“O velho anda muito. Estava aqui mas desapareceu. Talvez (seja melhor) ir ver na sede dos antigos combatentes”.
Foi assim que uma das netas (do velho) nos respondeu quando chegámos à casa de Luís Miguel Magunga, um nome que trazíamos na manga para a reportagem que pretendíamos com heróis vivos, cuja participação no processo de libertação do país não se põe em causa e que nunca havia dado a voz em público.
Fomos ao centro dos combatentes e não o encontrámos. Afinal estava no centro de mutilados de guerra, na companhia dos seus camaradas, alguns dos quais sem os seus membros em consequência dos horrores da guerra de libertação.
O Governo fez-lhes casas em número de 50 e Luís Magunga estava ali, curiosamente a receber subsídios dos outros combatentes para a entrevista anunciada. Pensava-se até que se tratasse de uma visita (a nossa) de um membro do Governo que quisesse auscultar os problemas dos combatentes.
Era um grupo de 12 colegas seus, donde retirámos Magunga e pedimos as desculpas necessárias pelo eventual mal-entendido.
Com 69 anos de idade, ainda pedala. Não quis responder nada antes que nos apresentasse o seu Bilhete de Identidade, que indica que ele nasceu a 6 de Junho de 1946 em Muidumbe, filho de Miguel Magunga e de Júlia Namiji.
Já em 1964 vivia em Nangade, tendo ido treinar em Mtwara, depois do que entrou de novo em Moçambique, num grupo cujo objectivo era o de iniciar a guerra de libertação nacional, em princípio em Montepuez, chefiado por António Kuandinguere.
Todavia os guerrilheiros atravessaram muitas dificuldades de penetração no chamado terceiro sector, que se estendia do rio Messalo até ao rio Montepuez, e no quarto, que partia deste para o Lúrio, alegadamente porque as comunidades locais eram adversas à entrada dos guerrilheiros da FRELIMO na região.
“Desistimos e voltámos para o segundo sector, que ficava entre a estrada Mueda/Mocímboa da Praia e o rio Messalo, mais precisamente para Muidumbe. Emboscámos, pela primeira vez, a estrada no troço Miteda/Missão de Nangololo e um machimbombo entrou na roscada. Parou e um nosso guerrilheiro trajado a civil entrou, matou o motorista, que era um português mas afinal alguns dos passageiros eram soldados, também disfarçados, e mataram o nosso guerrilheiro”, explica Magunga.
Tornou-se na primeira batalha do grupo de Magunga, pois a seguir o grosso que se encontrava emboscado se fez à estrada e vazou os pneus do autocarro e os passageiros seguiram o seu caminho.
Já na base, quatro dias depois, segundo conta Luís Magunga, aparece Raimundo Pachinuapa e aconselha a transferência do nosso interlocutor, alegadamente porque no acampamento viria um seu irmão e não era conveniente que os dois ficassem no mesmo aquartelamento. Foi quando saiu para Mbuo, numa base comandada por Nkangadanga, onde também se encontrava Paulo Samuel Kankhomba e Alberto Chipande.
O plano era atacar N´tamba dos Makondes, onde se encontrava uma posição da tropa colonial. Do ataque morreu um guerrilheiro, mas os nacionalistas capturam uma arma 7.9, depois do que tiveram um descanso duma semana na base.
Na semana seguinte, conta a nossa fonte, abraçam uma nova missão, que era mais um pequeno treino em Nangololo, Muidumbe, depois do que se formou um grupo relativamente grande que se dirigiu à Base Beira, então comandada por Cassiano Alato, que escolhe Magunga para se especializar em minas, seguindo depois para uma base na altura chefiada por Ernesto Ndupa.
“Aqui encontrámos de novo os chefes Chipande e Kankhomba, que nos deram os primeiros passos de sabotagem. Depois de um mês de treinos regressámos à Base Beira e lá recebi 12 pessoas para instruir e vim com o grupo até Chicuaia, perto de Litingina, a partir donde nos desdobrámos em minar as estradas para N´gapa, Mocímboa da Praia e no troço Nangade/N’tamba, apanhamos duas armas G3”.
Magunga explica que deste modo todos os acessos encontravam-se fechados e nascem as zonas libertadas. A tropa colonial sabia muito bem que todas as operações eram comandadas a partir da Base Beira, de tal modo que Kaúlza de Arriaga tentou em vão aniquilar, passando a ameaçar apenas com aviões. Mas fracassou!
Conta sobre a emboscada montada à tropa colonial depois de lograr passar para Nangade. Foi na zona de Litingina, onde de regresso, pela mesma via, foi colhida de surpresa quando rebenta uma mina dirigida, que matou muitos portugueses, colocada pouco tempo depois de por ali mesmo ter passado.
São momentos, segundo Magunga, que antecederam a rendição da tropa colonial em Nametil, ao que se seguiu o anúncio do fim da guerra, depois do que foi colocado na cidade de Pemba, como era chefe de carpintaria e ligado à engenharia militar, até 1984. Abriu uma serração em Nangade, onde decidiu ficar o resto da sua vida.
“Eu gostaria de viver muito bem como antigo combatente, tenho 14 filhos e, como pode imaginar, muitos netos. Os meus filhos estudaram um pouco, há enfermeiros, professores, mas não deu para irem muito mais longe porque na escola os professores querem dinheiro”, reprova.
Luís Magunga ganha uma pensão de 15.000,00Mt, em razão de ter sido desmobilizado com a patente de comandante de batalhão e terá sido o mais queixoso dos nossos entrevistados.
“Não há dignidade, esta casa é resultado de muito sacrifício, foi assim, pouco a pouco”, diz mostrando-nos a sua residência, com uma antena parabólica com que sintoniza as televisões tanzanianas e algumas nacionais.
Não quer ouvir falar da divisão do país, porque “senão vamo-nos juntar à Polícia e aos militares para defender o Moçambique que o Dr. Mondlane sonhou”, e acrescenta:
“Está a ver o que é isso? Eu receber um jornalista em minha casa, sem me desprezar e eu sem perguntar donde é, simplesmente porque disse que é moçambicano. Só! Só quem não sabe o que faz pode pensar que independência e unidade nacional é tudo para cada moçambicano…”.
Valentim Navetha Ngalonga Uma vida dedicada à pátria
Vive na sua terra natal, Mueda, onde tem casa no bairro Maputo. A maneira mais convincente que encontrou para nos explicar o quanto custou a independência nacional e como alguns moçambicanos se engajaram foi dizer que, com a sua idade, 69 anos, só conseguiu ter filhos depois de terminada a guerra dos 16 anos, movida pela Renamo. Antes não tinha tempo.
“É uma vida dedicada à luta pela conquista da independência e à sua defesa. Só fiz filhos enquanto velho, a partir de 1992, depois do Acordo Geral de Paz assinado em Roma, porque o resto do tempo foi dedicado à conservação desse bem comum que vai fazer 40 anos. Felizmente Deus me ajudou, nesse período de 23 anos consegui sete filhos”, diz Ngalonga.
Chama-nos à atenção para não escrever mentiras, por isso vai para dentro da sua casa e de lá traz o seu documento de identificação, que informa que ele foi incorporado em 5 de Outubro de 1963 em Mueda, tendo nascido a 15 de Agosto de 1946.
Integrou a equipa do grupo que treinou na Argélia, pronto para o desencadeamento da guerra, depois de uma aturada preparação clandestina. Os incorporados foram para treinos em Muambula durante três meses em Árabe. Fizeram-se os destacamentos, que foram distribuídos clandestinamente.
Coube a Navetha a Base Beira, na altura chamada Nigéria, desta feita com treinos na língua portuguesa, numa altura em que “emprestávamo-nos as armas para as batalhas, porque eram poucas”.
Em 1965 faz o curso de sabotagem, na companhia de Luís Magunga, no Destacamento Nampula, comandado pelo já falecido coronel Ndupa. A seguir colocaram-no no Destacamento Quelimane, já com o grupo que formou em Nancatari, Mueda.
Na altura, conforme Navetha, para confirmar uma acção de sabotagem era obrigatório que o grupo trouxesse algum objecto resultante do ataque. De novo Navetha passa pelo Destacamento Nampula.
“A seguir abraço a infantaria, chefiada por Gabriel Nantimbo, depois passei para a artilharia, nomeadamente a defesa anti-aérea, com o comandante Martins Muankongue, isso em 1966, quando já havia zonas libertadas no primeiro e segundo sectores”.
Em 1972 foi a Nachinguewa para uma capacitação de seis meses. Pouco tempo depois no interior do país, volta de novo a Nachingweya, donde apenas volta depois da independência como soldado regular afecto na província de Manica.
Veio a guerra dos 16 anos e é colocado em Cabo Delgado, onde permanece durante oito anos. A seguir Nampula, depois, de novo, Cabo Delgado, tendo trabalhado em Mueda e Meluco. Teve uma abertura depois de uma reciclagem em Dondo, na província de Sofala.
Volta a Cabo Delgado, a seguir Maputo, depois a União Soviética para treinar para comandante. Já era capitão. De regresso fica em Maputo algum tempo e a seguir volta a Cabo Delgado, nomeadamente no distrito meridional de Balama, onde lhe chega a boa nova do fim da segunda guerra.
“Meu filho, são 26 anos de guerra aqui no organismo. Essa independência custou muito sangue e a sua defesa ainda mais. Ninguém deve pô-la em causa, porque ela significa escolas, pontes, unidade entre moçambicanos, hospitais, etc. Antigamente eu não falaria contigo, porque és jornalista e não havia um major preto, por isso somos na verdade heróis vivos, mas queremos mais. Os nossos filhos devem estudar até onde puderem…”
JN, 02 de Julho de 2015