13 de janeiro de 2013

Os políticos que temos (Filomena Martins)


A desconsideração

Temos um relatório de técnicos do FMI encomendado pelo Governo, cuja realização já em curso foi anunciada por Marques Mendes num canal de TV por cabo sem que ninguém, da oposição e dos parceiros sociais, tivesse sido convidado para o debate. Temos a versão preliminar desse relatório, datada de dezembro, divulgada como uma bomba atómica por um jornal económico, quando era desconhecida quer da oposição e dos parceiros sociais quer também de vários membros do Governo, entre eles os do outro partido da coligação. Temos um secretário de Estado e também um primeiro-ministro a garantirem, entre elogios ao trabalho "bem feito" apesar dos inúmeros "pressupostos errados", que a versão final desse mesmo relatório chegara coincidentemente ao Governo na manhã do dia em que o jornal a divulgou. E temos novamente o comentador político a revelar que o Governo vai criar uma comissão para estudar todas as medidas propostas no mês e meio que falta para que o plano final seja apresentado à Europa e - a sério - a convidar o PS para a liderar. Ou seja, temos um documento, que, não sendo a Bíblia do Governo, inclui seguramente muitos dos mandamentos que este vai aplicar ao País, anunciado entre programas televisivos, jornais e segundos planos do Executivo. Temos pois muito mais que o gravíssimo problema de comunicação governamental sublinhado por Pinto Balsemão. Temos uma tremenda falta de consideração pelos portugueses.

O descrédito

Temos um primeiro-ministro que nos propôs no seu programa eleitoral discutir o Estado que podemos pagar, mas que só vai cumprir essa promessa por imposição externa, quando já perdeu todo o consenso político e social para a fazer, e ainda por cima à pressa e sob pressão, à conta de um corte anunciado mas nunca explicado de 4 mil milhões. Temos o líder de um Governo que tem nas mãos um relatório que, expurgado da ideologia - e obviamente dos dados errados que alguém disponibilizou para que torturados dessem o resultado final desejado --, elenca problemas graves do País, cujas reformas necessárias e há muito identificadas têm sido sempre empurradas com a barriga, que só o vai aplicar porque sim e para que os números finais do Excel fiquem a verde. Ou seja, temos mais uma oportunidade política perdida, porque a forma e o método com que tudo vem sido feito deixou este PM sem margem, credibilidade ou aceitação para a discussão séria, serena e decisiva que se impunha.

O maquiavelismo

Temos um Presidente que anuncia o envio do Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional numa mensagem televisiva, mas que nunca fez uma declaração de interesses pelo facto de uma das normas que manda fiscalizar o atingir diretamente e a muitos dos que lhe são próximos. E temos o mesmo Presidente que, apesar do seu passado, garante que não é dado a intrigas e jogos políticos, mas que, dias depois do discurso de Ano Novo violento contra o Governo, dá uma entrevista em que fala sobre a RTP e a obrigação constitucional de manter um serviço público usando exatamente o mesmo argumento (e até as mesmas palavras) que o CDS-PP e que troca o semblante carregado por sorrisos, salamaleques e elogios ao receber Paulo Portas nas comemorações do dia da diplomacia.

O equilibrismo

Temos um parceiro de coligação sempre com um pé fora e outro dentro do Governo, sempre a pesar os custos políticos de bater com a porta ou continuar a pisar as areias movediças. Temos um líder da maioria que num dia põe os seus acólitos em uníssono a criticar as pressões do Governo ao Tribunal Constitucional e lança às canelas dos seus colegas do Executivo o líder-sombra da oposição, o protocandidato-presidencial-com-grandes-hipóteses Bagão Félix, e no dia seguinte é ele próprio, o estadista, a dizer que o atual momento obriga a um consenso político.

As atitudes

Temos um ministro das Finanças que há meses justifica as mais duras medidas de sempre para os portugueses dizendo que as mesmas são a única forma de se evitar o despedimento maciço de funcionários públicos e agora mantém silêncio sobre um relatório, por ele encomendado, que agrava as medidas já em curso e sugere que se despeçam ainda mais trabalhadores e por menos dinheiro.

Temos outro ministro, neste tempo em que o Governo prepara o pacote de austeridade IV, a achar que pode exibir as suas capacidades financeiras num resort de luxo do outro lado do Atlântico, na companhia de quem quiser e sem se importar que o vejam.

Temos um líder da oposição que, enquanto se entretém a escolher para câmaras importantes os primeiros alvos inimigos do seu antecessor, propõe tão timidamente eleições antecipadas que todos percebem que o que quer mesmo é que o atual Governo aplique este plano infernal e passe pelo purgatório até ao juízo final quando for tempo de, com o caminho limpo dos pecados, começar de novo e fazer diferente.

E temos um FMI que tem metade dos seus altos responsáveis a dizer que a austeridade é um mau remédio e que é preciso mudar a prescrição para a crise ao mesmo tempo que a outra metade recomenda que se aumente a dosagem da receita em curso.

Só se espera que não tenhamos portugueses a acharem que tudo isto é já normal. Até os adeptos do Sporting estão a forçar mexidas no clube.

Diário de Notícias, 12 de Janeiro de 2013