Anda por aí a solta uma verborreia canina contra o Mia Couto. Foi parida na geringonça da Renamo. O Mia anda a cometer pecados e devia se expiar extenuamente. Ele não aproveitou a semana santa para essa empreitada porque decidiu fazer uma ponte… entre a escrita e a sua paixão pela biologia.
O Mia é um traidor. Primeiro porque nasceu branco. Não devia. Depois, por ter um irmão chamado Fernando Amado Couto que, como se sabe, tem uma aliança empresarial com o general Chipande, que hoje está no centro do poder em Moçambique. Esse laço de sangue é uma fatalidade. O Mia devia se desunir do Amado Couto.
O grande pecado foi ele ter criticado essa propensão da Renamo para a chantagem política. Que é recorrente desde as eleições de 1999, quando, na sequência delas, a Frelimo começou a acarinhar financeiramente o líder da Renamo para amainar as suas tentações disruptivas. Tal como o Mia, são muitos os moçambicanos que discordam da natureza eternamente bélica da luta politica da Renamo. Por isso, o escritor que mais exporta a cultura moçambicana está a ser vexado, vilipendiado num chorrilho de insultos por ter usado a sua liberdade de expressão.
Ao mandar calar o Mia, ao insultar o maior representante da cultura nacional no exterior, a intelectualidade da Renamo comete um grave atentado contra a liberdade expressão… reveladora das linhas com que se cose.
“Um partido político não pode, ao mesmo tempo, ter presença na Assembleia da República e, por outro, possuir armas”, disse Mia. E dizer o que pensa, como tem sido seu apanágio, foi, para a intelectualidade da Renamo, um delito de opinião. Mas Mia disse uma verdade insofismável. Com a mesma contundência que usa quanto se atira contra as injustiças sociais, contra a acumulação primaria de capital que se caracteriza em Moçambique pela apropriação do bem publico por um certo grupo representativo das elites libertadoras.
Nos últimos anos, Mia tem se distanciado da matriz que caracteriza a Frelimo dos nossos dias. Ele que foi um militante da causa, nos tempos de Samora, abraçando ternamente a empreitada da construção de uma nova nação. E foi por opção própria, consciente. Desde o primeiro minuto da nova nação em 1975, ou mesmo antes disso, Mia optou pelo novo projecto nacionalista e contribuiu ate onde pôde. E que diria essa intelectualidade da Renamo sobre Carlos Cardoso que era um acérrimo critico do antigo movimento “rebelde”? Cardoso que foi deportado em 1975 da África do Sul do apartheid para Portugal mas que nove dias depois estava a desembarcar em Mavalane para se juntar ao projecto, ao mesmo tempo que os seus pais faziam as malas porque não acreditavam na Frelimo comunista?
Outro pecado que se atribui ao Mia é o de ser um empresário de sucesso com suor próprio. Não daquele género gerado na mama do Estado ou nado na chantagem do gatilho em riste. Então, para os seus detractores, Mia não devia fazer da Impacto uma grande empresa, incontornável quando se trata de avaliações ambientais em Moçambique. Ele devia ser condenado por ter feito da Impacto aquilo que ela é hoje. E nunca devia ter criado a Fundação que leva o nome de seu pai, a qual se vai firmando como incontornável no roteiro cultural de Maputo. Pois essa Fundação é um bastião de “lavagem de dinheiro”. É terrível… terrível este ataque ao maior escritor moçambicano. É um ataque irresponsável, de uma revanche sem paralelo, mas que mostra a marca de água aonde assenta o pensamento da Renamo sobre liberdades individuais. Um pensamento totalitário contra a liberdade de opinião e de expressao, um fascismo primário onde não cabe o direito de pensar diferente.
Por último, não deixo de frisar que, depois de todo este tempo de construção de uma sociedade multirracial, a Renamo faz um violento ataque racista contra o Mia. E essa ideia bizarra de que escritor não deve fazer intervenção politica. Se o mundo fosse assim, a humanidade era um manto de cinzentismo. São os escritores quem, por este mundo fora, denunciam os excessos contra as liberdades e contra as alternativas de esquerda. Galeano (que nos deixou há bocado), Chomsky, Michael Moore…uma fornada deles tem contribuído para a moralização da política no mundo.
Um grande abraço Mia. Espero que outros escritores e jornalistas e intelectuais moçambicanos tambem te abracem contra esses ataques. Aguardo com tamanha expectativa!
Por Marcelo Mosse (*), extraido do seu perfil no Facebook.
29 de Março de 2016
(*) – Social Researcher, Investigative Journalist, Anti Corruption Expert, Consultant on Governance