15 de julho de 2009

Arnaldo Massangaie: Presa Perigosa (Conto moçambicano)

Presa perigosa (Arnaldo Massangaie) Certo dia, ao pretender consultar uma armadilha montada no dia anterior, um mancebo voltou da mata disparado como se mil demónios o perseguissem. Ofegante, mal conseguia contar o que vira, na obscuridade da mata. Alguns veteranos o acompanharam até ao local que apenas conseguia apontar com o dedo trémulo, em riste sem conseguir pronunciar palavra. Um dos veteranos aproximou-se sorrateiramente da armadilha e de súbito, um vendaval se desabou sobre o local levantando poeira, quebrando arbustos e tudo quanto se encontrava num raio considerável à volta da armadilha; uma cobra tinha caído na armadilha e toda aquela turbulência resultava da luta contra a morte. Os curiosos abandonaram precipitadamente o local; naquelas circunstâncias, não havia melhor escolha, pois, se a companheira da presa se apercebesse da demora, iria à sua procura e encontrando-a aprisionada, aguardaria pelo dono da armadilha, mesmo que isso levasse dias; e qualquer ser vivo que se aventurasse por aquelas paragens podia, antecipadamente, considerar-se morto. Era necessário deixar passar muito tempo até que o vingativo se esquecesse do seu já esquelético companheiro e abandonasse o local ou que se pegasse fogo no local para afugentá-lo ou dissipar o cheiro da cobra morta. Neste caso, precauções deviam ser tomadas, pois, se a companheira da presa estivesse nos arredores e se visse cercada pelo fogo, representava um grande perigo. Cercada pelo fogo, a mamba põe-se em riste, apoiando-se na ponta da cauda, ensaiando a fuga e tentando localizar o inimigo após o que se lança num autêntico voo, que quase sempre termina com ela enrolada ao pescoço do intruso, com perca imediata da vida deste. Lançou-se fogo ao bosque e mesmo assim teve que se evitar aquelas paragens por um bom tempo, até assegurar-se de que a eventual companheira da morta tivesse abandonado o local, conformada com a situação. Sarados todos os mancebos, preparava-se o regresso à casa, onde as mães organizavam a recepção dos seus filhos de quem se tinham separado havia cerca de um mês; compravam roupas novas e mandavam para o acampamento enquanto panelas de uputsu eram preparadas, milho moído e animais para a festa; desta vez não se tratava de simulação. Era uma festa de verdade e prendas eram preparadas para se oferecerem aos homens já prontos. No dia aprazado, o enfermeiro-curandeiro e os anciãos tomavam a dianteira, enquanto os “prontos” entoavam lindas canções e, em passo de marcha, regressavam à casa, sendo conduzidos todos ao local preparado para a festa. Todos os rapazes se encontravam num só lado, perfilados e bem vestidos e as mães entoavam cânticos de júbilo: “Alegre-se comigo amiga; Cantemos louvores ao enfermeiro, Que voltou com a sua gente, Que belo é ser casada; Os nossos filhos regressam São e salvos, Completos em seu número; Alegre-se comigo amiga.” Assim cantavam elas, com os rostos radiantes, festejando o regresso dos filhos, já feitos Homens p’ra sempre. Seguia-se a refeição conjunta e abundante. As mães quase não comiam de tanta emoção, cada uma olhando para o seu filho cuja vida acabava de ser posta à prova. Seguiam-se as oferendas, cada um dando o que tivesse a quem quisesse. Havia muita solidariedade naquela gente. As ofertas eram dirigidas a qualquer um dos recém-iniciados, de tal modo que cada um deles recebia alguma coisa. As ofertas consistiam em animais como cabritos, leitões, galinhas e peças de vestuário. Serviam de recordação para a posteridade. Ao cair da noite, a festa terminava e cada família se dirigia à sua casa, com os seus filhos, agora tornados homens. Os ecos da ukwera perseguem o indivíduo ao longo da vida. A próxima ukwera seria daí a uma década e os que sendo pequeninos não participaram naquela, fá-lo-iam com os que ainda não tinham nascido e seriam os matulões dessa ukwera com as consequências nefastas disso. Estariam conscientes quando caíssem nas mãos do curandeiro-médico e fossem sujeitos a uma dolorosa operação, a sangue-frio. Arnaldo Massangaie nasceu a 13 de Julho de 1963. É licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Relações Internacionais, em Maputo. Prémio 25 de Maio Pawa/EDM, edição 2007. Arnaldo Massangaie Maputo, Quarta-Feira, 15 de Julho de 2009:: Notícias