14 de agosto de 2023

Carta de Samora Machel dirigida ao 1º Ministro do Governo Provisório (18-4-1975)



CARTA DE SAMORA MACHEL DIRIGIDA AO 1º MINISTRO DO GOVERNO PROVISÓRIO (18-4-1975)

Dar es-Salam, 18 de abril de 1975

Sua Excelência

Primeiro-ministro do Governo Provisório da República Portuguesa

LISBOA

Senhor Primeiro-Ministro:

A dois meses da proclamação da Independência total e completa de Moçambique, encontramos-nos na necessidade de chamar a atenção do Governo da República Portuguesa para certas questões cruciais, sem a solução das quais não será possível estabelecer-se a plataforma sobre a qual relações de a cooperação entre os nossos países deve assentar, na base da igualdade absoluta, não ingerência nos assuntos internos e benefício mútuo.

1.1 Em Lusaca, logo no início das conversas preliminares que tiveram lugar de 5 a 7 de Junho, (A) dissemos que nos felicitávamos de encontrar no poder em Portugal representantes das forças que nas horas difíceis tinham afirmado a sua solidariedade para connosco. Declaramos ainda que nos encontramos abertos em relação ao novo regime, esperando que ele rejeitasse totalmente a triste herança colonial e que confiávamos que relações exemplares se estabeleceriam entre os nossos países, exprimindo a aliança natural entre os nossos povos.

Podemos afirmar, com a franqueza que sempre usamos, que a atitude do Governo Português não corresponde às nossas previsões.

1.2 No decurso das conversas preliminares de Lusaca, de 5 a 7 de junho de 1974, uma vítima da Frelimo submeteu uma declaração ao Governo Português onde, inequivocamente indicava a posição da Frelimo

Embora as nossas forças seguindo a infligir derrotas enormes ao exército colonial português, que determinaram já uma rendição parcial e curto prazo, determinariam uma rendição total do exército colonial, tendo em conta as mudanças democráticas que se operavam em Portugal, chegaram ao pedido do Governo Português para discutir connosco. Claramente, na declaração acima referida, dissemos que iríamos discutir não o princípio da independência, que era um direito nosso, inalienável, não negociável, mas apenas o mecanismo de transferência de poderes para a Frelimo único e legítimo representante do povo moçambicano.


Na mais pura tradição clássica colonial, porém, o Governo Português aceitou-se a reconhecer o nosso direito à independência, rejeitou a representatividade da Frelimo e opôs-se à transferência dos poderes que ainda detinha em Moçambique.

1.3 A portuguesa, representando o colonialismo português e os agressores criminosos do nosso povo, defendeu a posição segundo a qual para reconhecer o direito à independência, apesar da oposição geral ao colonialismo que se exprimia, nomeadamente pela Guerra Popular de Libertação que o povo moçambicano travava há 10 anos, sob a direção da Frelimo, este deveria, para se cumprir o «processo democrático», pronunciar-se em referendo sobre a sua vontade à independência.

É de salientar que, em certo momento, o chefe da tolerância portuguesa invocou mesmo o argumento colonial-fascista de que a independência era apenas uma das opções no exercício do direito à autodeterminação.

1.4 A portuguesa tolerada deixou-se a reconhecer a representatividade da Frelimo, alegando que a Frelimo era apenas um «interlocutor válido» por ter forças no terreno, mas que não podia representar todo o povo porque «não estava a lutar com armas em todo o país».

1.5 A portuguesa, representando o Governo que prosseguiu uma guerra de agressão colonial contra o nosso povo, exigia que compreendêssemos a situação interna portuguesa e que subordinaríamos a resolução do problema colonial à consolidação prévia da democracia em Portugal e à restauração da economia portuguesa.

1.6 No encontro preliminar de Lusaca a acolhedora portuguesa propunha-se simplesmente, obter um cessar-fogo, independentemente da resolução do antagonismo fundamental que provocou a guerra. O agressor desejava manter a ocupação e ao mesmo tempo levar o agredido a cessar o combate.

1.7 Usando uma dupla táctica, a tolerada portuguesa publicamente, afirmava condenar e rejeitar a hedionda herança colonial, quando no segredo da mesa das conversas se esforçava por encontrar novas fórmulas destinadas a perpetuar o colonialismo. Pública e solenemente a tolerada portuguesa reconheceu a natureza criminosa do colonialismo, aceitou a responsabilidade pelos crimes e massacres colonialistas e até homenageou a memória inesquecível do camarada Eduardo Mondlane. Na mesa das conversas, porém, a senhora portuguesa vinha propor-nos precisamente, os mesmos esquemas que Marcelo Caetano já havia proposto.

1.8 A obstinação portuguesa forçou o conflito a prolongar-se, provocou novas derrotas ao exército colonial, acelerou o processo de colapso do exército agressor.

As derrotas sofridas pelo colonialismo destruíram como manobras políticas por ele fomentadas, designadamente a criação desenfreada de grupos fantoches e campanha de difamação da Frelimo nos planos nacional e internacional.

1.9 Neste contexto de derrota de manobras e de colapso do exército agressor, desenrolaram-se as Conversas secretas de Dar es-Salam. (B)

A portuguesa tendo mostrado um espírito anticolonialista e democrático, foi possível em comum encontrar o controle que dirigiam às operações de paz.

A partida assumida pela herança da Frelimo, pode assim salvaguardar os verdadeiros interesses do Povo moçambicano, do povo português, da África e da Humanidade.

2.1 Em 7 de Setembro, em Lusaca, assinava-se solenemente o acordo de transferência de poderes e em consequência pode assinar-se o acordo de cessar-fogo. (C)

2.2 No entanto, e apesar das exigências previamente feitas pela Frelimo, no momento em que se assinavam os acordos, elementos ultracolonialistas, juntamente com representantes dos grupos fantoches atendidos pelas autoridades portuguesas com a cumplicidade, apoio e encorajamento dos mais altos dirigentes da República Portuguesa, ocuparam as instalações do Rádio Clube de Moçambique, numa tentativa de travar o processo da independência. (D)


2.3 A passividade do Governo Português, apesar das nossas orgânicas, a sua reação racista de recusar abrir fogo contra um controlado por elementos criminosos porque estes eram brancos, provocaram uma situação explosiva que se saldou em comunidades de vidas perdidas, perdas sofridas em um milhão de contos, um clima de intranquilidade e insegurança.

Apenas uma grande disciplina das massas populares enquadradas pela Frelimo impediu um afrontamento inter-racial em grande escala que serviria de pretexto a novas agressões contra Moçambique.

2.4 Em 21 de Outubro as forças portuguesas de novo tomaram uma grave provocação contra o nosso povo violando, mais uma vez, os acordos solenemente firmados por Portugal. (E)

Uma vez mais a linha política da Frelimo assumiu pelas massas frustou a provocação e evitou o conflito inter-racial deliberadamente provocado por elementos do Exército português.

3.1 Com a assinatura dos Acordos de Lusaca o essencial das questões políticas entre os nossos países fora resolvidos.

Restavam questões de pormenor e questões económicas a solucionar.

3.2 Supunha a Frelimo que a resolução destes problemas não suscitaria problemas de maior, uma vez que Portugal solenemente afirmava desejar estabelecer relações exemplares, relações isentas do triste passado colonial.

3.3 Nesta base, e no quadro da aplicação do Acordo de Lusaca, iniciaram-se entre a Frelimo e o Governo português, conversas destinadas a estabelecer, de uma maneira sã e no interesse dos nossos povos, relações harmoniosas e mutuamente recompensadas em vários campos.

3.4 A Frelimo só aceitou a perspectiva de relações de cooperação com Portugal porque considerou que, pela primeira vez, o povo português nosso aliado, se efetivamente representado nas instâncias governativas.

3.5 Pensávamos que o colonialismo português tinha desaparecido. O colonialismo português é profundamente odiado pelo nosso povo. Tendo-se estabelecido no nosso país com o objectivo único de pilhar os nossos recursos naturais e explorar brutalmente a mão-de-obra moçambicana, ele prosseguiu uma política sistemática de obscurantismo, divisão, humilhação opressão e repressão bárbaras para realizar aquele objectivo.

Cada vez que o povo moçambicano heroicamente ousou erguer-se contra a desumanidade colonialista, seguiram-se vagas de prisões, deportações, assassinatos e massacres.

No curso de dez anos de guerra colonial-imperialista de agressão, os colonialistas cometeram os crimes mais hediondos e bárbaros: destruição sistemática de povoações, de colheitas, deportação de um milhão e meio de moçambicanos para campos de concentração, assassinatos de prisioneiros políticos, assassinato sistemático de prisioneiros de guerra, massacres abomináveis ​​que encheram de horror a Humanidade inteira.

3.6 De acordo com os princípios vigentes na comunidade internacional e consagrados solenemente pela vitória dos aliados contra a selvajaria nazista, o povo moçambicano tem o direito de exigir do Governo português:

a) O julgamento e punição dos colonialistas portugueses responsáveis ​​pelos crimes cometidos em Moçambique, crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e de genocídio.

b) A reparação integral de todos os danos causados ​​pela pilhagem colonial no curso da ocupação portuguesa, a indemnização de todas as destruições causadas por dez anos de guerra colonial-imperialista portuguesa.

c) A indemnização das vítimas do colonialismo português e da guerra colonial-imperialista de agressão.

3.7 É de salientar que no processo multissecular das guerras coloniais de conquista, no tráfico infame dos escravos, na deportação e venda de trabalhadores para as plantações e empresas, para as roças do S. Tomé, para a África do sul e Rodésia, no processo da repressão colonial e da guerra colonial-imperialista de agressão, muitos e muitos milhões de moçambicanos foram mutilados, mortos, massacrados.

3.8 A pilhagem das nossas riquezas, a exploração brutal dos nossos trabalhadores, a venda de mão-de-obra para o estrangeiro, tudo é permitido que Portugal acumule enormes reservas financeiras, que grandes fortunas se edificaram em Portugal.

3.9 Considerando contudo a opressão e exploração de que foi vitima o povo português, e esperando que o actual regime efectivamente se proponha romper com um passado vergonhoso identificando-se ao seu povo; considerando as dificuldades enfrentadas pelo presente regime português, e desejando contribuir para a consolidação da democracia em Portugal, generosa e unilateralmente, em nome do povo moçambicano, a Frelimo renunciou a exigir as indenizações a que tem direito por cinco séculos do pilhagem e exploração colonial e uma década de guerra de agressão colonial-imperialista.

3.10 Generosa e unilateralmente, a Frelimo contentou-se em centrar as discussões sobre as reivindicações principais seguintes:

- Transferência para Moçambique do departamento moçambicano do Banco Nacional Ultramarino e das reservas;

- Transferência para Moçambique do Banco do Fomento;

- Transferência da barragem de Cabora Bassa.

4.1 De salientar:

a) Que o BNU foi urna das maiores empresas de pilhagem de Moçambique;

b) Que uma fracção importante das reservas de ouro e divisas existentes em Portugal resultou da transferência do produto de venda e exploração dos trabalhadores moçambicanos, e que frequentemente esse ouro e divisas resultam das indemnizações por acidentes de trabalho.

É de notar que as estatísticas oficiais colonialistas revelam que, em média, periodicamente, cerca de 2500 moçambicanos morrem em consequência de acidentes de trabalho somente nas minas do Rand.

c) Que o Banco de Fomento destinava-se exclusivamente a promover uma melhor pilhagem dos recursos nacionais e dos trabalhadores moçambicanos;

d) Que a barragem de Cabora Bassa, cuja construção foi sempre condenada pelo povo moçambicano, pela Frelimo, pela Organização de Unidade Africanas e pela Organização das Nações Unidas, se destinava essencialmente a criar uma linha estratégica de defesa, a instalar no vale do Zambeze um milhão de colonos, a subordinar e integrar ainda mais a economia moçambicana ao sistema imperialista na África Austral.

5.1 Na primeira sessão das conversas da Comissão Económica, agindo duma maneira insultuosa para com os desejos consentidos pelo povo moçambicano, desprezando a memória das vítimas das guerras coloniais de rapina, de pilhagem colonial, da guerra colonial-imperialista de agressão, a portuguesa, sem qualquer pudor, ousou exigir de Moçambique:


a) O pagamento de 16 milhões de contos de dívidas, que seriam dívidas por Moçambique ao Governo português por obras feitas pelo regime colonial em benefício do Povo moçambicano.

b) A transferência onerosa do departamento moçambicano do Banco Nacional Ultramarino, do Banco de Fomento e outras instituições.

c) O usufruto de Cabora Bassa por Portugal com o objetivo de amortizar dívidas portuguesas.

Esta atitude tipicamente colonialista foi denunciada pela nossa culpada.


6.1 Na segunda sessão das conversas, a recebida portuguesa fingiu aparecer como fazendo-nos concessões ao aceitar:

a) A transferência não onerosa do departamento moçambicano do BNU.

b) Fazer reduções no montante da exigência exigida.

7.1 É de salientar que, apesar da atitude geral portuguesa contrária aos interesses dos nossos povos, mais uma vez compreender as dificuldades da parte portuguesa e desejosa de contribuir para a consolidação da democracia em Portugal a Frelimo aceitou que Portugal usufruísse por um largo período a barragem de Cabora Bassa. O povo moçambicano aceitava assim, na prática, que os seus recursos naturais e o seu trabalho pagassem uma dívida de dezenas de milhões de contos que o colonialismo contraíra precisamente para combater o povo moçambicano.

7.2 Num espírito de boa vontade e para se sair do impasse criado pela exigência portuguesa, a Frelimo considerou à parte portuguesa uma discussão política a alto nível.

8.1 De 30 de Março a 1 de Abril, a abandonada da Frelimo, dirigida pelo seu presidente, e a abandonada portuguesa, encabeçada pelo ministro português dos Negócios Estrangeiros, negociaram em Dar es-Salam a questão da pretensa dívida moçambicana a Portugal (F).

8.2 A Frelimo expôs claramente as razões que impedem o povo moçambicano de assumir as despesas incorridas pelo colonialismo no seu processo de pilhagem, exploração, opressão e agressão.

8.3 Face às posições da Frelimo, a parte portuguesa declarou então concordar que não havia dívida de Moçambique para com Portugal.

Todavia, usando a táctica de aceitou o mesmo objectivo sob novas fórmulas, a parte portuguesa afirmou que existia, sim, um contencioso económico-financeiro.

Quer dizer que a divisão se mantinha e era exigida, com a diferença de se utilizar um novo nome.

9.1 Dado, que o Governo português actual se pretende parcialmente do regime colonial-fascista, e por isso mesmo requer a satisfação dum «contencioso económico-financeiro», a Frelimo propõe que o Governo português por razões de apoio, assuma inteiramente essa herança .

9.2 Neste quadro propomos que o «contencioso económico-financeiro» seja examinado na perspectiva de 500 anos de dominação colonial.

9.3 Sem pretender desde já fazer uma lista completa dos pontos a serem apresentados pela parte moçambicana no exame desse contencioso, a Frelimo deseja enfatizar os pontos a seguir:

a) As guerras de pilhagem e conquistas desencadeadas pelos invasores portugueses e as consequentes perdas em vidas humanas e em bens;

b) O tráfico intenso de escravos, as consequentes destruições de famílias e vidas;

c) A destruição do processo de evolução histórica dos Estados agredidos e ocupados pelos invasores portugueses, em Moçambique, e a consequente destruição do processo de desenvolvimento económico, social e cultural;

d) As rapinas efectuadas pelos invasores portugueses.

9.4 Para o período que se segue à ocupação colonial, a parte moçambicana deseja chamar a atenção ainda duma maneira não exaustiva, sobre os pontos seguintes:

a) As vagas de repressão e assassinatos desencadeadas pela administração colonial para se impor à população;

b) O exílio de centenas de milhares de moçambicanos para os territórios vizinhos, fugindo ao colonialismo português;

c) A utilização sistemática do trabalho escravo sob forma de trabalho foçado e contratado, com a consequente destruição de famílias e vidas humanas;

d) A venda anual de centenas de milhares de moçambicanos as companhias e colonos, para utilização como trabalho escravo;

e) A imposição de culturas forçadas como o de algodão e arroz, compradas a preço de miséria ao produtor e permitindo às companhias concedidas auferir lucros fabulosos;

f) Os milhares de mortos provocados pela fome, em consequência da introdução das culturas forçadas;

g) A venda anual de 150 000 trabalhadores à República Sul-africana e de um número equivalente à Rodésia. As centenas de milhares de mortes e mutilações causadas por acidentes de trabalho, derivados de uma total ausência de segurança no trabalho. A pilhagem dos sofrimentos de miséria dos trabalhadores e das indenizações mortes e mutilações;

h) A expulsão da população e ocupação das suas terras férteis pelos colonos, através de todo o Moçambique, o roubo infame do gado da população;

I) A deportação de dezenas de milhares de moçambicanos para Angola, e sobretudo para as roças de S. Tomé, onde poucos regressaram;

j) A utilização forçada de moçambicanos em campanhas coloniais de repressão, nomeadamente na antiga colónia do Estado da Índia, em Macau e Timor, e consequente destruição de famílias e vidas;

k) Os massacres de Xinavane, Mueda, Lourenço Marques, Beira e outros.

9.5 Para a época da guerra colonial-imperialista de agressão, sem mais uma vez pretendemos fazer uma lista exaustiva, atentos à destruição de vidas e bens:

a) Nas incursões, agressões, bombardeamentos contra as zonas libertadas, povoações, escolas, hospitais, infantários, etc.;

b) Nos massacres mundialmente conhecidos de Unango, Mucumburta, João, Chawole, Inhaminga, Wiryiamu.

9.6 Desejamos ainda enfatizar, no que respeita à guerra:

a) As vagas de repressão que forçaram milhares de moçambicanos a exilarem-se;

b) As perdas em vidas e bens causadas pelo internamento de um milhão e meio de moçambicanos em campos de concentração;

c) As perdas em vidas e bens causados ​​pelas agressões contra dois milhões de habitações das zonas libertadas;

d) As perdas de prisões, torturas, assassinatos e massacres de prisioneiros políticos;

e) O assassinato sistemático de prisioneiros de guerra, que criou a situação única e vergonhosa de Portugal não ter um só prisioneiro de guerra a entregar no momento da troca de prisioneiros;

f) O assassinato de personalidades eminentes do povo moçambicano, como o Chefe da Igreja Presbiteriana em Moçambique, o reverendo Medequias Manganhela, e o pastor José Sidumo.

9.7 O infame assassinato do Camarada Eduardo Chivambo Mondlane, 1º presidente da Frelimo.

10.1 Referindo-nos ainda ao «Contencioso», penso que a parte portuguesa deve descontar das dívidas a apresentar-nos as despesas pagas com impostos moçambicanos e destinadas entre outros fins a:

a) Financiar a PIDE/DGS e os diferentes serviços da psico-social;

b) Financiar a corrupção de moçambicanos para delatarem patriotas;

c) Financiar a compra de armamento para militarizar a população civil portuguesa em Moçambique;

d) Financiar os diversos serviços da polícia e prisionais, destinados a reprimir o povo moçambicano;

e) Financiar a administração colonial-fascista na sua tarefa de opressão e repressão;

f) Financiar a criação de forças fantoches, como os GE, GEP, CPV, Companhias de Comandos de Moçambique, Flechas, etc.;

g) Financiar a construção e manutenção de campos de concentração e deportação das populações;

h) Financiar a construção, equipamento e funcionamento das redes de emissoras destinadas a agredir ideologicamente o povo moçambicano;

i) Financiar a construção de estradas, pontes, aeródromos e instalações destinadas a permitir a circulação, abastecimento e implantação das forças de ataque;

j) Financiar em geral a guerra Colonial de agressão.

11.1 É nesta perspectiva, e só nela, que pode ser avaliado o «contencioso económico-financeiro», e determinada exactamente a parte exigível a Portugal ea parte que Portugal pode exigir a Moçambique em consequência dos benefícios que Moçambique recebeu de cinco séculos de pilhagem colonial e dez anos de guerra de agressão.

11.2 No caso de o balanço ser favorável em Portugal, Moçambique compromete-se a pagar integral e imediatamente a totalidade da sua dívida.

11.3 Entretanto a Frelimo declara a sua vontade de se irromper as transações em curso e se anulem os documentos já publicados, a fim de se reiniciar oportunamente a discussão global na nova perspectiva.

11.4 Dada também a posição assumida pela parte portuguesa, de herdeira activa do contencioso colonial, a Frelimo entende que as nossas relações futuras serão inevitavelmente influenciadas por esta posição.

Alta consideração,

A luta continua

a) Samora Moisés Machel Presidente da Frelimo

 ___________________

(A) À conferência de Lusaca, iniciada a 6 de Junho de 1974, contou com a presença do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, e, como elemento do MFA, escolhido para representar, o presidente da República Otelo Saraiva de Carvalho, bem como Manuel de Sá Machado (já falecido, irmão do Dr. Sá Machado), que desempenhou funções no MNE.

(B) Melo Antunes e Almeida Costa, como elemento do MFA, constituíam a portuguesa

(C) A portuguesa em Lusaca, em 7 de Setembro de 1974, além dos que estiveram em Dar es-Salam, integrava, ainda, o tenente-coronel Lousada, o major Casanova Ferreira e o Dr. Almeida Santos.

(D) Extremistas brancos manifestaram-se em Lourenço Marques contra os textos de acordos de Lusaca, contestando a reclamação da Frelimo como representante do povo moçambicano. O Rádio Clube chegou a estar ocupado e ao serviço dos revoltados.

(E) «Comandos portugueses», prestes a regressar a Lisboa, provocaram choques na zona central de Lourenço Marques, havendo confrontos com militares da Frelimo. Só dois dias depois os militares portugueses, em conjugação com a Frelimo, ficaram termo aos encontros, que entretanto deixaram, feito mais de quarenta mortos e 150 feridos.

(F) O ministro dos Negócios Estrangeiros (IV Governo Provisório) era o major Melo Antunes.

in: "O Jornal", em 12/04/1979