28 de fevereiro de 2015

Moçambique: Conjunto Musical Os Inflexos



Hoje falamos de um grupo que já se havia afirmado na cena musical moçambicana desde 1966 e continuaria a estar em evidência até 1971.

O seu grande obreiro foi Carlos Alberto Melo, nascido a 2 de Junho de 1939 em Lisboa, com quem conversámos recentemente e que nos deu vários detalhes, fotos, músicas e videos de Os INFLEXOS, que hoje publicamos neste "Destaque da Semana".

Carlos foi para Moçambique ainda criança e aí foi crescendo sempre com o bichinho da música e de vir a tornar-se cantor.

A sua primeira aparição em público acontece em 1958 no Clube Naval de Lourenço Marques, numa festa de estudantes.

Carlos sonhava um dia formar o seu grupo musical, para o qual até ja tinha escolhido um nome.

Sonhos adiados, porque acabados os estudos no Liceu foi para Lisboa estudar Direito.

A greve e crise estudantil de 62 leva-o a perder o ano e é convocado para prestar serviço  militar.

Em 1961 havia rebentado a guerra em Angola e o Governo envia um grande número de militares para a colónia. Foi uma razia nas Faculdades, de tal forma que os Reitores se insurgiram e conseguiram que em 63 saísse legislação para proteger os estudantes, com uma fórmula que adiava a incorporação permitindo a finalização dos cursos até uma determinada idade.

Carlos é incorporado no exército e parte para Angola em Julho de 1963.

Sai em final de 1965, entretanto já casado com uma rapariga de Angola.

A família crescera e decide ir directamente para Moçambique, esquecendo o curso de vez.

No início de 1966 consegue emprego como bancário no Barclays Bank e quase de seguida como locutor extra no R.C.M., no programa C, que transmitia música clássica em FM estéreo, (inovação tecnológica em todo o Portugal), onde é colega de Manuela Arraiano (a famosa e já falecida locutora do texto de Despedida da Estação, que nós consideramos como uma das mensagens mais  solidárias que alguma vez uma Estação de Radio emitiu).

A prestação no R.C.M. foi em part-time, teve curta duração e teve de a abandonar porque um director do Banco, alertado por um outro funcionário, lhe comunica não poder ter as duas actividades, na banca e na rádio.

Mais uma vez o sonho parece afastar-se, mas Carlos não esmorece e ainda em princípios de 1966 forma o conjunto, para o qual já escolhera o nome "Os INFLEXOS".
Com a ajuda de Francisco Pereira colega e amigo do seu irmão fazem-se experiências e... e aqui a Onda Pop com o seu espírito de musicologia foi desenterrar a origem desse encontro entre o Carlos Nelson e o conjunto do Chico Pereira, que passamos a relatar:

O Dr. Manuel Pires Moreira era padre e professor de filosofia nos liceus Salazar e António Enes, mas foi um dos primeiros casos mediáticos de um padre que foi pai e assumiu um filho. Por esse facto, foi obrigado a deixar a sua profissão eclesiástica e foi "convidado" a deixar de leccionar nos estabelecimentos de ensino público, pelo que se viu obrigado a criar um colégio para continuar a sua carreira de professor. Esse estabelecimento de ensino chamou-se Colégio Infante Sagres e ficava na Polana, quase no final da Avenida 24 de Julho em Lourenço Marques. Eram alunos e explicandos desse colégio o Chico Pereira, o Zé Belchior e o Zé Couto, que nos intervalos das aulas falavam de miúdas e de música e a eles se juntava o Vitor Moreira (o tal filho do Dr. Pires Moreira), a quem tinha sido oferecida uma viola eléctrica. Nasceu a ideia de se fazer um conjunto com o Chico (v. baixo), o Belchior (v. solo), o Vitor (v. ritmo) e o Couto (bateria) e passaram a ensaiar num edifício em frente, que era a sede provisória da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra. Fizeram uns três ou quatro ensaios e chegaram à conclusão de que precisavam de um vocalista e aqui o Chico Pereira convida o Carlos Nelson (através do irmão deste) a ouvir um ensaio do conjunto que se estava a formar. O Carlos Nelson, com a sua experiência musical, diz que para cantar com esse conjunto teriam que abandonar o grupo o Vítor e o Zé Couto, por não terem a qualidade musical mínima exigida.

Após essa limpeza, "Os INFLEXOS" começam então por ser Chico Pereira (v. baixo), José Belchior (v. ritmo), Carlos Saavedra (bateria), e depois na viola-solo Carlos Ávila, aos quais se junta mais tarde Jorge Montenegro (órgão). Carlos Ávila só colaborou uns meses regressando mais tarde aos Açores, onde hoje é professor de guitarra, tendo depois entrado Alexandre (ex- Corsários).

O vocalista era Carlos Nelson, nome artístico para despistar a ligação profissional. Como curiosidade, Nelson era o nome do irmão e ao seu primeiro filho viria a dar-lhe o mesmo nome.

A qualidade do grupo era tão boa que ainda nesse ano de 66 receberam o Prémio Revelação instituído pela Imprensa Moçambicana. A festa realizou-se no Teatro Gil Vicente, tendo estado presente Simone de Oliveira, que vencera o Prémio de Cançonetistas, assim como o fabuloso futebolista Vicente (do C.F. "Os Belenenses") que merecera o Prémio Desportista do Ano. Os prémios foram entregues pelo célebre locutor da R.T.P.  Henrique Mendes.

A partir daqui estão lançadas as sementes do sucesso de Os INFLEXOS, que logo a seguir assinam um contrato com o Restaurante Oceânia, onde se realizavam-se muitas festas e alguns jantares das turmas dos 6º e 7º anos (hoje 11º e 12º anos) e onde também tocou um outro conjunto bem interessante, o Man Matos Trio com a sua  vocalista  Maria  José  Canhoto, hoje a muito vossa conhecida Alexandra.

Nesses tempos a mobilização militar ia aniquilando os conjuntos e assim em 1968 Os INFLEXOS sofrem a primeira remodelação, com a incoporação militar do Saavedra e do Belchior.

É exactamente nesta altura que sai esta entrevista na Onda Pop nº 8 (26/10/68).

Entra para a bateria Carlos Alberto Silva, que acabara de sair da tropa e já fora baterista dos famosos Night Stars e dos Corsários e Hélder Matias (ex-Corsários) para viola solo.
Assim em Agosto de 1968 temos Carlos Nelson (voz), Carlos Alberto (bateria), Francisco Pereira (baixo), Hélder Matias (solo) e Jorge Montenegro (órgão). É esta formação que vai inovar na cidade e na "boite" do Hotel Girassol com luzes Psicadélicas, com o pedal "wah-wah" e novas câmaras de vozes.

É esta a formação que vai gravar 5 músicas à África do Sul para um E.P. e um single.

Do E.P. fazem parte OB-LA-DI OB-LA-DA, cuja versão em Português pertence a Maria José Arriaga (mãe do nosso pop Luís Filipe) e que oportunamente se lembrou da canção popular portuguesa.

"Ó Caidi, Ó Caidá" para fazer esta versão, FURTIVO OLHAR (letra de Carlos Nelson, música de Jorge Montenegro), UMA VELHA FOI À FEIRA de Luís Miguel de Oliveira e ainda LET ME LIVE MY LIFE de Carlos Nelson e Luís Miguel de Oliveira.

Luís Miguel de Oliveira que, entre outras criações, foi o compositor do êxito dos Sheiks "Lonely Lost and Sad", encontrava-se em Moçambique em Serviço  Militar em 1968 e vendo a qualidade dos Inflexos a tocar no Hotel Girassol abordou-os e propôs-lhes essas duas músicas.

Do single que era para sair mais tarde estava a bonita canção "YOU'RE MUCH TOO PROUD", com letra de Carlos Nelson e música de Jorge Montenegro, mas que não chega a ser lançado e só foi editada a versão de promoção para as Rádios e cujo acetato promocional Carlos Nelson nos mostra na foto ao lado.

Infelizmente este single acaba por não ser editado, porque em Maio de 1969 houve um desentendimento entre alguns dos membros dos INFLEXOS e o conjunto separa-se.

Entretanto a editora com a separação do grupo decide não o editar.

Mas o disco promocional, já rodava pelas rádios. É por isso que esta música atingirá o 1º lugar na Parada da Onda Pop no nº 38 (31/05/69), pelo que vamos relembrá-la, bem como uma foto dos dois compositores que se voltaram a reencontrar em 2011, no Algarve.

Para nós esta canção, se fosse noutro País e com uma boa promoção, teria tido êxito assegurado.

O mesmo dizíamos em 66 quando saíu "Missing You" e "Tell Me Bird" dos Sheiks ou mais tarde "Flower To Be Free" do Paulo de Carvalho.

Carlos Nelson retira-se, mas o grupo volta a actuar dias depois com Carlos Duarte (ex-Beatnicks e ex-Corsários), como vocalista. Pouco tempo depois sai também Jorge Montenegro e entra João Maurílio.

Mas o grupo, que continua a tocar no Hotel Girassol, mantém o nome de INFLEXOS e aí, Carlos Nelson exige que o nome seja alterado, o que todos acabam por concordar por entenderem que era um direito que lhe assistia.

Entretanto Carlos Nelson, que sempre tivera ouvido para bons músicos, desloca-se uns metros mais à frente, onde actuava um grupo de malta nova, no Clube dos Lisboetas. Depois de os ouvir a ensaiar conclui que têm qualidade para o acompanhar. Forma-se assim Carlos Nelson e Os Inflexos, que passará novamente a chamar-se só Os INFLEXOS quando os seus ex-companheiros que tocavam no Hotel Girassol mudam o nome para IMPACTO.

Esta será a última formação de Os INFLEXOS: Carlos Bettencourt (v. ritmo), Tito Frazão (v. baixo), Sérgio Preto (v. solo), Hernâni Maio (órgão), Domingos Aquino (bateria) e Carlos Nelson (voz).

Os INFLEXOS vão continuar a ter grande êxito até terminarem em Janeiro de 71, sempre pelas mesmas razões, ou seja a incorporação militar.

No entanto em 1970 ainda vão a Nampula acompanhados das Irmãs Muge, dos Rebeldes e do Luís Arriaga (o nosso pop, que agora se encontra em "off" por terras dos cangurus).
Essa ligação entre o Luís Arriaga e Os Inflexos já tinha anteriormente dado frutos, mas nunca foi nada editado, no entanto apresentamos pela primeira vez oficialmente uma gravação cedida pelo Carlos Nelson de Os INFLEXOS cantando "A Tua Imagem", uma linda composição de Luís Arriaga com letra de outro popista - o José Manuel Santos.

Carlos Nelson vai estar parado até 73, altura em que é convidado por Tito Frazão (v. baixo) para cantar com um pequeno grupo formado com Dino (Ex-Night Stars) na bateria e Boni (ex-Conjunto de Renato Silva) no órgão. Actuaram então no Restaurante Sheik, na Polana em Lourenço Marques.

Mantém-se vários meses cantando e sai pouco depois da entrada de um saxofonista.

O grupo toca mais dois meses e termina.

Carlos Nelson deixou então de cantar.

Em Dezembro de 1974 vai para a África do Sul onde continua como bancário, mas a convite de Carlos Sommer acaba como colaborador da SABC (a emissora de rádio sul-africana), fazendo locução, primeiro em part-time e depois em full-time, deixando a actividade bancária.

Termina em 28 de Feveriro de 1978, vindo de seguida para Portugal e mais tarde para a Suíça, onde permaneceu 17 anos até regressar a este país nos finais de 2001.

Hoje bàsicamente falámos do mentor de Os INFLEXOS e em próximos números continuaremos a falar deste importante conjunto e de outros dos seus membros.

Agora propomos que assistam a um video montado por Carlos Nelson, com a música de fundo "The More I See You" tocada pelos INFLEXOS, em que aparece uma resenha das várias formações deste conjunto inesquecível, que nos fez dançar centenas de vezes.
Fonte: Internet