouvi barbaridades delirantes que me põem a duvidar da minha audição. Vi torcionários da democracia em Portugal a clamarem indignadamente contra a falta dela no novo país da comunidade dos países que falam português. Confesso que já esperava tanto dislate, porque sei quanto podem e valem em Portugal  figuras que no passado silenciaram as fogueiras da Jamba a troco de diamantes de sangue, marfim e drogas.

Mas também sou forçado a admitir que João Soares, Ana Gomes, António José Seguro ou aquela chusma de comentadores que nas rádios, televisões e jornais ganham chorudas maquias para dizer o que vem à cabeça dos donos, ultrapassaram todas as marcas e todos os limites.
A gritaria teve dois sentidos. A Guiné Equatorial tem a pena de morte e naquele país não se fala a língua portuguesa. Mas o Presidente Obiang assinou um decreto que suspende a pena de morte até ser aprovada a lei que vai abolir essa prática.
Nesse aspecto a Guiné Equatorial já foi mais longe do que os EUA e a Inglaterra. Ainda agora um condenado à morte num Estado norte-americano ficou quase duas horas a estrebuchar porque a injecção letal não fez o “serviço" em dez minutos. Estou à espera do alarido em Lisboa para exigir de Washington que acabe com a barbárie. Se o Presidente Barack Obama não obedecer, os comentadores políticos em Portugal e o núcleo duro que apoia António José Seguro vão expulsar os EUA da OTAN. E mandam encerrar a embaixada em Lisboa.
Vamos à língua portuguesa. Li um artigo interessante de um grande intelectual português de esquerda onde ele escreve que a adesão  da Guiné Equatorial à CPLP  é o requiem da organização. Mas que exagero! Nesse texto ele escreve Malaysia Ais Lines em vez de escrever Linhas Aéreas da Malásia. Uma distracção imperdoável para quem aparentemente defende com unhas e dentes o português.
Em Portugal os idosos são espoliados das suas reformas e morrem à míngua de alimentos e medicamentos. As crianças morrem à fome. Mais de um milhão de portuguesas e portugueses em idade activa estão no desemprego. A grande maioria nem sequer tem protecção social. Mas que ninguém se atreva a rezar  a missa pela morte daquele país, que é parte importante da CPLP. Os outros Estados membros  nunca consentirão esse insulto. Todos juntos havemos de fazer regressar à Pátria de Camões, Padre António Vieira, Cavaleiro de Oliveira, Aquilino, Pessoa, Agustina, Sophia ou Ramos Rosa, o espírito do 25 de Abril que fundou o Estado Social e a democracia portuguesa, depois de séculos de colonialismo e décadas de ditadura.
 
A CPLP nasceu também para promover a língua portuguesa. Quantos mais países aderirem à comunidade, mais forte ela fica. Eu defendo que é mais importante a adesão de Estados que nem sequer falam a Língua Portuguesa. Porque esses vão assumir o compromisso de promover e difundir o português. Não é o caso da Guiné Equatorial. Parte substancial do seu território já pertenceu à Coroa Portuguesa. E na ilha de Ano Bom, vizinha de São Tomé, a população fala crioulo que tem por base o português arcaico. Quanto mais não seja para valorizar e preservar essa jóia, foi importante a adesão daquele país à CPLP.
Estou curioso para saber o que vão dizer e escrever os enraivecidos portugueses de hoje, quando o Japão, a União Indiana, a República Popular da China, Marrocos ou a Geórgia aderirem à CPLP. Espero que nessa altura já lhes tenha passado a fúria racista e a apetência perigosa para o apartheid. Por muito que me custe e lhes custe a eles, o que se passa em Lisboa é mesmo uma onda descontrolada de racismo, perfumada com as flatulências do apartheid.
Os portugueses não têm culpa nenhuma que os seus intelectuais façam figura de ignorantes e políticos do “arco do governo" ainda pensem que “Angola é nossa" e em África ainda há colónias a saque.
Fonte: Jornal de Angola, 26 de Julho de 2014