27 de dezembro de 2016
Bens de Salazar disputados em tribunal
Sobrinho-neto de Salazar exige a devolução de bens do antigo presidente do Conselho.
Um sobrinho-neto de Salazar exige a devolução de bens do antigo presidente do Conselho que estão em depósito na Câmara de Santa Comba Dão ou o pagamento de 324 mil euros, no âmbito de um julgamento que começa na quinta-feira.
Depois de, em maio, ter decorrido uma audiência prévia deste processo, o início do julgamento ficou marcado para quinta-feira de manhã, no Tribunal de Viseu.
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Portugal - António Oliveira Salazar
20 de novembro de 2016
Ninguém Nasce Corrupto (Escrito por Rafael Marques de Morais)
Quando recebi o convite da Associação Moçambicana de Juízes para falar no Seminário sobre “Corrupção e Justiça Criminal – A eficácia e garantia da justiça criminal no tratamento da corrupção”, julguei tratar-se de algum engano, ou mesmo de uma armadilha. Até hoje, a minha relação com juízes tem-se limitado a processos de julgamento e a condenações, precisamente pelo facto de eu denunciar actos de corrupção e as consequentes violações dos direitos humanos.
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Angola - Actualidade
@Verdade EDITORIAL: Abutres humanos
Pode parece que estamos a caricaturar mas, infelizmente, é nisto que somos bons neste país:
empregar sobrinhos, amantes e cunhados, esvaziar os cofres do Estado e ampliar os patrimónios pessoais à custa do dinheiro do povo. Como consequência disso, hoje o país caminha a passos largos para uma situação insustentável. Tudo indica que o pior está por vir. Porém, o mais revoltante nessa história é saber o rumo que dado ao dinheiro que nós é descontado todos os santos mês, após jornadas duras de trabalho.
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Moçambique - Actualidade
Portugal - A Leitura e a Escrita Iniciais
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Portugal - A Leitura e a Escrita Iniciais
7 de novembro de 2016
6 de novembro de 2016
Moçambique: Pérola sem brilho (Celso Filipe)
Há dois anos, o futuro de Moçambique era pintado com cores promissoras, sobretudo por causa da descoberta de enormes reservas de gás natural. Hoje, o país vive um clima de incerteza por causa da guerra e da dívida oculta.
Na Praça dos Trabalhadores, morada da estação de caminhos-de-ferro de Maputo, um polícia repara no turista que, do interior de uma carrinha "pick-up", tira fotografias a um dos edifícios mais emblemáticos da capital moçambicana. Com um gesto curto, ordena que a viatura encoste. De seguida, encaminha-se vagarosamente e, pela janela entretanto aberta, pede os documentos. Fala com docilidade para o condutor, num tom de reprimenda professoral.
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Moçambique - Actualidade
Quando Spínola quis invadir Portugal com ajuda do Brasil (Manuel Carvalho)
Em vésperas do Verão Quente, António de Spínola está exilado no Brasil e sonha com um regresso à frente de um exército invasor para expulsar os comunistas do poder. Numa reunião secreta com altas patentes do Serviço Nacional de Informações, no Rio de Janeiro, pede ao Brasil ajuda para preparar as suas tropas a tempo da invasão prevista para Dezembro de 1975. Ernesto Geisel, o general que mandava no Brasil, cortou-lhe as asas do sonho. Foi a primeira de uma série de derrotas que acabou com o “escândalo Wallraff”. Memórias de um tempo em que Portugal parecia um filme de James Bond.
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Portugal - 25 de Abril de 1974
Toda a Verdade Sobre o "Angoche": O "Caso Angoche", 45 anos depois
Foi graças a O DIABO que o “caso Angoche” não caiu no esquecimento. Uma série de reportagens publicadas no jornal de Vera Lagoa levantou a ponta do véu sobre uma tragédia da guerra de África, ignorada ostensivamente pelos sucessivos governos posteriores ao golpe militar de Abril de 1974. Hoje, a memória dos tripulantes do navio mercante português continua a exigir uma reparação histórica.
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Angola: Imagens Antigas de Benguela
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Portugal - Império Colonial Português
1 de novembro de 2016
Investigador realça acção da Igreja Católica na independência de Moçambique
Um investigador da California State University, nos Estados Unidos, realçou quinta-feira, em Coimbra, Portugal, que a Igreja Católica defendeu os direitos dos povos de Moçambique.
Através de alguns dos bispos que nomeou para o território, na costa oriental de África, o Vaticano assumiu “um jogo crítico” da permanência das tropas portuguesa em Moçambique, acabando por apoiar a luta de libertação protagonizada pela Frelimo, disse Mustafah Dhada.
O professor universitário, que investiga há várias décadas as lutas de guerrilha e os processos de emancipação política das antigas colónias de Portugal no continente africano, falava à agência Lusa após ter participado no colóquio internacional “Quarenta anos de independência de Moçambique: que futuro para o passado?”.
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Moçambique - Descolonização e Independência
Frelimo considera "tristes e lamentáveis" declarações de Dhlakama sobre independência
A Frelimo, partido no poder, classificou como "tristes e lamentáveis" as declarações do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, de que a maior força política de oposição nunca foi contra a independência do país.
"É triste e lamentável que depois de tantas atrocidades e destruição das conquistas da independência, a Renamo e o seu líder apareçam agora em público a dizer que este partido nunca esteve contra a independência", disse o porta-voz da Frelimo, Damião José, citado na passada quarta-feira no diário Notícias.
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Moçambique - Descolonização e Independência
Branqueamento da história exclui lutadores pela independência de Moçambique, diz Daviz Simango
O presidente do MDM, Daviz Simango, considerou esta quinta-feira que o país cometeu “erros graves” com o branqueamento da sua história, reescrita segundo a agenda do Governo, e defendeu a “inclusão de heróis” com títulos “negados”.
Presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira força parlamentar, Daviz Simango disse que a classificação de moçambicanos, como "reacionários, contra reacionários e traidores", excluiu muitos que lutaram pela independência do panteão de heróis nacionais, considerando tratar-se de “uma ação discriminatória que divide os moçambicanos”, que se torna num travão real aos esforços para a reconciliação.
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Moçambique - Descolonização e Independência
40 anos de independência: O homem que confinou a tropa colonial
“O velho anda muito. Estava aqui mas desapareceu. Talvez (seja melhor) ir ver na sede dos antigos combatentes”.
Foi assim que uma das netas (do velho) nos respondeu quando chegámos à casa de Luís Miguel Magunga, um nome que trazíamos na manga para a reportagem que pretendíamos com heróis vivos, cuja participação no processo de libertação do país não se põe em causa e que nunca havia dado a voz em público.
Fomos ao centro dos combatentes e não o encontrámos. Afinal estava no centro de mutilados de guerra, na companhia dos seus camaradas, alguns dos quais sem os seus membros em consequência dos horrores da guerra de libertação.
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Moçambique - Descolonização e Independência
Moçambique: O Parque Nacional da Gorongosa (1965)
É o mais povoado de
toda a África e constitui um valioso elemento de valorização no cartaz
turístico de Moçambique
O cuidado posto na
protecção às espécies existentes fez com que fossem criados em Moçambique, sob
a jurisdição dos Serviços de Veterinária, um Parque Nacional e quatro reservas
de caça onde, embora o visitante não possa caçar, encontra motivos de
extraordinário interesse. As reservas são: a dos tandos de Marromeu (distrito
de Manica e Sofala) a do Gilé (Zambézia); a reserva parcial do Niassa
(abrangendo parte da área de Vila Cabral e da Circunscrição de Marrupa) e a
reserva dos elefantes no Maputo (próximo de Lourenço Marques).
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Moçambique - Parque Nacional da Gorongosa
20 de outubro de 2016
Telegramas de 1980: A guerra civil, a seca e o metical
A nova década fica marcada pela independência do Zimbabwe, a 18 de abril de 1980, pondo fim a um processo que envolveu Moçambique desde sempre.
Internacionalmente, registam-se aproximações de Maputo à diplomacia do novo governo conservador de Margaret Thatcher, a par do alinhamento de Maputo em relação a Moscovo e no contexto da invasão soviética do Afeganistão e do apoio ao Vietnam pelo derrube do regime de Pol Pol no Cambodja.
Internamente, pela consulta das centenas de telegramas da embaixada de Portugal, a Resistência Nacional Moçambicana (RNM), mais tarde RENAMO, está ativa, apesar da queda de Ian Smith e do regime de Salisbúria, e Joaquim Chissano admite que o país alberga estruturas do Congresso Nacional Africano mas que “não se pode dar ao luxo” de iniciar um conflito com Pretória.
1980 é o ano em que a falta de chuva faz agravar ainda mais a situação de carestia no país, obrigado a apelar a doadores.
A meio do ano e, em plena crise económica, Samora Machel anuncia a nova moeda, o metical, introduzida no dia em que se assinala mais um ano sobre o “Massacre de Mueda” durante a guerra contra os portugueses.
Janeiro
Moçambique e a geoestratégia mundial
As mudanças registadas no processo rodesiano não fazem alterar o papel de Maputo no contexto da África Austral, como se verifica pelos resultados da visita do norte-americano, Paul Tsongas, senador democrata pelo Estado de Massachussets.
“Paul Tsongas afirmou que a opinião no seio do senado americano em relação à Maputo tem evoluído ultimamente em virtude do reconhecimento do papel construtivo desempenhado por Maputo no contexto das iniciativas e negociações internacionais para a resolução do problema rodesiano, admitindo haver agora ambiente mais favorável para a melhoria das relações entre os Estados Unidos e Moçambique”, realça a embaixada de Portugal, no início de janeiro, sobre a visita do político norte-americano recebido pelo chefe de Estado, Samora Machel.
A 08 de janeiro, o embaixador de Portugal sublinha que a situação na Rodésia fez com que a imprensa local não tivesse dado “grande” relevo às notícias sobre a invasão soviética do Afeganistão.
Mesmo assim, “o tom dos artigos é como seria de prever, no sentido da justificação da intervenção de Moscovo, alegando que a presença das tropas soviéticas resultou do pedido, feito pelos novos dirigentes de Cabul, invocando o tratado de amizade e cooperação de 05 de dezembro de 1978”, escreve o embaixador.
A mesma transmissão refere também que têm sido publicadas algumas notícias sobre os protestos que se registam por todo o mundo junto das embaixadas da União Soviética, que, para o jornal Notícias da Beira, são gestos de “jovens corrompidos pelo islamismo”.
No mesmo aerograma, a embaixada indica que não foi feita qualquer referência sobre a posição de Portugal contra a intervenção no Afeganistão, tomada no contexto das Nações Unidas, e que “em todo o caso” Moçambique ainda não fez qualquer declaração, “nem sequer oficiosamente” através de artigos publicados nos “órgãos de comunicação social controlados pelo Estado”.
Um dia depois, o Notícias da Beira escreve “discretamente” que a Jamaica e a Zâmbia fazem parte do grupo de países que subscrevem o projeto de resolução que exige a retirada das tropas de Moscovo.
A 11 de janeiro, um aerograma “confidencial” dá conta das declarações de Samora Machel na cimeira dos países da linha da frente em que o presidente moçambicano elogia o governo de Londres a propósito do processo da Rodésia.
No discurso, de improviso, Machel manifestou “expressamente o seu respeito e o seu apreço pelo governo conservador britânico (liderado por Margaret Thatcher) por ter assumido responsabilidades em relação à colónia, ao contrário dos sucessivos governos trabalhistas”.
“Talvez demasiado preocupados em preservar uma imagem progressista (os trabalhistas) teriam fugido às suas responsabilidades”, afirmou Machel segundo o embaixador, acrescentando que o presidente moçambicano confessou abertamente “admiração” pela “senhora Thatcher”, pela “inteligência e coragem”.
Segundo o embaixador, “comentários em Maputo” deixam o presidente numa situação “algo embaraçosa” por causa dos elogios aos conservadores britânicos, apesar de Samora ter criticado a presença de tropas sul-africanas na Rodésia.
Finalmente, a 17 de janeiro começam a ser publicadas notícias sobre a posição de Maputo em relação à invasão soviética do Afeganistão.
O resumo de imprensa da embaixada chama a atenção de que os jornais reproduzem com grande destaque as declarações do representante de Moçambique junto das Nações Unidas durante a sessão de emergência da Assembleia Geral, em Nova Iorque.
“Parecem mostrar claramente que Maputo acabou por alinhar também, neste caso, com Moscovo”, escreve a embaixada de Portugal.
A 19 de janeiro, a embaixada de Portugal informa Lisboa que Moçambique criou uma nova companhia mista para o setor das pescas, sediada na Beira, com capital espanhol subscrito pela empresa Pescanova que já operava em águas territoriais sob regime de licença.
No mesmo dia, o telegrama n.º30/1980, dá relevo às posições de Samora Machel no quadro da “campanha de dinamização das estruturas do aparelho de Estado responsáveis pelo funcionamento de alguns setores chave da economia”.
Samora, em visita a várias empresas e infraestruturas de transportes do Estado, insiste pelo “engajamento de todos os moçambicanos na batalha contra o subdesenvolvimento” e “denuncia sem poupar palavras os males e os vícios que estariam na origem da inoperância da máquina burocrática estatal e nas falhas do aparelho de produção”.
“Em outra ocasião, Samora chegou mesmo a dizer que estavam a investigar as ‘bichas que abusivamente se diz por aí são por causa dos imperialistas quando os sabotadores estão entre nós’”, reproduz a embaixada portuguesa.
Fevereiro
A crise política com a África do Sul
No início de fevereiro, a embaixada de Portugal nota, em contactos “com embaixadores”, as aparentes aproximações de Maputo em relação ao Ocidente sublinhando que apesar de todo o otimismo, sobretudo dos norte-americanos, Maputo mantém a linha política soviética.
“O embaixador dos Estados Unidos disse-me que desde a assinatura do acordo de Londres (sobre a Rodésia) que tem vindo a notar progressiva mudança do ambiente nos contactos com as autoridades de Moçambique, citando como exemplo o grande empenho manifestado por moçambicanos pela realização da visita do grupo de empresários norte-americanos organizada pela ‘International Business Coorporation”.
“Apesar de ventos de mudança que parecem estar agora estar aqui a soprar não se deverá esquecer que praticamente todas as unidades operacionais das Forças Armadas de Moçambique estão hoje enquadradas por oficiais soviéticos e cubanos e que a posição de Maputo assumida há dias sobre a questão do Afeganistão parece ser uma oportuna advertência contra prognósticos precipitados de uma iminente viragem política na esteira dos acontecimentos na Rodésia”, alerta o embaixador.
No dia 18 de fevereiro, começam a surgir as primeiras notícias sobre a segunda reunião da comissão ministerial preparatória da segunda cimeira de chefes de Estado da República Popular de Angola, República de Cabo Verde, República da Guiné Bissau, República Popular de Moçambique e da República Democrática de São Tomé e Príncipe.
Da agenda da reunião de Maputo, que se prolonga até 22 de fevereiro,fazem parte contactos entre os ministros e altos responsáveis do comércio externo, transportes e comunicações, banca e seguros.
Além destes domínios deverão ser discutidos, entre outros, os assuntos relacionados com as perspetivas de cooperação nas áreas da informação, cultura, educação e saúde.
No dia 22 de fevereiro, a embaixada transmite os dados sobre a reunião sublinhando que “dado o secretismo que, como é habitual, rodeou os trabalhos da conferência”, não foi possível obter mais informações, até ao momento.
Mesmo assim, o embaixador destaca do documento final que os cinco países deram particular “relevo” aos problemas da África Austral tendo reafirmado o apoio incondicional à Frente Patriótica do Zimbabwe, “único e legítimo representante do povo” do país.
A 23 de fevereiro, um telegrama “urgente” relata a Lisboa a “crise política” que se vem registando entre Moçambique e a África do Sul exposto ao embaixador pelo próprio ministro dos Negócios Estrageiros, Joaquim Chissano.
O chefe da diplomacia moçambicana rejeita “categoricamente” as acusações formuladas pelo governo sul-africano de que a República Popular de Moçambique alberga bases militares utilizadas por movimentos de oposição ao regime de Pretória ou que tenha servido de “ponto de partida” para ações militares contra a África do Sul.
“(Joaquim Chissano) acusa por sua vez as autoridades de Pretória de constantes violações do espaço aéreo e da fronteira de Moçambique além de denunciar grandes concentrações de tropas sul-africanas ao longo desta última e que teriam sido observadas nos últimos dias”, refere o telegrama nº 67/1980.
Chissano admite que Moçambique acolhe refugiados de diversos países acrescentando que se trata de uma prática internacional aceite pelas Nações Unidas, contestando que o acolhimento possa ser invocado para atribuir culpas aos moçambicanos sobre atos cometidos no interior da África do Sul.
A nota de Chissano, comunicada ao embaixador de Portugal, acusa Pretória de estar a “procurar deliberadamente uma situação de tensão entre os dois países” e que a África do Sul “busca pretextos para agredir países vizinhos” concluindo que o governo moçambicano se reserva ao direito de tomar as medidas que “julgar convenientes para defender a sua soberania e preservar a paz na África Austral”.
“Embora admitindo que o ANC (Congresso Nacional Africano) foi autorizado a abrir uma sede em Maputo e que alguns dirigentes dos movimentos da oposição ao regime de Pretória, recorrem à luta armada, garantiu-nos que não existem no território moçambicano quaisquer bases logísticas, de treino, ou mesmo de trânsito e instalações militares desses movimentos”, escreve o embaixador sobre as perguntas que colocou ao chefe da diplomacia moçambicana.
“A este propósito Chissano disse inclusivamente que as autoridades moçambicanas tinham explicado aos dirigentes desses movimentos que a República Popular de Moçambique não podia estar, neste momento, a dar-se ao luxo de ter um conflito com a África do Sul e que estes (movimentos) compreendiam perfeitamente essa posição”, acrescenta o texto da embaixada portuguesa.
O mesmo telegrama indica que, segundo Maputo, o regime de Pretória estaria a lançar uma “manobra” para preparar terreno para a intervenção sul-africana no Zimbabwe “na hipótese de resultados das próximas eleições rodesianas não serem do agrado” dos sul-africanos.
Paralelamente, o embaixador da Bélgica, residente em Lusaca, confidencia que “tinham chegado aos seus ouvidos” rumores de uma “discreta polémica” no seio do governo moçambicano entre os que defendiam a adesão de Moçambique à Convenção de Lomé, ou a negociações com a Comunidade Económica Europeia, e os que seriam partidários da entrada do país para o COMECOM, “a exemplo de Cuba e do Vietnam”.
Março
Diplomacia de Maputo passa por Londres
A 10 de março, o ministro moçambicano dos Transportes e Comunicações, José Luís Cabaço, parte para Londres na qualidade de enviado especial do presidente Samora Machel.
Cabaço é acompanhado por Fernando Honwana, que chefiou a missão moçambicana de ligação com o governo britânico, em Salisbúria. De acordo com as informações recolhidas pela embaixada, é previsível que a delegação seja recebida por Margaret Thatcher.
Antes do fim do mês, Lord Soames, o último governador britânico da colónia da Rodésia do Sul, confirmaria as “boas relações” entre Londres e Maputo.
Segundo a embaixada de Portugal, todo o processo rodesiano “não pode deixar de ser visto como um triunfo diplomático para o regime de Maputo e um êxito pessoal para Samora Machel”.
De acordo com a embaixada, Londres manifesta apreço pela influência moderadora sobre alguns dirigentes da Frente Patriótica do Zimbabwe e de “outros países da linha da frente sobretudo desde a cimeira da Commonwealth que se realizou em 1979 e que “conduziu ao fim da guerra na Rodésia” tornando possível as soluções políticas “nos termos propostos pelo governo de Margaret Thatcher”.
A 22 de março, é anunciada uma “remodelação” governamental: são “demitidos” os ministros da Saúde, Hélder Martins; do Comércio Externo, Manuel dos Santos e o ministro das Obras Públicas e Habitação; João Batista Cosme.
A embaixada indica que era previsível que “iriam rolar algumas cabeças” mas que ainda não se compreendia o sentido político dos afastamentos.
Mesmo assim, o ministro da Saúde era apontado como a “primeira vítima” designada, em grande parte “segundo o comentário irónico do corpo diplomático” por ter tido “a pouca sorte de ser responsável pelo único setor “em que se pode dizer que o senhor Machel tem conhecimentos especializados, em resultado da sua formação profissional”.
Apesar dos afastamentos estarem a ser analisados, o telegrama da embaixada sublinha que a “direcção do partido parece ter reconhecido finalmente a necessidade de imolar alguns governantes como bodes expiatórios para aplacar o crescente descontentamento popular”.
Abril
Donald B. Easun, um americano contra ação da CIA
Terminado em Maputo o segundo encontro de chefes de Estado das antigas colónias portuguesas é anunciada a assinatura do acordo geral de cooperação económica entre os cinco países nos domínios do comércio, transportes, finanças, banca e seguros.
A mensagem da embaixada, data de 01 de abril, realça, no entanto, que as relações entre os cinco países e Portugal é assunto que “não se vislumbra na declaração conjunta”.
“Não há também nenhuma frase que traduza o reconhecimento da existência de qualquer parcela activa na herança do passado colonial que represente património cultural comum, na base do qual possa alicerçar-se a identidade do grupo de países africanos ‘lusófonos’ – o que, aliás, não constitui surpresa”, indica a embaixada portuguesa em Maputo.
“O elo que une entre si os cinco países seria, assim, apenas a experiência histórica comum de opressão e exploração colonial e laços de solidariedade forjados na contra o então ‘inimigo comum’ – o ‘colonialismo português’”, acrescenta a transmissão concluindo que a próxima cimeira fica agendada para Guiné-Bissau em 1981.
Mesmo assim, nos discursos finais – e apesar do presidente Aristides Pereira, de Cabo Verde, propor a abertura do grupo dos cinco a outros Estados africanos – Samora Machel realça a importância da “correta utilização da língua portuguesa” que considera uma vantagem que deve ser “explorada sistematicamente”.
No dia 08 de abril, o Comité Político Permanente da Frelimo e a Presidência da República anunciam mudanças “na estrutura e composição dos organismos de cúpula do Estado”.
São assim criados três novos ministérios: Segurança, Transportes de Superfície e dos Correios e Telecomunicações e Aviação Civil. A composição governamental passa a contar também com a nova Secretaria de Estado das Aldeias Comunais.
O comunicado de Samora Machel descreve as “medidas de reorganização” como meios para garantir que o aparelho de Estado ao nível central e ao nível local assumam o papel de instrumento principal para a aplicação das políticas”.
Pelo seu lado, o documento divulgado pelo Comité Permanente da Frelimo apresenta o argumento de que “o reforço do papel dirigente do partido sobre o Estado e a sociedade constitui uma exigência inadiável da luta pela edificação do socialismo na República Popular de Moçambique”. Jacinto Veloso, Armando Guebuza e Sérgio Vieira são “promovidos” à categoria de ministros.
A embaixada nota a “nova situação de Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo, desligados das tarefas da governação e que se retiram, por assim dizer do ‘olimpo’ do partido, a fim de se poderem dedicar inteiramente, segundo explicação oficial, a mais altas responsabilidades”.
Em meados de abril, o presidente do African American Institute, o norte-americano Donald B. Easun visita Moçambique onde se reúne com elementos do governo.
No país é realçado que Easun, quando desempenhou as funções de subsecretário de Estado para os Assuntos Africanos, opôs-se, “no que viria a ser secundado pelo Congresso, à intervenção da CIA (serviços de informações norte-americanos) em Angola, que seria preconizada pelo então secretário de Estado, Henry Kissinger.
Maio
Mais nacionalizações à vista
Um despacho conjunto dos ministros da Indústria e Energia e das Finanças determina a “reversão para o Estado das partes sociais e direitos delas emergentes” de várias empresas do setor das pescas: Impescal, Promor, Moma, Copesca, Emopesca, Camaroner, Arpem, Amil e Marterra.
São evocadas as “habituais” razões para casos deste género: prática de atos lesivos para a economia nacional e abandono por parte dos proprietários.
Em virtude do anúncio, o embaixador pede ao conselheiro comercial da embaixada que procure obter informações que permitam avaliar em que medida terão sido afetados interesses portugueses ligados às empresas em causa.
A 06 de maio, o ministro dos Negócios da República Popular da China, Huang Hua, visita Maputo, mas a imprensa trata a deslocação de forma discreta. Segundo a embaixada, Huang Hua visita Moçambique depois de se ter estado presente nas comemorações da proclamação de independência do Zimbabwe (18 de abril), mas existe também o propósito de “sondar as perspectivas de reaproximação entre Pequim e Maputo”.
A 21 de maio, o embaixador dos Estados Unidos revela ao embaixador de Portugal que é possível que Washington pode levantar em breve as restrições impostas pelo Congresso norte-americano que impediam a concessão de “Development Aid”.
Até ao momento, o governo dos Estados Unidos só estava autorizado a conceder “Ajuda Alimentar”, ao abrigo da lei que permite a utilização de uma parte dos excedentes de produtos agrícolas para auxiliar os países necessitados.
O embaixador norte-americano refere ainda que no mês de junho iria ter lugar uma conferência em Boston, “reunindo homens de negócios americanos e representantes dos governos africanos ‘lusófonos’”.
No final do mês de maio chegam à embaixada de Portugal informações sobre uma “grande batalha” na região de Espungabera entre as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) e “as forças da resistência”
Na transmissão “confidencial” lê-se que “contrariamente à expectativa inicial das autoridades moçambicanas, a atividade da ‘resistência’ tem continuado muito activa nas províncias de Manica e Sofala, mesmo depois de ter cessado, tanto quanto se sabe, o apoio recebido do exterior”.
Apesar do fim do apoio do regime de Ian Smith à ‘resistência’, o embaixador informa de que se fala de “centenas de mortos de ambos os lados e milhares de refugiados que teriam atravessado a fronteira e penetrado em território do Zimbabwe para fugir à zona dos combates”.
O mesmo aerograma dá conta de concentração de “milhares de tropas” governamentais em Manica e que os ‘Migs’ (aviões militares de fabrico soviético) que se encontravam em Nacala tinham sido transferidos para a cidade da Beira, “tendo sido vistos várias vezes a sobrevoar a cidade”.
“Tudo leva a crer que pode estar em curso uma ofensiva de grande envergadura para tentar ‘limpar’ as forças da ‘resistência’ baseadas em Espungabera e Gorongosa”, informa a embaixada que admite que Maputo pode vir a pedir ajuda militar ao novo Estado do Zimbabwe.
Junho
Nasce o metical, Cunhal visita Maputo
Após a primeira semana de junho chega ao fim a visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil. A embaixada destaca os encontros entre o ministro brasileiro e a ministra da Educação Cultura, Graça Machel e com o chefe da diplomacia moçambicana, Joaquim Chissano, que formulou desejos no “estreitar das relações independentemente dos regimes políticos”.
Trata-se da primeira visita de um ministro de Estado brasileiro a Moçambique que destacou o aumento das relações comerciais desde 1978, ou seja, desde o momento que o governo de Brasília começou a conceder “certas facilidades de crédito”.
O telegrama da embaixada portuguesa sublinha que Moçambique importou desde essa altura mais de “cem milhões de dólares de equipamentos ferroviários, camiões, autocarros, tratores e diversos bens de consumo”.
“As empresas brasileiras estão a fazer estudos relacionados com projetos de obras de regadio e complexos agroindustriais nos vales do Limpopo e do Pungue e em outros pontos das províncias de Gaza e da Zambézia”, sublinha o aerograma.
A 16 de junho, é anunciada a criação da nova moeda denominada “metical” que entra “imediatamente” em circulação.
“O metical tem o mesmo valor que o antigo escudo moçambicano e apresenta-se sob a forma de notas e moedas. As notas têm o valor facial de mil, quinhentos, cem e cinquenta meticais. As moedas têm o valor facial de vinte, dez, cinco, dois e meio, um metical e ainda cinquenta centavos”, explica a embaixada de Portugal.
A embaixada acrescenta que a introdução da nova moeda já era esperada há muito tempo e sucede a uma outra medida económica “recentemente tomadas” como a proibição de as empresas manterem em caixa mais do que um pequeno montante de numerário e a obrigatoriedade de depositarem em contas bancárias todas as disponibilidades liquidas.
“No seu discurso, o presidente referiu-se expressamente ao nome da nova moeda que deriva da unidade monetária usada em parte do actual território de Moçambique ‘antes da conquista colonial’, pelo que a escolha deste nome seria ‘uma afirmação de dignidade histórica multissecular do povo moçambicano’ e, lembrou, por outro lado que a data escolhida para o lançamento da nova unidade monetária era a do ‘vigésimo aniversário do massacre colonialista de Mueda”, detalha o embaixador.
As notas de cem meticais reproduzem numa das faces a imagem do primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane e as notas de mil meticais, a do presidente Samora Machel.
Dois dias depois chega a Maputo o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal que anuncia visitas a “várias unidades de produção” além de conversações com dirigentes da Frelimo para o “aprofundamento das relações” já existentes entre os dois partidos.
No discurso que iniciou o encontro, Samora Machel afirma que o PCP e a Frelimo estão “em trincheiras diferentes”, mas que ambos defendem a mesma causa: “A erradicação de toda e qualquer forma de exploração, colonialismo ou imperialismo, pela construção do socialismo.”
“As declarações de Álvaro Cunhal reproduzidas na imprensa têm-se caracterizado, até agora, por extrema prudência, não descendo nunca do plano das generalidades”, sublinha a transmissão da embaixada sobre a visita do secretário-geral do PCP.
A 23 de junho, é recebido em Maputo pelo presidente Samora Machel o secretário-geral da Frente Polisário, Mohamed Abdelaziz que, durante a visita, acusa diretamente a África do Sul de fornecer material bélico “ao regime de Rabat” (Marrocos).
Antes do fim do mês, a embaixada dá conta da prolongada conferência constitutiva da Associação Moçambicana de Solidariedade para com os Povos (AMASP) que reuniu, entre outros, representantes da OLP, ANC, Frente Polisário, Fretilin e o ‘Comité de Apoio” da Suécia.
Segundo os estatutos, a nova organização propõe-se a “apoiar a luta de todos os povos contra o imperialismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o fascismo, o racismo, o ‘apartheid’ e o sionismo, estando aberta à participação de todos os cidadãos moçambicanos com mais de 18 anos”.
De acordo com a informação da embaixada, a nova organização, “formalmente distinta do aparelho partidário”, vem proporcionar um “conveniente instrumento de ação política, através da qual poderá canalizar uma parte do apoio prestado aos movimentos de libertação, nomeadamente ao Congresso Nacional Africano (ANC) e à Swapo, da Namíbia, sobretudo nos casos em que, por razões óbvias, possa preferir não aparecer a fazê-lo directamente”.
Agosto
Seca e ajuda de emergência
Em telegrama “confidencial” enviado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, o embaixador pede para que seja considerada a possibilidade de uma oferta de alimentos a Moçambique, a título de “ajuda de emergência” devido à situação “catastrófica” provocada pela seca.
“A situação é apresentada como extremamente grave e o Notícias de Maputo fala mesmo de ‘fome generalizada em muitas províncias do país’”, alerta Nunes de Carvalho.
“Em alguns distritos de Inhambane, a população refugiou-se nas florestas à procura de frutos silvestres e até estes já começariam a escassear, segundo o mesmo jornal. No decurso da operação de recenseamento geral da população recentemente concluído levantaram-se sérias dificuldades em algumas dessas regiões, justamente por as populações se terem dispersado pelo mato em busca de alimentos”, acrescenta a embaixada citando a imprensa de Maputo. A seca afeta sobretudo Inhambane e Manica.
Ainda em agosto, a embaixada dá conta da visita do “oficial na reserva, Otelo saraiva de Carvalho” noticiada pela imprensa da capital.
“Nas breves declarações que, segundo jornal, teria feito ao desembarcar, (Otelo Saraiva de Carvalho), limitou-se a dizer que quanto aos objectivos da visita, que ela se destina a ‘contactar velhos amigos’ e a ‘fortalecer amizades em Moçambique’”, transcreve a embaixada no dia 27 de agosto.
Setembro
Samora do outro lado da cortina de ferro”
Samora Machel visita a Bulgária, a República Democrática da Alemanha e a Roménia. No decurso das viagens sobressaí “com clareza” a identidade de pontos de vista comuns sobre questões internacionais.
“Foram constantes as afirmações de apoio à SWAPO; condenação do regime do apartheid e apoio ao ANC; solidariedade para com a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e inquietação face à instalação de novos mísseis da NATO na Europa”, entre outros assuntos. A embaixada destaca igualmente ao alinhamento de Maputo em relação à intervenção soviética no Afeganistão.
Quanto a resultados práticos, o embaixador escreve que os acordos de cooperação mais firmes foram assinados com a RDA.
Enquanto decorre a deslocação do chefe de Estado moçambicano aos países do Bloco de Leste, conhecem-se, a 05 de setembro, novos contornos sobre as relações comerciais entre Londres e Maputo. “Lord Jelice, ex-membro do governo britãnico e atualmente presidente da administração da empresa inglesa Tate and Lyle (produtora de maquinaria e equipamento para a indústria açucareira), tem estado em Moçambique a negociar com as autoridades a conclusão de diversos contratos, visando designadamente a recuperação daquele setor da economia moçambicana”, relata a embaixada de Portugal.
Segundo o telegrama enviado para Lisboa, “tudo leva a crer que a Sena Sugar Estates deverá ser a principal beneficiária do provável êxito, em que o industrial se mostrou confiante”. “Não será muito arriscado conjecturar que o empréstimo contraído recentemente em Londres pelo Banco de Moçambique, ao possibilitar o substrato de apoio financeiro à importação de produtos e tecnologias britânicas, não pode deixar de ter contribuído decisivamente para o arranque e concretização destas negociações”, considera a embaixada portuguesa.
Apesar das ligações com os satélites de Moscovo e o alinhamento político de Maputo que mantém todas as ligações com a União Soviética, a embaixada sublinha, em agosto, que se verifica um “incremento” das relações com a França, Inglaterra e Itália e que continuam a “chegar numerosos sinais” sobre o desenvolvimento da cooperação com Portugal.
“Este governo encontra-se empenhado numa ofensiva diplomática em várias frentes, com objetivo de obter auxílio económico onde quer que isso se mostre possível sem abdicar contudo das opções ideológicas no plano interno, e no plano externo, a fidelidade essencial ao ‘campo socialista’”, escreve o embaixador José Cutileiro em telegrama enviado para Portugal.
Para colmatar as dificuldades na agricultura, Maputo recebe ajuda da Suécia, da Jugoslávia, Hungria, das Nações Unidas e da Federação Luterana Mundial.
Neste contexto, a 19 de setembro, em telegrama “urgente e confidencial” ,a embaixada insiste que Portugal deve prestar ajuda a Moçambique “em géneros e bens”. “Julgo que donativo e oferta de auxílio técnico e empréstimo em condições excecionais constituiriam contribuição de vulto e ajudariam a recuperar o bom teor das relações”, alerta a embaixada.
No aerograma “confidencial” n.º 300/1980, a embaixada transmite informações sobre as cerimónias que assinalaram o início da luta armada da Frelimo e que ficam marcadas pela atribuição de patentes e promoções militares.
“O presidente foi nomeado marechal. As duas patentes imediatamente inferiores (general do Exército e coronel-general) não foram preenchidas e a seguir surgem três tenentes generais: Alberto Chipende, ministro da Defesa; Sebastião Mabote, Chefe do Estado-Maior e Armando Guebuza, comissário político nacional para as Forças Armadas”, escreve a embaixada.
“O elogio ao presidente foi feito por Guebuza ma as insígnias de marechal foram-lhe impostas por Marcelino dos Santos”, realça o embaixador.
Outubro
Presidente de Angola em Maputo ituação política
No início do mês, o presidente angolano, José Eduardo dos Santos, é recebido por Samora Machel na cidade da Beira.
Segundo a imprensa, os dois chefes de Estado discutiram assuntos relacionados com a África Austral.
A 16 de outubro, o embaixador de Portugal é recebido no MNE moçambicano para uma reunião sobre a proposta de ajuda humanitária que tinha sido apresentada por Lisboa.
“Na parte respeitante à assistência técnica com vista à recuperação de equipamento de captação de água, os moçambicanos pedem-nos que enviemos equipas técnicas (…) que iriam trabalhar no terreno durante seis meses nas diversas regiões mais atingidas pela seca: províncias de Gaza; Inhambane; Manica e Tete”, destaca o embaixador.
Novembro
Samora: e agora a União Soviética
Em transmissão “confidencial” datada de 04 de novembro, a embaixada informa Lisboa que Samora Machel deve visitar a União Soviética no dia 17 devendo regressar à capital moçambicana no dia 27, data do início da conferência de doadores, participada por vários países ocidentais.
“Para obter apoios de Leste parece ser preciso fazer as profissões de fé socialistas a que temos assistido”, escreve o embaixador Cutileiro acrescentando que para a embaixada soviética em Maputo, o país deveria aderir ao COMECON.
Segundo a embaixada, a União Soviética mostra sinais de preocupação em relação aos contactos de Maputo com países europeus e mesmo com os Estados Unidos, sendo que Samora vem insistindo na necessidade de investimento de Moscovo a nível regional.
“Tenho de boa fonte que presidente Machel disse há pouco a um estrangeiro amigo, de passagem em Maputo, que dos países de Leste não recebia um centavo, o que é coerente a exortação também recente que fez no mesmo sentido junto de Mugabe, no encontro de Quelimane, de que os ditos países deveriam investir mais na África Austral”, revela o embaixador sobre o estado das relações com Moscovo.
No dia da partida do presidente moçambicano para a URSS, a embaixada nota de que a vasta delegação não conta com a participação dos titulares da Defesa, “tendo em conta que é justamente no campo militar que a União Soviética tem vindo a concentrar os seus esforços em matéria de assistência e que é nesse campo que tem vindo a desempenhar um papel reconhecidamente importante”.
Ainda em novembro, e a propósito de um encontro com a diplomacia de Paris, Samora Machel afirma-se muito interessado na cooperação francesa e no incremento das relações económicas entre Moçambique e os países da Comunidade Económica Europeia (CEE).
No entanto, o chefe de Estado, de acordo com o conselheiro da embaixada de França, adverte que não está disposto a renunciar às convicções ideológicas ou posições políticas:
“Tanto internamente, como em matéria de política externa, os moçambicanos não tinham intenção de aderir à convenção de Lomé que não passava de ‘um arranjo de inspiração neocolonialista’ contrariamente ao COMECON ‘onde todos eram iguais’”, relata o embaixador após contactos com o diplomata francês.
“Os moçambicanos continuam assim, aparentemente, a acreditar que podem ter o melhor de ambos os mundos e os primeiros frutos já anunciados da conferência de Maputo (doadores), que está ainda a decorrer, parecem, até certo ponto, dar-lhes razão …” escreve o embaixador no telegrama “confidencial” nº 400/1980.
Antes do final do mês, o golpe de Estado na Guiné-Bissau, que derruba Luís Cabral, “surpreende” as autoridades de Maputo.
Dezembro
Golpe de estado na Guiné choca Samora
A 02 de dezembro, a embaixada de Portugal alerta Lisboa que a imprensa diária moçambicana anuncia a abertura do concurso internacional para a construção da “primeira fase de drenagem” da capital. O empreendimento é financiado pela Holanda.
A 03 de dezembro, Samora Machel está presente no encontro de chefes de Estado das antigas colónias portugueses em África, que decorre em Luanda, com “notória excepção” da Guiné-Bissau. Sobre o golpe de Estado em Bissau, a imprensa moçambicana reproduz as notícias publicadas em Cabo Verde destacando-se um texto com o título: “ A opinião internacional julgará os golpistas”.
A cimeira de Luanda decide enviar a Bissau uma delegação constituída pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.
“O golpe de Estado em Bissau chocou profundamente, ao que parece o chefe de Estado moçambicano, pelos laços pessoais e de amizade que ligam Samora Machel a Luis Cabral”, refere a embaixada.
“O encarregado de negócios de Inglaterra disse-me durante conversa que tivera com delegação do seu país que Machel interrompera, a certa altura, as sábias considerações de Neal Martin sobre o problema da ‘segurança alimentar’ das populações dos países da região e comentara ‘pensativamente’ que a falta de comida era o que tinha estado na origem da maioria dos golpes de Estado, nos últimos tempos, nesta parte do mundo”, relata o telegrama assinado por Nunes de Carvalho.
A 06 de dezembro, dois depois da tragédia de Camarate, o chefe de Estado moçambicano dirige-se à embaixada de Portugal para assinar o livro de condolências pela morte do primeiro-ministro português, Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa. “Ao povo português renovamos a expressão da nossa simpatia, neste momento de luto pelo falecimento trágico do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro”. A declaração é assinada por Samora Moisés Machel.
Zimbabwe
O fim de Ian Smith
O regime de Salisbúria liderado por Ian Smith desde 1965 chega definitivamente ao fim após a conclusão dos encontros de Londres que põem termo uma guerra que fez pelo menos 27 mil mortos.
Em 1980 regista-se o regresso definitivo dos políticos da oposição e dos movimentos de resistência à capital colónia britânica da Rodésia do Sul e a realização de eleições gerais no primeiro trimestre do ano dão à vitória à ZANU.
A independência é proclamada a 18 de abril, ao som de Bob Marley e as fronteiras com Moçambique são reabertas assim como é restabelecido o acesso aos portos marítimos moçambicanos. Robert Mugabe continua no poder.
Em janeiro de 1980, Robert Mugabe, em entrevista ao Notícias de Maputo refere-se à situação dos portugueses que vivem na Rodésia, caso venha a assumir o poder após a declaração da independência da colónia britânica.
Mugabe afirma que os portugueses podem continuar a viver no país após a independência, mantendo a nacionalidade ou optando pela do Zimbabwe “conquanto respeitem a soberania” do novo Estado.
“O Notícias destaca que Mugabe teria feito importante ressalva para os mercenários que têm estado a combater nas forças do general Peter Walls, bem como para os da DGS (Direção Geral de Segurança) e outros protegidos do senhor Jorge Jardim, os infiltrados da FUMO (Frente Unida de Moçambique) e de Domingos Arouca”, transcreve a embaixada no telegrama nº58/1980, do dia 28 de janeiro.
“Quanto a estes, senhor Mugabe teria deixado claro, segundo o jornal, ‘convite para deixarem o país, antes que a ZANU-Frente Patriótica forme o governo e seja obrigada a expulsá-los dado que representam uma ameaça para a jovem democracia e para as relações de boa vizinhança com os Estados vizinhos”, acrescenta o telegrama.
Anteriormente, a embaixada destacava a importância que Samora Machel referiu sobre o restabelecimento das ligações telefónicas, com a Rodésia do Sul, prevendo-se para breve novas ligações aéreas e o restabelecimento do caminho-de-ferro.
Paralelamente continuam as críticas de Maputo e da Frente Patriótica sobre a “presença de tropas sul-africanas na Rodésia”, em total desrespeito pelos acordos de Londres.
Finalmente, no final de janeiro de 1980, Robert Mugabe regressa a Salisbúria, a partir de Maputo, sendo recebido “por um milhão de pessoas” segundo a imprensa moçambicana.
“Foi muito comentado círculo diplomático de Maputo o facto de não ter comparecido no aeroporto, a despedir-se do senhor Mugabe, nenhum representante de países do bloco soviético, à exceção de Cuba que se fez representar por um funcionário da embaixada”, realça a embaixada de Portugal em telegrama transmitido no dia 01 de fevereiro.
No final do mês de fevereiro, aviões britânicos da Royal Air Force desembarcam em Maputo cerca de 300 soldados moçambicanos que, infiltrados em território rodesiano desde 1978 e que “ao lado dos guerrilheiros da Frente Patriótica” participaram em combates contra as forças do regime de Salisbúria.
A cerimónia é presidida pelo chefe de Estado e culminou com um desfile das tropas pelas ruas da capital moçambicana.
“A intervenção moçambicana no conflito rodesiano é explicada não apenas como um ato de legítima defesa em resposta às incursões do Exército de salisbúria no território de Moçambique, mas também como cumprimento do ‘dever internacionalista’ em solidariedade com ‘a luta de libertação do povo do Zimbabwe’”, sublinha o telegrama da embaixada de Portugal.
No dia 04 de março de 1980, às 10:00, através da embaixada britânica, os diplomatas portugueses transmitem os resultados provisórios das eleições na Rodésia:
A ZANU-FP de Robert Mugabe consegue eleger 57 lugares no parlamento; a Frente Patriótica de Joshua Nkomo, 20 lugares e a UANC de Abel Muzorewa, 03 deputados.
A 06 de março, Moçambique saúda a vitória da ZANU e em mensagem endereçada a Robert Mugabe, o chefe de Estado moçambicano relembra “o apoio governamental à luta armada do povo do Zimbabwe” e adverte para o perigo de “rutura da paz em toda a zona” caso se venha a concretizar “qualquer manobra” ou “ingerência exterior” que vise “por em causa a materialização da vontade do povo do Zimbabwe”.
A rádio Voz Africa Livre e as emissões da Voz da Qizumba são suspensas.
No final do mês de março o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS visita Moçambique sendo que as mudanças na Rodésia são ponto importante de análise entre os dois países.
O papel de Maputo no processo rodesiano é elogiado na imprensa e pela comunidade internacional, contrastando com as posições de Moscovo em relação à Frente Patriótica do Zimbabwe.
“Não parece muito arriscado especular acerca das intenções soviéticas de recorrer aos bons ofícios de Samora Machel para tentar recuperar o terreno perdido em resultado do desastrado erro de cálculo cometido por Moscovo no caso do Zimbabwe e da atitude distante adoptada no passado em relação a Mugabe”, analisa Nunes de Carvalho.
A 10 de abril, é divulgada a composição da delegação oficial moçambicana às celebrações de independência do Zimbabwe, presidida por Marcelino dos Santos.
No dia 18 de abril, é proclamada a independência do Zimbabwe, pondo termo ao estado de independência unilateral da colónia britânica decretada por Ian Smith, em 1965.
Na cerimónia oficial de independência, na capital, atua o músico de reggae jamaicano Bob Marley que tinha gravado o tema “Zimbabwe” em 1979 para o álbum “Survival”.
A guerra na Rodésia fez 27 mil mortos segundo números oficiais.
Os transportes e telecomunicações entre os dois países são assuntos primordiais para os dois governantes que se referem igualmente à revitalização do oleoduto Beira/Umtali (Zimbabwe).
“Mugabe teria posto em relevo também estar já a ser utilizado o caminho-de-ferro da Beira para importações e exportações do Zimbabwe, dizendo que essa utilização deve ser ‘acelerada’ mas acrescentando que isso não implicaria a diminuição do uso de portos sul-africanos, tendo em conta o aumento previsível do tráfego de mercadorias”, sublinha a embaixada de Portugal.
Telegramas de 1979: Guerra e resistência
As transmissões da embaixada de Portugal em Maputo relatam, ao longo do ano de 1979, uma escalada no conflito entre Moçambique e a Rodésia, ao mesmo tempo que decorrem as conversações de Londres com vista ao cessar-fogo e ao fim do regime de Ian Smith em Salisbúria. Os ataques da Rodésia, com participação de mercenários portugueses, em solo moçambicano, aumentam da mesma forma que se vai implantando a “resistência moçambicana” apoiada por Salisbúria.
Finalmente, o êxito à mesa das negociações de Lancaster House, no Reino Unido, levam Samora Machel a decretar em dezembro a abertura das fronteiras com a Rodésia, dando início a uma nova era na história da África Austral.
Do ponto de vista interno, 1979 fica marcado pelo agravamento da economia, provocada pela guerra, pela “economia planificada” e pela ação direta da Frelimo no “setor agrícola” em todo o país.
Em 1979, é decretada por Samora Machel a instauração da pena de morte, aplicada várias vezes contra atos de “traição” e “mercenarismo”.
Janeiro
Apelo à “resistência popular e nacional”
A 09 de janeiro, a embaixada de Portugal em Maputo nota o “silêncio” das autoridades acerca dos últimos ataques da Rodésia e “de outros elementos não identificados” em particular nas províncias.
Pelo contrário, dias antes, regista a embaixada, os comunicados do Ministério da Defesa divulgava ações armadas desencadeadas em Tete, Manica, Sofala e Gaza com a imprensa oficial a classificar a situação como “verdadeira escalada”.
“Ataques, quer por bombardeamentos aéreos, quer por grupos de agentes do inimigo lançados por paraquedas e helicópteros contra objetivos civis e económicos”, referem as autoridades no princípio do ano de 1979.
Os comunicados oficiais incluem, além de informações sobre os locais onde se registaram ataques, mensagens ideológicas pela defesa da “revolução”, pela “firmeza das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM).
Maputo apela também à “resistência popular e nacional” contra as agressões do imperialismo que “pretendem liquidar a experiência socialista e o apoio concedido por Moçambique à luta de libertação do Zimbabwe”. No dia 10 de janeiro, o Notícias publica a captura de “três agentes do inimigo” responsáveis por um ataque contra um autocarro e um atentado à bomba na zona de Inchope.
“É a primeira vez que as autoridades admitem abertamente (tinham-no insinuado quando de ataque a uma aldeia comunal em Marromeu) semelhantes ações praticadas por elementos moçambicanos e não a grupos ‘infiltrados da Rodésia’”, transmite a embaixada.
“Começa aliás a generalizar-se entre o corpo diplomático a convicção de que o número de incidentes que se estão a verificar, e pela vastidão da área em que são praticados, só podem explicar-se pela conivência, ou mesmo pelo apelo das populações locais”, acrescenta o telegrama nº27/1979.
Em Maputo, na mesma altura, existe o receio de ataques contra as instalações da PETROMOC (Petróleos de Moçambique) que não terá sido efetuado “devido à oposição da África do Sul”.
Dois dias depois a embaixada dá conta de que um cruzador da Marinha de Guerra da União Soviética deixou o porto de Maputo. O consulado de Portugal na Beira acrescenta que “têm estado no porto da cidade três fragatas soviéticas e um navio de apoio”. A 16 de janeiro entra no porto de Maputo um navio de passageiros soviético que, segundo a embaixada, “não parece presumir que traga turistas”.
Em meados de janeiro, um telegrama “confidencial” confirma, “segundo fonte digna de crédito” a escalada do conflito em Tete, Manica e Sofala.
“A cidade de Tete estaria praticamente isolada, após a interrupção do caminho-de-ferro de Moatize e do controlo, por elementos armados hostis à FRELIMO, exercido nas vias de comunicação rodoviárias”, informa a embaixada acrescentando que o “estado de espírito” das populações “seria bastante mau”.
A embaixada sabe, entretanto, que os governadores provinciais de Tete, Manica e Zambézia são chamados de urgência a Maputo para reuniões com o chefe de Estado, Samora Machel.
A 24 de janeiro, a embaixada informa Lisboa que se deslocou a Maputo o norte-americano Sargent Shriver, democrata e casado com Eunice Kennedy, irmã do antigo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. “Segundo embaixador dos Estados Unidos os contactos tinham decorrido em bom ambiente e os moçambicanos mostraram-se receptivos à ‘Kennedy Magic’”, refere a embaixada.
Um dia depois, o Notícias publica na primeira página as informações noticiadas pelo Diário de Lisboa de que estariam a combater contra Moçambique cerca de 2.800 mercenários portugueses a soldo da Rodésia.
“Muitos são veteranos das guerras de agressão coloniais contra os povos de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau”, acrescenta o jornal de Maputo.
Fevereiro
Samora: “O imperialismo é o nosso inimigo”
No início do mês de fevereiro, Samora Machel discursa perante o bureau de coordenação dos não-alinhados, reunido em Maputo.
De acordo com o embaixador, convidado a assistir aos discursos, o chefe de Estado moçambicano disse que foi feita “a definição clara do inimigo”. “O imperialismo é o nosso inimigo. Inimigo económico, inimigo militar, inimigo político, inimigo cultural”, afirmou Machel, debruçando-se, sobretudo, na situação da África Austral e que impede a “libertação completa do Zimbabwe, da Namíbia e da África do Sul”.
“Tive conhecimento que o texto do ante projeto moçambicano continua a conhecer dificuldades”, refere a embaixada de Portugal acrescentando que o “tom duro” e “anti Ocidental” de Machel não terá sido do agrado de todas as delegações.
“Consta que a delegação da Jugoslávia estaria a constituir-se como ‘chefe de fila’ das delegações que se opõem à versão do documento apresentado pelos moçambicanos”, acrescenta a embaixada.
A 17 de fevereiro, a embaixada obtém de “fonte fidedigna” informações sobre um atentado à bomba contra um edifício na Vila de Namaacha, na fronteira com a Suazilândia, ocupado por elementos do Zimbabwe. Não se registaram vítimas mas o edifício ficou destruído pela força da explosão de quatro bombas.
Outros atentados do mesmo género são referenciados em Xai-Xai e Chimoio.
Março
“Agressões rodesianas” chegam à ONU
A 02 de março, é comunicado que o grupo africano nas Nações Unidas pediu uma reunião do Conselho de Segurança para “apreciar” as “agressões rodesianas” contra “países da linha da frente”.
A meio do mês, um comunicado do Ministério da Defesa divulga o ataque da aviação da Rodésia contra a cidade de Chokwe (antiga Trigo Morais), em Gaza, atingindo também um aquartelamento das FPLM na mesma província.
A embaixada sublinha que o ataque é o “mais próximo” da cidade de Maputo registado até ao momento.
Em aerograma “confidencial” datado de 15 de março, a embaixada transmite dados sobre novo ataque aéreo em Chokwe que terá feito 16 mortos e seis feridos.
“Segundo casal de portugueses que ali trabalham e que hoje compareceram na embaixada e que afirmam recear regressar aquela localidade, disseram que o primeiro ataque limitou-se ao ataque de um avião que metralhou um quartel depois de ter sobrevoado a povoação”, refere o telegrama sublinhando que mais tarde se verificaram bombardeamentos contra aquartelamentos.
“O número reduzido de vítimas pode ser explicado pelo facto de os soldados terem fugido ao primeiro sinal de aproximação dos aparelhos. A defesa antiaérea só entrou em ação cerca de 20 minutos após os ataques”, relataram as testemunhas. A mesma transmissão inclui ainda um outro raid da aviação de Salisbúria.
“Acabam de informar-nos que Chibuto foi sobrevoado esta manhã, o que causou grande pânico”, conclui o telegrama.
Uma outra nota “confidencial” da embaixada comunica eventuais atos de sabotagem. “Segundo fonte segura, arderam em Namacurra mais de 250 toneladas de algodão de primeira qualidade que estavam para ser exportadas para Hong Kong. A perda em divisas para Moçambique equivale a cerca de 15 mil contos”, informa o telegrama.
Segundo a mesma transmissão, “a sabotagem, pois o algodão estava empacotado e prensado, estado em que não seria muito inflamável”, pode ligar-se à campanha da “Voz África Livre” (canal radiofónico da Rodésia em português), incitando as populações a cometerem atos de sabotagem contra objetivos militares, económicos e meios de transporte.
“Parece que na área ao norte de Quelimane (Zambézia), onde se situa Namacurra, existe grande descontentamento contra as autoridades, mas é a primeira vez que se verifica incidente deste tipo”, refere a embaixada.
A 19 de março, uma outra transmissão “confidencial” e que inclui informações recolhidas pela embaixada confirma novo ataque rodesiano contra o Dondo que “teria sido violento e causando grandes estragos”.
No final de março, uma mensagem “confidencial” recolhe informações sobre os efeitos que a queda do governo britânico pode causar ao “Caso Rodésia”.
“O embaixador da Nigéria disse-me ontem à noite que não pensava que a senhora Thatcher, se o Partido Conservador viesse a vencer as eleições, reconhecesse o governo de Salisbúria no quadro do ‘acordo interno’, pois isso significaria ‘sem dúvida’ o fim da Commonwealth”.
De acordo com a análise da embaixada o “simples facto de os conservadores subirem ao poder” no Reino Unido teria um efeito psicológico “muito importante” dando novo ânimo às forças que se opõem ao “movimento de libertação”.
Abril
Aviões sul-africanos sobre Maputo
Em abril, os chefes de Estado de Moçambique, da Tanzânia e da Zâmbia reúnem-se em Nampula para “consultas regulares” sobre cooperação, mas a situação na África Austral é um assunto sempre presente.
No dia 10 de abril, mensagem “confidencial” da embaixada informa que aviões de reconhecimento sul-africanos têm realizado, “nos últimos tempos”, voos de grande altitude sobre a cidade de Maputo, facto que tem “causado grandes preocupações às autoridades” moçambicanas.
A 12 de abril, informações coligidas pela embaixada indicam que a última cimeira da Linha da Frente, em Dar-es-Salam teria tido como objetivo conseguir a unidade da Frente Patriótica do Zimbabwe antes da realização das eleições na Rodésia marcadas para o próximo dia 20.
“O referido objectivo teria sido frustrado pois, enquanto a ZAPU (consciente de ser a menor força política) teria insistido na unificação total com a ZANU que, por sua vez insiste apenas na convergência nos sectores da Defesa, Diplomacia e Informação, conservando autonomia para ambos os movimentos na expectativa de futuras eleições”, escreve a embaixada.
A 16 de abril, é anunciada a condenação à morte de “mais dez reaccionários”. Os condenados são seis moçambicanos e quatro rodesianos, sendo que cinco são fuzilados um dia depois, de acordo com notícias transmitidas pela Rádio Moçambique.
A 17 de abril, é avistado a entrar no porto de Maputo um cruzador soviético da classe Kara. “Trata-se do mais moderno e poderoso navio de guerra soviético depois do porta-aviões Kiev”, sublinha a embaixada de Portugal.
No porto de Nacala encontra-se um porta-helicópteros da flotilha da União Soviética a que pertence o cruzador aportado em Maputo.
A 24 de abril, a aviação da Rodésia atinge Mapai e Mabalane, em pontos cada vez mais próximos da capital moçambicana.
Maio
Ataques a 45 km de Maputo
No dia 02 de maio, “informações não confirmadas” indicam que um comando rodesiano teria atacado um alvo próximo de Moamba, situado a apenas 45 quilómetros de Maputo, junto à estrada e à linha de caminho-de-ferro que fazem ligação à África do Sul.
No mesmo dia, Samora Machel anuncia na capital a criação do Tribunal Militar Revolucionário para “punir severamente as acções criminosas dos agentes inimigos”.
“Queremos que o inimigo produza mais criminosos e nós os puniremos. Não importa de onde venham. Venham da Inglaterra, venham da Alemanha, venham da França, venham da Espanha ou de Portugal”, afirma Machel.
A 07 de maio, o embaixador britânico diz ao embaixador português que a Tanzânia “quase desesperava” na tentativa de conseguir a aproximação entre Nkomo e Mugabe, sendo que a situação interna da Frente Patriótica do Zimbabwe é caracterizada “pela divisão e pelos desentendimentos” entre os movimentos que a compõem”.
Junho
Secreta prende grupo contra-revolucionário
A notícia da captura de um grupo contra revolucionário pelos serviços secretos moçambicanos (SNASP) surpreende os meios diplomáticos e políticos da capital. “O grupo preparava-se para realizar actos de terrorismo e sabotagem no dia 25 de junho (data da independência) incluindo atentados ‘contra a vida de dirigentes da revolução moçambicana’”, relata o telegrama datado do dia 29 de junho de 1979 que transcreve o comunicado das autoridades.
“As investigações demonstraram que aquele grupo de assassinos contra revolucionários recebia periodicamente instruções dos serviços secretos imperialistas baseados na colónia britânica da Rodésia do Sul e na África do Sul, onde têm bases de subversão contra o nosso país”, indica a nota do SNASP.
Para a embaixada, a revelação destes factos causou “certa surpresa nos meios diplomáticos”, que sublinha a “forma pouco habitual como a África do Sul é posta em causa”.
De acordo com o telegrama, não se exclui a hipótese de que a forma como é feito o anúncio possa estar relacionada com “algum acontecimento grave em preparação no âmbito da política interna”.
O embaixador recorda que ainda não foram revelados os nomes dos membros do Comité Central da Frelimo e dos deputados da Assembleia Popular atingidos pelas medidas que tinham sido anunciadas recentemente em Maputo sobre eventuais afastamentos.
Julho
Notícias sobre “agentes inimigos” e “grupos traidores”
Em telegrama “confidencial” com data de 11 de julho são transmitidas para Lisboa os anúncios da descoberta de “agentes inimigos” na SHER, onde teria sido colocada uma bomba no refeitório.
Por outro lado, é capturado em Tete, um espião que em colaboração “com outros grupos traidores e mercenários de várias nacionalidades” teria estado no Malawi onde recebeu apoio para desencadear ações terroristas contra Moçambique.
“Trata-se da primeira vez que o SNASP refere abertamente o apoio do Malawi a grupos hostis à Frelimo”, vinca a embaixada. No mesmo aerograma a embaixada escreve que um “ex-comandante da Frelimo passado para a ‘resistência’ teria dado uma entrevista a uma televisão sul-africana e a jornalistas internacionais dentro de território moçambicano”.
A 26 de julho, o Notícias publica informações sobre a existência de “150 mil refugiados do Zimbabwe” em Moçambique.
Maputo refere que está a enfrentar dificuldades para prestar apoio aos refugiados, cujo número aumentou desde o mês de março.
Agosto
Bombas em café e guerrilha
No dia 06 de agosto, é referido pela embaixada que corre o “rumor” de que teriam sido atacados e destruídos vários veículos militares que transportavam tropas para Inhambane e que quatro cooperantes soviéticos tinham sido mortos numa emboscada perto da cidade da Beira.
“Constou-nos também que teria rebentado uma bomba num café de Chimoio e várias bombas em Manica, em instalações ocupadas por cooperantes da RDA, ali deslocados para trabalhos de prospeção de geologia, mas que não causaram vítimas”, escreve a embaixada acrescentando que teria sido destruída uma base de guerrilheiros “da chamada resistência” na serra da Gorongosa.
No dia 09 de agosto, chega a Maputo, o primeiro-ministro da Jamaica, Michael Manley, vindo de Lusaca, a convite de Samora Machel.
“Parece evidente que o tema principal das conversas que o senhor Manley vai manter com os dirigentes moçambicanos não poderá deixar de ser a questão do Zimbabwe à luz dos resultados da conferência da Commonwealth, em que, segundo informações que aqui nos chegam, o senhor Manley teve uma participação muito ativa para que fosse possível um consenso final”, transmite a embaixada de Portugal.
Já anteriormente, o chefe do governo de Kingston tinha afirmado que tinha sido dado um “passo muito importante para a solução do problema do Zimbabwe” e que teriam sido lançadas as “bases para se alcançar uma paz justa”.
A 20 de agosto, uma mensagem “confidencial” citando fontes “com diversos graus de credibilidade” indicam o incremento das operações de “guerrilha” e atividade dos “movimentos de oposição armados” contra o governo.
O aerograma chama a atenção para as informações recolhidas pelo consulado da Beira sobre incidentes ocorridos na província de que se “destaca a operação desencadeada pelas FPLM na zona da Gorongosa, envolvendo cerca de três mil soldados, incluindo ‘cooperantes militares’ russos e cubanos com o objetivo de alcançar a base da ‘resistência nacional moçambicana’ e que teria resultado em desastre para as forças governamentais”.
Setembro
Armas e ataques no Vale do Limpopo
Um comunicado do Ministério da Defesa publicado na imprensa e destacado pela embaixada refere ataques rodesianos na zona do Limpopo.
De acordo com as Forças Armadas, um dos helicópteros que transportava soldados da Rodésia foi “prontamente abatido”, apesar de a operação de Salisbúria contar com o apoio da aviação (“aviões Mirage”, de fabrico francês, precisa o comunicado).
O mesmo documento do Ministério da Defesa, datado de 06 de setembro, sublinha que o ataque foi desencadeado devido à “proximidade da realização da conferência de Londres” sobre a questão do Zimbabwe.
Na região do Vale do Limpopo, de acordo com “informações colhidas de várias fontes”, teriam sido concentradas nos últimos tempos grandes quantidades de armamento, “designadamente armas antiaéreas relativamente sofisticadas, incluindo mísseis terra-ar”.
“O encarregado de negócios da embaixada do Reino Unido, com quem falamos ainda esta tarde, mostrou-se surpreendido com esta iniciativa de Salisbúria, não tendo, aparentemente fornecido qualquer informação segura sobre possível significado político”, acrescenta o embaixador sobre os confrontos no Limpopo.
No dia seguinte, a embaixada transmite dados sobre a continuação dos combates no Limpopo com base em informações do Ministério da Defesa de Moçambique que divulgou os locais atingidos pelos ataques das tropas helitransportadas da Rodésia.
“Campos de refugiados rodesianos e diversos alvos de natureza económica teriam sido seriamente atingidos. Por outro lado, os refugiados estariam procurando refúgio junto à costa, a sul da zona atingida”, acrescenta o telegrama.
Outubro
Pontes destruídas em Tete
A 17 de outubro, são divulgados ataques da Rodésia na província de Tete, destruindo três pontes sobre o rio Mcondezi.
“Informações de um porta-voz do Estado Maior General das FPLM, a aviação rodesiana teria atacado igualmente o caminho-de-ferro que liga a Zâmbia à Tanzânia (linha “Tazara”) comentando que os ataques se enquadram na estratégia de Salisbúria que procuram atingir a economia dos países da linha da frente”, nomeadamente através da destruição de vias de comunicação.
No dia 24 de outubro, sabe-se que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, recebeu o enviado especial britânico, Richard Luce, em digressão pelos países da linha da frente, para consultas sobre a questão do Zimbabwe mas, sobretudo, acerca das propostas apresentadas na conferência de Londres, pelo Reino Unido.
Novembro
RDA faz donativo de material militar
Finalmente, a 05 de novembro, o governo de Maputo pronuncia-se sobre a conferência de Londres que reúne as partes em confronto na colónia da Rodésia do Sul. Para Maputo, o apoio político e militar à Frente Patriótica (ZANU e ZAPU) é incondicional e critica a “ambiguidade” das propostas “vagas” que foram apresentadas pelo Reino Unido.
Moçambique acusa a diplomacia britânica de “ameaças, pressões, e imposições” contra a Frente Patriótica fazendo, “deste modo, perigar os resultados da conferência”.
No mesmo dia, o Estado Maior das Forças Armadas Moçambicanas informa que as forças rodesianas que se tinham instalado na Gorongosa tinham sido aniquiladas tendo sofrido 100 mortos e 22 feridos. “Os efetivos da força rodesiana totalizariam praticamente um batalhão, incluindo oficiais brancos e mercenários de várias nacionalidades e alguns traidores moçambicanos”, refere o comunicado militar.
O jornal Notícias publica também uma reportagem que refere, através de declarações de “prisioneiros”, a retirada por helicóptero de “seis oficiais rodesianos brancos e mercenários de várias nacionalidades, incluindo portugueses”.
A 14 de novembro, é anunciado um “donativo” de material de guerra por parte da RDA à República Popular de Moçambique.
Do ponto de vista diplomático, a imprensa destaca os desenvolvimentos da conferência de Londres sobre o Zimbabwe: “O acordo alcançado em Londres é uma importante conquista para o povo do Zimbabwe”, escreve o editorial do Notícias acrescentando que o pacto “não é ainda a independência.”
“As forças do colonialismo, do racismo e da reacção internacional, derrotadas na frente militar e diplomática, multiplicarão agora as manobras para transformar essa derrota em vitória e procurarão outras formas, talvez mais subtis, de impedir o acesso do povo do Zimbabwe a uma independência genuína”, sublinha o mesmo texto publicado na imprensa oficial de Maputo.
O editorial conclui com a afirmação de que na presente fase “o apoio do povo moçambicano vai manter-se mais firme do que nunca pelo povo irmão do Zimbabwe”.
No mesmo dia, o embaixador analisa a situação à luz dos encontros de Lancaster House, sobre o Zimbabwe:
“É ainda cedo para avaliar devidamente qual é efectivamente a posição do governo de Moçambique perante a fórmula de compromisso agora encontrada mas talvez não se esteja longe da verdade se se disser que não será provavelmente isenta de ‘mixed feelings’ e que é natural o sentimento de satisfação e alívio perante a perspectiva sobre o termo da guerra que tão cara tem custado a este país e ao próprio regime, na medida em que, internamente, têm multiplicado causas de tensão entre o governo e a população e criado condições favoráveis ao alastramento da contestação armadas contra a Frelimo”, escreve o embaixador Nunes de Carvalho.
Na mesma análise é referido que a situação é “temperada” por uma certa apreensão quanto à possível configuração do governo que “poderá a vir a ser instalado em Salisbúria” e às condições que poderão vir a emergir da solução negociada.
“O que vier a passar-se na Rodésia dificilmente deixar de ter reflexos sobre a evolução política da África Austral e na própria situação interna de Moçambique”, alerta a embaixada de Portugal em Maputo.
A 19 de novembro, a imprensa moçambicana “deu mostras” de ter aceitado a proposta britânica apresentada em Lancaster House (conferência de Londres) para a obtenção do cessar-fogo na Rodésia.
O fim das conversações, que se prolongaram durante 10 semanas, leva mesmo o Notícias da Beira a escrever que a proposta “apresentada pela potência colonizadora” foi a melhor de todas.
Apesar do período “excessivamente curto” para a entrada em vigor do cessar-fogo existe “clima de esperança”, de acordo com o jornal publicado na cidade da Beira.
Por outro lado, o Notícias de Maputo, que sublinha a “vitória da Frente Patriótica”, demonstra preocupação sobre as conversações acerca da implementação do cessar-fogo, “por motivos óbvios para Moçambique, como a questão sobre o termo das agressões militares rodesianas contra países vizinhos, presença de mercenários estrangeiros no seio do actual regime de Salisbúria, acolhimento em território rodesiano de ‘forças contra revolucionárias’ e o emissor da Rádio Quizumba (em evidente alusão à ‘resistência nacional moçambicana’) e às emissões da Rádio África Livre bem como o regresso de refugiados do Zimbabwe ao seu país”.
A análise que a embaixada faz das notícias publicadas nos órgãos de comunicação social do Estado refere ainda que, segundo Maputo, são mais de 150 mil os refugiados em território moçambicano e que a Zâmbia e o Botswana vão ser convidados a “acordar os arranjos a serem estabelecidos em conjugação com o cessar-fogo”.
“É ainda, certamente, demasiado cedo para avaliar as medidas em que o governo moçambicano vai exercer pressão sobre a Frente Patriótica”, remata a transmissão da embaixada de Portugal.
A 23 de novembro, a imprensa oficial de Moçambique, em notícias acerca das conversações sobre os detalhes do cessar-fogo, acusa Londres de apenas se referir às agressões da Frente Patriótica contra Salisbúria sem nunca mencionar os ataques da Rodésia contra território moçambicano.
Três dias depois a embaixada informa Lisboa que os países da linha da frente estiveram reunidos na Tanzânia para discutir a questão do cessar-fogo na Rodésia, sendo que Moçambique foi representada pelo chefe de Estado, Samora Machel; o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano e pelo ministro dos Transportes, José Luís Cabaço.
Na conferência de imprensa, em Dar-es-Salam, tanto Mugabe (ZANU) como Nkomo afirmam que continuam a negociar o cessar-fogo mas que “não se vergam ao ‘ultimato’ britânico para apresentar de imediato uma resposta sobre a proposta detalhada”. Notaram-se as ausências da Zâmbia e de Angola.
“Os moçambicanos, após satisfação e otimismo manifestados com a obtenção do acordo sobre a fase de transição na Rodésia, parecem encontrar-se hoje em situação de certo embaraço e perplexidade perante rumo negativo que os acontecimentos estão a tomar, colocando-se em atitude de espectativa e sem adotar espetaculares tomadas de posição oficiais antibritânicas ou de encorajamento à intransigência por parte da Frente Patriótica”, analisa a embaixada.
No último dia do mês e sem qualquer comentário, o Notícias de Maputo, publica na primeira página o título: “Acordo iminente em Londres” sendo que a notícia refere que estão resolvidas quase todas as divergências sobre o cessar-fogo.
O texto acrescenta que a diplomacia britânica responde “satisfatoriamente” às preocupações da Frente Patriótica.
Dezembro
Diplomacia e desanuviamento com a Rodésia
Em pleno ambiente negocial sobre a questão rodesiana, Moçambique anuncia que o Tribunal Militar Revolucionário condenou 17 indivíduos que tinham sido acusados de crimes contra a segurança do povo e do Estado popular.
A transmissão “confidencial-urgente” de 06 de dezembro informa que 15 dos condenados teriam nacionalidade moçambicana, um seria rodesiano e outro natural de São Tomé e Príncipe.
“A pena de morte foi aplicada a quatro moçambicanos e ao rodesiano por crimes de alta traição, mercenarismo, terrorismo e espionagem relacionados com ações militares do ‘inimigo’”, escreve a embaixada.
Os restantes foram condenados a penas entre os dois e os 30 anos de prisão por atividades ligadas à ‘contra revolução’ (“a nomenclatura oficial parece ter sido entretanto adotada para designar o movimento ‘Resistência Nacional Moçambicana’”).
No dia 12 de dezembro, a embaixada faz notar que apesar dos jornais moçambicanos terem publicado uma notícia sobre um ataque aéreo de Salisbúria contra a Zâmbia não “foi feita qualquer alusão a ‘raids’ no interior” de Moçambique.
De acordo com a embaixada, os órgãos de comunicação social da África do Sul teriam noticiado ataques aéreos a Moçambique nos últimos dias.
No dia 24 de dezembro aterra no aeroporto da capital moçambicana um avião da Royal Air Force vindo de Salisbúria. “Segundo nos foi dito por elemento da embaixada britânica que se encontrava no aeroporto estava a bordo uma delegação de que faziam parte um adjunto do chefe do pessoal militar e um alto funcionário da administração civil do governo de Londres”, transmite a embaixada.
No mesmo aerograma “confidencial” a delegação regressa no mesmo dia à capital da Rodésia e teria vindo negociar com as autoridades moçambicanas pormenores sobre a implementação do acordo” de cessar-fogo.
No mesmo dia, o telegrama “urgente” nº 734, emitido às 15:35, informa Lisboa que durante um comício realizado no dia anterior em Maputo, o presidente Machel anunciou o levantamento das sanções contra a Rodésia por parte da República Popular de Moçambique a partir das 00:00 do dia 24 de dezembro.
“O presidente anunciou ao mesmo tempo que iam ser feitos todos os esforços para, o mais rapidamente possível, serem restabelecidas as comunicações telegráficas e telefónicas e normalizado o tráfego de pessoas e mercadorias entre Moçambique e o Zimbabwe”, sublinha o embaixador.
Cinco dias mais tarde, um aerograma “urgente-confidencial” transmite, com base em “meios bem informados” que está prevista a deslocação para Salisbúria de uma “importante delegação moçambicana, chefiada provavelmente pelo vice-ministro da Defesa Armando Guebuza, para tratar de problemas decorrentes da abertura da fronteira da Rodésia”.
No mesmo dia a embaixada emite novo telegrama sobre a presença de Robert Mugabe em Maputo, há vários dias, tendo em declarações ao Notícias denunciado a “presença de forças sul-africanas em território do Zimbabwe acusando o governo britânico de não honrar os compromissos assumidos em Londres.
“A Grã -retanha demonstra que está conivente com a África do Sul contra o povo do Zimbabwe e até mesmo contra o próprio acordo de Lancaster House”, afirma Mugabe.
Para o líder da ZANU, a presença de forças de Pretória na Rodésia tem como propósito o acompanhamento das futuras eleições para depois “atuarem”, caso o resultado “não lhes seja favorável”.
Mugabe, diz também que iriam ser necessárias mais do que as “duas semanas” previstas pelos britânicos para a implementação do cessar-fogo no terreno.
A três dias do final do ano de 1979, a Rádio Moçambique emite a notícia da morte do general da resistência do Zimbabwe Josiah Tongogara, figura histórica da luta contra o regime de Ian Smith. O militar morre num acidente de viação na província de Inhambane, Moçambique, na altura em que a viatura em que se deslocava embate na parte traseira de um camião.
A emissão radiofónica transmite uma biografia do comandante da ZANU e um elogio fúnebre “omitindo, naturalmente certos pontos delicados, como o papel que Tongogara teria desempenhado no assassinato de outro dirigente, em 1975, e o seu suposto envolvimento, já em Moçambique, na tentativa abortada de ‘golpe’ para afastar Robert Mugabe da presidência do movimento”.
“Segundo versão publicada em Moçambique, o comandante Tongogara seguia de Maputo para o Chimoio em missão relacionada com a implementação do acordo de cessar-fogo na Rodésia e que teriam morrido mais cinco militares da ZANU”, acrescenta o telegrama transmitido para Lisboa.
Num curto telegrama “confidencial” a embaixada de Portugal sublinha que o embaixador britânico, na capital moçambicana, “entre outras individualidades”, enviaram as condolências a Mugabe.
Nesse dia, a embaixada de Portugal, pede instruções a Lisboa sobre a “tomada de qualquer iniciativa semelhante”.
Prisão e libertação de portugueses
“Têm sido efectuadas muitas prisões de portugueses”
A questão dos portugueses presos pelo regime de Maputo continua, a par do que aconteceu em anos anteriores, a preocupar a diplomacia de Lisboa em Maputo que, em 1979, depois do retorno de milhares de pessoas desde a independência, regista menos de 10 mil cidadãos registados nos respetivos consulados.
No início do ano, a embaixada de Portugal informa Lisboa que se recensearam “cerca de quatro mil pessoas em Maputo e duas mil na Beira”.
“Quase 70 por cento dos recenseados são originários do Estado da Índia: com saída progressiva de pessoas de origem europeia, os naturais de Goa, Damão e Diu, e seus descendentes, podem vir a ser, em breve, a parte mais importante da comunidade portuguesa em Moçambique”, detalha o telegrama “confidencial” nº 116/1979 sobre os portugueses em Moçambique.
Antes, a embaixada dava conta de que “muitos portugueses” continuavam a ser expulsos e detidos pelas autoridades moçambicanas.
“Têm sido efetuadas muitas prisões de portugueses, em especial na Beira e em Nampula, nos últimos dois meses. No entanto, muitos dos presos têm sido libertados após poucos dias de prisão, segundo me informa o cônsul na Beira”, indica a embaixada de Portugal na capital moçambicana no dia 05 de janeiro.
A 12 de janeiro, nova transmissão sobre o mesmo assunto dá conta de que dois portugueses detidos em Quelimane são transferidos para Maputo de onde deverão ser “repatriados” através dos serviços consulares portugueses, por solicitação das autoridades moçambicanas.
No dia 19 de março, nova transmissão “confidencial” diz que o conselheiro da embaixada foi chamado ao MNE de Moçambique para o informar que “mais quatro cidadãos portugueses” detidos e cujos nomes constavam na lista entregue às autoridades poderiam ser libertados se estivessem reunidas todas as condições consulares para o repatriamento do mesmo grupo, constituído por empresários cujas empresas tinham sido, entretanto, nacionalizadas pelo Estado moçambicano.
A 03 de maio, o diretor administrativo e financeiro da SOGERE, de nacionalidade portuguesa, é detido no aeroporto de Maputo quando se preparava para embarcar para Lisboa.“Desconhecem-se, por enquanto, os motivos da captura, assim como não se sabe quem emitiu a ordem de captura”, refere o aerograma da embaixada.
A 16 de maio, a embaixada sabe pelos jornais que um português é condenado a quatro anos de cadeia por “crime de sabotagem por negligência”, o que suscita um protesto formal junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique.
“A embaixada de Portugal lamentar ter de apresentar o seu mais enérgico e veemente protesto contra o facto de não lhe ter sido oportunamente dado conhecimento da prisão daquele cidadão português, bem como de não ter sido proporcionada às autoridades diplomáticas e consulares portuguesas a oportunidade de o visitarem, ouvirem e prestarem a devida assistência”, indica o telegrama da embaixada.
Finalmente, a 16 de maio, a embaixada destaca a primeira visita autorizada por Moçambique a um preso português. “É, contudo, difícil avaliar se se trata de uma efectiva alteração quanto ao fundo do problema ou uma mera atitude esporádica imputável aos humores de algum responsável”, desabafa o embaixador sobre a visita à cadeia civil de Maputo.
Ainda no mês de maio, a embaixada é informada da prisão de dois sacerdotes católicos portugueses na Beira.
Em agosto, são libertados mais de 20 portugueses que se encontravam na cadeia de Maputo. O embaixador refere o assunto numa cerimónia protocolar a um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, a quem agradece a libertações dos cidadãos de nacionalidade portuguesa.
“O senhor Shafrudin Khan, visivelmente satisfeito, agradeceu as minhas palavras e disse-me, rindo, que iriam a continuar a trabalhar dessa forma até não haver mais portugueses presos em Moçambique – acrescentando porém logo a seguir, receando talvez que eu pudesse levar demasiado à letra a sua promessa, que, no que respeita à situação dos presos à ordem do SNASP (serviços secretos), continuavam a encontrar grandes dificuldades.
O mesmo telegrama “confidencial” nota que nunca tantos portugueses tinham sido libertados de uma só vez o que podia significar uma nova política por parte das autoridades. No entanto, o embaixador lamenta que os presos às ordens do SNASP continuam na cadeia por períodos prolongados, sem culpa formada e que os portugueses nestas circunstâncias não têm oportunidades de acederem a apoio jurídico e consular.
“Continuam assim a não ser observados os padrões mínimos da convenção de Viena e princípios universalmente reconhecidos pela comunidade internacional”, vinca a transmissão de 11 de agosto.
A 12 de setembro são libertados mais 30 portugueses de uma só vez.
Expulsões e sabotagem económica
Compensação pelos prejuízos da “sabotagem económica”
A par das prisões, as situações de expulsão que já se tinham verificado nos anos anteriores continuam a atingir os cidadãos de nacionalidade portuguesa.
No dia 10 de abril, o Banco de Moçambique comunica que os funcionários do extinto Banco de Fomento e Sotto Mayor “deveriam abandonar o país o mais rápido quanto possível”. Os sete profissionais portugueses em causa abandonam Moçambique sete dias depois, a expensas da embaixada.
As situações com funcionários bancários são frequentes durante quase todo o ano.
Relativamente às expulsões e “retorno” de portugueses, a embaixada, em transmissão datada do dia 13 de julho, reporta a visita do embaixador da Suíça sobre conversas mantidas com autoridades moçambicanas que insinuam que os países ocidentais deveriam compensar o país pelos prejuízos da “sabotagem económica” e que, em especial, Portugal se tornara responsável ao retirar técnicos e colonos.
“Trata-se de uma acusação frequente que nos é feita de maneira mais ou menos ostensiva. Não deixa de ser curioso, ficarmos a saber que altos responsáveis do governo de Moçambique admitem em várias ocasiões, em conversas que chegam ao nosso conhecimento, que ‘um dos mais sérios erros da Frelimo foi afastar portugueses de Moçambique”, sublinha o telegrama “confidencial” nº 488/197.
Carestia, política e instabilidade
Faltam bens nas zonas rurais
As situações de carestia que já se faziam sentir em Moçambique desde 1978 acentuaram-se em 1979, apesar dos órgãos oficiais referirem que se trata “apenas” de um problema urbano, devido ao grande aumento da população nas cidades.
“O facto, porém, é que no campo o problema é muito mais grave, dada a baixa persistente da produção e incapacidade das autoridades em acudirem às necessidades rurais”, informa a embaixada em fevereiro de 1979.
O telegrama “confidencial” acrescenta que faltam géneros essenciais e que as “autoridades têm tentado ocultar, com pouco sucesso, as ‘bichas’ enormes que se vêm em toda a cidade” de Maputo.
Poucos meses mais tarde, a embaixada através de informações recolhidas junto de diplomatas suecos indica que 1979 pode vir a ser “o pior ano agrícola de que há memória em Moçambique”.
Em telegrama “confidencial”, de 04 de abril, refere-se que o “ministro da Agricultura, segundo a embaixada da Suécia, dá mostras de perfeita incompetência e estaria profundamente preocupado e deprimido com a situação”.
Por outro lado, verificam-se também episódios de “séria instabilidade” em Cabo Delgado, onde as “populações macondes” se mostram descontentes.
Em abril, os jornais admitem “discretamente” que vai ser necessária, mais uma vez, recorrer “a voluntários” para a colheita do arroz.
“Pessoas que chegam do norte dizem-me que os camponeses reduziram a culturas ao mínimo necessário para a subsistência e têm evitado culturas maiores e com interesse comercial como o algodão e o amendoim pois temem que as colheitas lhes sejam tiradas pelas autoridades. As únicas culturas que se viam eram de mandioca, produto que as autoridades não teriam vantagem em extorquir dos camponeses”, explica a embaixada no aerograma “confidencial” nº 309/1979.
Segurança
Pena de morte torna-se um incómodo
No contexto político e militar, a aplicação da pena de morte, em 1979, torna-se num assunto incómodo, segundo a embaixada.
“Fonte próxima do Ministério da Justiça disse que o assunto continua a ser discutido, causando grande apreensão e mal-estar em muitos sectores que se opõem à medida. Seria fundamentalmente o sector militar que estaria por detrás a apoiar a campanha a favor da institucionalização da pena capital”, transmite a embaixada a 07 de fevereiro.
A pena de morte é aplicada várias vezes durante o ano de 1979, sobretudo por questões de “traição” e “mercenarismo”.
Paralelamente, a embaixada relata que “continuam” a verificar-se fugas dos pilotos da DETA (companhia aérea) de nacionalidade moçambicana.
“Aliás, as fugas verificam-se também em todo o tipo de quadros. O movimento neste sentido já é evidente há alguns meses e tem aumentado depois da publicação da nova lei de segurança do Estado e o estabelecimento da pena de morte”, sublinha a embaixada em meados de março.
A agitação política em Maputo faz-se sentir com a inscrição de palavras de ordem anti-Frelimo pintadas nas paredes e o “incêndio, que não teria sido acidental, da sede do partido nos arredores da capital e o rebentamento de uma bomba perto do Ministério da Presidência, na Ponta Vermelha”.
Na mesma altura, verificam-se protestos de elementos do corpo de polícia que se queixam de discriminação.
Os agentes “discriminados” são aqueles que transitaram da administração colonial portuguesa sendo que a situação provoca até finais do mês de março “uma série de suicídios”.
A embaixada indica mesmo que um polícia apareceu morto junto ao edifício da chancelaria, em Maputo, além de relatar os problemas relacionados com agentes detidos.
“Chegaram-nos informações de que se verificou um motim e tentativa de fuga dos polícias que estavam detidos em Benfica, nas proximidades de Maputo. Pessoas da localidade ouviram tiros e explosões”, transmite a embaixada em aerograma “confidencial” no dia 20 de março.
Um mês depois verifica-se “um grande aumento das medidas de segurança em Maputo” com fortes dispositivos militares junto a instalações industriais, centros de comunicações e prisões.
“As patrulhas exigem às pessoas documentação numerosa: bilhete de identidade, passaporte, cartão de trabalho, cartão de residência, etc”, indica a embaixada a 04 de abril. “Os detidos já não cabem nas prisões”, informa a embaixada no dia seguinte.
No final de abril, a capital é patrulhada à noite por veículos militares.
Em agosto, destaca-se um telegrama “urgente-confidencial” sobre a pena de morte aplicada pelo Tribunal Militar Revolucionário, na Beira, a indivíduos envolvidos em diversos crimes contra a segurança do Estado.
“Dos onze indivíduos, oito foram condenados à pena de morte por fuzilamento e três a penas de prisão. Nota-se a tendência do aumento desproporcionado entre a natureza dos crimes e a gravidade da pena, o que parece traduzir o endurecimento das autoridades quanto a delitos de natureza político-militar”, escreve a embaixada no dia 22 de agosto.
Na mesma transmissão levanta-se o receio de que um dos condenados é de nacionalidade portuguesa, condenado à pena capital por autoria em “crime de terrorismo”, pelo que o consulado na Beira se encontra a averiguar a situação.
No final do ano, Samora Machel, numa cerimónia em Maputo perante trabalhadores do setor da saúde, recorda todo o “aparelho de Estado” do combate contra a indisciplina e “outros males” que atingem a sociedade moçambicana.
“Continua a acentuar-se a tendência para a concentração do poder e a reabilitação de hierarquias. Nessa perspectiva, o discurso (de Samora Machel) ataca o ‘populismo’ , o ‘esquerdismo’ , o ‘igualitarismo’, a ‘demagogia’ e a ‘anarquia’ que tem vindo a criar raízes em quase todos os serviços públicos”, realça a embaixada de Portugal.
“Por ordens do presidente, deverá passar a ser usada novamente a designação ‘servente’ em vez ‘do eufemismo auxiliar de serviços’ e deve acabar-se com o tratamento indiscriminado de ‘camarada’ que deverá ser usado apenas pelos membros do partido ‘nas relações partidárias’. O médico volta a ser ‘senhor doutor’ e o director ‘senhor director’”, acrescenta o embaixador sobre as novas regras de conduta ditadas por Samora Machel, pouco antes do fim do ano de 1979.
“O presidente chegaria mesmo a dizer que ‘o povo gosta de ver os seus dirigentes bem tratados’”, sublinha a transmissão.
O telegrama nº 732 explica também que as imposições formais vão ser difíceis de implementar devido “à desmoralização da maior parte da população criada pela própria situação de penúria geral e á falta real de incentivos”.
“Os sermões presidenciais não parecem, em todo o caso, fáceis de conciliar com a doutrina oficial e a prática corrente de dar absoluta prioridade ao critério de confiança política sobre o da competência técnica e profissional ao que se junta o clima de delação generalizada pelos apelos constantes ao exercício da chamada ‘vigilância popular’”, termina o embaixador.
Mudanças na revista Tempo
Mia Couto na imprensa oficial
A 14 de março, em telegrama “confidencial” a embaixada transmite informações sobre a suspensão temporária da revista Tempo.
“Segundo informações recolhidas, a suspensão teria origem exclusivamente política e acarretaria para já a saída do diretor, Alves Gomes, que seria substituído por Mia Couto”, indica o telegrama.
A mesma transmissão diz também que na base da medida “estaria ainda o caso da retirada de circulação” do número da revista relativo à reunião dos não –alinhados.
“Reinaria grande inquietação no corpo redactorial da revista e, em geral, nos meios de informação do país, reflectindo, assim, indícios de certa desorientação política que têm vindo a ser detectados ao nível dos dirigentes do governo de Maputo”, acrescenta o telegrama.
Em julho, o programa radiofónico “Voz da Frelimo” revela os nomes dos membros do Comité Central do Partido abrangidos por medidas disciplinares. As acusações de “inimigo infiltrado” são comuns aos visados, reduzindo o órgão do partido a 58 membros, composto no III Congresso por 67 militantes.
A 21 de novembro, um telegrama “confidencial” transmite com base “em fonte bem informada” que o jornalista João Santa-Rita da Rádio Moçambique e colaborador da revista Tempo, destacado para acompanhar os trabalhos da Conferência de Londres sobre a Rodésia teria ficado em Lisboa.
Segundo a embaixada, o jornalista recusou-se a acompanhar a equipa de informação em que estava integrado, tendo manifestado a disposição de “não mais regressar a Moçambique”.
“O também conhecido desportista Fernando Adrião, selecionador nacional de hóquei em patins da República Popular de Moçambique, não teria regressado, após gozo de férias em Portugal”, acrescenta o mesmo aerograma.
Diplomacia e ideologia
A visita de Erich Honecker
Em 1979, quando o Vietname invade o Cambodja, pondo termo ao regime dos Khmers Vermelhos, nota-se preocupação por parte de Moscovo sobre a posição de Maputo sobre o fim do regime de Pol Pot, na mesma altura Hanói repele uma intervenção militar chinesa no norte do país.
Finalmente, e nas vésperas da visita do presidente do Conselho de Estado da República Democrática da Alemanha, Erich Honecker, o governo de Maputo saúda a criação da República Popular de Kampuchea, reconhecendo desta forma o novo governo de Phnom Penh.
“Deste modo, termina a hesitação das autoridades de Moçambique. Não foi certamente estranha a pressão exercida pela URSS e seus aliados, especialmente Cuba e Vietnam”, explica o embaixador de Portugal em telegrama enviado para Lisboa no dia 12 de fevereiro.
Perante Honecker, a 23 de fevereiro, Samora Machel refere-se à última reunião da Comissão Política Consultiva dos Países do Pacto de Varsóvia sobre as lutas de libertação nacional.
Na receção ao líder da RDA, o presidente moçambicano diz que Moçambique apoia as “lutas no Sahara, Timor e Nicarágua, bem como a ‘vitória no Afeganistão’, atribuindo significado histórico à criação da República Popular de Kampuchea, assim como ao ‘derrubamento’ do regime antipopular do Xá do Irão”. Na receção é notada pelo embaixador português a ausência do representante da República Popular da China.
Além dos acordos de cooperação bilaterais, sobretudo na área militar, é firmado um documento sobre o acordo de cooperação entre a Frelimo e o PSU da República Democrática da Alemanha e um “programa de longo prazo para o desenvolvimento das relações económicas até 1990”.
Logo a seguir à deslocação de Honecker, o presidente do banco estatal da RDA é recebido em Maputo. “A chegada do senhor Wolfried Stoll tem sido aqui interpretada como mais uma indicação de que Moçambique está a tentar através da aproximação à RDA resolver gravíssimos problemas económicos e financeiros que atravessa neste momento”, escreve a embaixada no dia 02 de março.
No mesmo telegrama, é referido que “os alemães (de Leste) não se mostram muito entusiasmados quanto a ajudas e que, parece ser convicção generalizada, que as contribuições que possam porventura vir a ser concedidas, terão que ter grandes contrapartidas extremamente gravosas para Moçambique”.
Na mesma altura em que se estreitam relações com os países satélites de Moscovo, a embaixada nota, no início de março, que a imprensa local ignorou totalmente a assinatura do acordo de assistência técnica sobre caminho -de-ferro firmado “recentemente” entre Moçambique e a África do Sul.
A 14 de março, uma transmissão “confidencial” dá conta de que o governo se prepara para criar dois grupos de trabalho destinados a estudar os problemas de política externa de Moçambique, nomeadamente sobre o recente posicionamento do país em relação “à Indochina”.
“O debate está ser animado (no seio do Comité Central da Frelimo) por aqueles que não vêm com bons olhos a crescente identificação da diplomacia de Maputo com as teses da URSS e os seus aliados e desejariam eventual regresso à neutralidade e independência, relativamente a divisões cada vez mais graves registadas no campo socialista”, informa a embaixada. Mesmo assim, em abril, são anunciadas as ligações aéreas entre Maputo e Berlim Leste.
A 18 de abril, o presidente Ceausescu da Roménia visita Maputo sob fortes medidas de segurança. A população é convidada a assistir à chegada de Ceausescu “da rua” e não “das janelas porque isso seria perigoso”. “Não sei se atribuir tal medida, até agora inédita, se a carácter notoriamente receoso de Ceausescu, se às condições que aqui prevalecem”, desabafa o embaixador no telegrama “confidencial” nº302.
Em setembro, o presidente de Moçambique, Samora Machel parte para Havana onde participa na Cimeira dos países não-alinhados.
No avião presidencial moçambicano viajaram o primeiro-ministro do Lesotho e Robert Mugabe, líder da ZANU e membro da Frente Patriótica do Zimbabwe.
Em meados do mesmo mês, Samora acompanhado dos ministros Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano estão presentes em Luanda para as cerimónias fúnebres do presidente angolano, Agostinho Neto.
Diplomacia
Os reféns do Irão e “diligência” confidencial de Moçambique
A eventual “diligência” de Moçambique no início da crise entre os Estados Unidos e o Irão e os possíveis apelos de Maputo no sentido da libertação dos reféns norte-americanos em Teerão são referidos de forma “confidencial” pela embaixada de Portugal no final do ano de 1979.
“O embaixador de Espanha disse-me ontem que o embaixador dos Estados Unidos lhe confidenciara estar muito satisfeito com diligência que teria sido, entretanto, feita pela República Popular de Moçambique junto de dirigentes iranianos no sentido da libertação dos cidadãos norte-americanos sequestrados em Teerão”, transmite a embaixada de Portugal, às 19:30 do dia 05 de dezembro de 1979.
O mesmo documento sublinha que o embaixador dos Estados Unidos não quis acrescentar mais detalhes – “por enquanto” – por se tratar de matéria confidencial.
A crise dos reféns prolongou-se durante 444 dias, entre 04 de novembro de 1979 e 20 de janeiro de 1981.
Os 52 norte-americanos, a maior parte diplomatas, foram feitos reféns pelos estudantes da Revolução iraniana que acabava de derrubar o regime do Xá Reza Pahlevi, entretanto exilado.
A referência à eventual diligência entre Maputo e Teerão terá acontecido no início do longo processo que só termina em janeiro de 1981, no dia em que Ronald Reagan toma posse como presidente dos Estados Unidos, sucedendo a Jimmy Carter.
A crise dos reféns norte-americanos não volta a ser referida durante as transmissões que se seguem até ao final do ano e mesmo ao longo do ano seguinte, pela embaixada de Portugal que no dia 05 de dezembro de 1979 admite que o novo poder em Teerão possa ter sido permeável aos “apelos” de Samora Machel.
“Não sei se a satisfação do embaixador norte-americano traduz de algum modo a esperança do Ayatollah Khomeiny se mostrar mais sensível aos apelos do senhor Machel do que aos de outros dirigentes políticos ou religiosos”, acrescenta no mesmo aerograma “confidencial”.
Paralelamente, dois dias depois, a embaixada refere os contactos entre Maputo e Bagdad, a propósito da visita de Machel ao Iraque, “prevista para breve”.
“Especula-se no círculo diplomático local, o objectivo útil e imediato da visita que, do lado moçambicano, seria o de procurar créditos e condições mais vantajosas na compra de petróleo aquele país”, escreve a embaixada a 07 de dezembro de 1979 sem fazer qualquer referência à situação no Irão e aos eventuais contactos com Teerão.
Já no início do ano, a 16 de fevereiro de 1979, o presidente Machel enviava uma mensagem ao ayatollah Khomeiny, congratulando-se pelo derrube do “antigo regime iraniano que classifica como ‘uma vitória para todas as forças anti-imperialistas do mundo’”.
Segundo o telegrama nº136/1979, Samora, na mensagem enviada para Teerão, afirma que o novo governo do Irão vai contribuir para reforçar a luta contra o imperialismo, sionismo, colonialismo, “apartheid”, “referindo-se explicitamente à decisão sobre o embargo ao fornecimento de petróleo à África do Sul”.
De acordo com o embaixador Nunes Carvalho, o líder moçambicano “deixa entender claramente o desejo” pelo estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.
A mesma transmissão recorda que os órgãos de comunicação do Estado moçambicano vinham a dar grande relevo aos acontecimentos no Irão, criticando “violentamente” o regime do Xá e “saudando os esforços da oposição”.
O embaixador sublinha que a imprensa oficial destacava – em particular – a figura do ayatollah, “considerado com respeito e pondo em destaque o seu papel fundamental nos acontecimentos”, apesar da hostilidade das autoridades moçambicanas em relação “ao papel político da religião e dos dirigentes religiosos”.
A guerra entre o Irão e o Iraque começa em setembro de 1980 e prolonga-se até 1988. As negociações para a libertação dos norte-americanos mantidos reféns na embaixada dos Estados Unidos em Teerão terminam, com êxito, em 1981.






































