24 de março de 2019

Salazar recorria regularmente a “injecções misteriosas”



O livro “A Queda de Salazar – O Princípio do Fim da Ditadura” revela que o ditador era injectado, com frequência, com um medicamento “não identificado” que se suspeita que seria Eucodal, um estupefaciente usado regularmente por Hitler no final da II Guerra Mundial.

A obra escrita por José Pedro Castanheira, António Caeiro e Natal Vaz refere-se às “misteriosas injecções” administradas pelo enfermeiro João Rodrigues Merca que, “nos últimos tempos” de vida de Salazar, seriam dadas “a uma frequência de ‘dia sim dia não’”.

No diário do próprio ditador, há pelo menos uma referência a Eucodol, um estupefaciente que se tornou no medicamento “favorito” de Hitler no final da II Guerra Mundial (1945).


Um livro de cariz histórico, publicado na Alemanha, revela que Hitler vivia num estado de euforia permanente, devido ao uso de drogas, com recurso a injecções com sémen, hormonas animais e a Eucodol, entre outras substâncias.

Ora, também o ditador português pode ter recorrido a esse mesmo estupefaciente, segundo o livro “A Queda de Salazar”, que reproduz uma fotografia da página de um dos diários do ex-governante com a palavra “Eucodal” escrita. Apesar disso, os autores consideram que é difícil saber em rigor que substância o ditador recebia, sendo que o dado seguro é a frequência das injecções.

“Há razões para pensar que não foi sempre essa substância”, explica à Lusa o jornalista José Pedro Castanheira, acrescentando que na correspondência entre o embaixador Marcelo Mathias e Salazar existem referências ao envio de substâncias médicas que não se encontravam disponíveis em Portugal.

“Em Julho de 1968, um mês antes da queda da cadeira (em Agosto de 1968), Salazar agradece ao embaixador que estava em Paris, e tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros, o envio de várias caixas de injecções”, nota o jornalista.

“Não falam do nome do medicamento, mas Salazar diz que era um medicamento que não existia em Portugal, o que em 1968 já não seria o Eucodal porque nessa altura já se vendia livremente em Portugal, oriundo da indústria farmacêutica alemã”, acrescenta.

Na “farta literatura historiográfica sobre Oliveira Salazar” a referência a estas supostas injecções “é omissa”, nem sequer se fala delas nas memórias do médico assistente do ditador, Eduardo Coelho, como notam os autores no livro.

Livro “põe em causa versões sobre Salazar”

O livro “A Queda de Salazar”, que foi apresentado neste sábado, na residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento, Lisboa, inclui informações novas sobre os últimos dois meses da governação do ditador, com base na consulta das transcrições dos seus diários que está a ser feita por Madalena Garcia.

Muita da informação diz respeito aos últimos dois meses em que Salazar se instalou no forte do Estoril, do dia 26 de Junho até à altura da queda da cadeira, no dia 3 de Agosto de 1968, e que estão minuciosamente detalhados.

A obra “põe em causa algumas versões sobre Salazar”, nota à Lusa José Pedro Castanheira, frisando que “há muitas coisas de Franco Nogueira que são postas em causa, em particular as informações que ele foi dando sobre Marcelo Caetano”. “Algumas versões de Adriano Moreira, nos seus livros de memórias, também são postas em causa”, diz ainda o jornalista.

“Há informações riquíssimas, por exemplo, sobre a forma como Salazar acompanhou de uma forma muito preocupada o ‘Maio de 68’ em França”, revela José Pedro Castanheiro, frisando que ele estava “mesmo aterrorizado com as consequências que os acontecimentos em França poderiam ter em Portugal”.

Outro episódio “muito importante” diz respeito à decisão de, por um lado, deportar Mário Soares para São Tomé e Príncipe, em Março de 1968 e, em contrapartida, a decisão de pôr termo a essa deportação já tomada por Marcelo Caetano no primeiro Conselho de Ministros a que presidiu, em Outubro de 1968, e que “revelava a decisão de reverter aquilo que de pior o Salazarismo tinha”.

No livro destacam-se, entre outras, a única entrevista concedida por Vera Wang Franco Nogueira, viúva de Alberto Franco Nogueira (1918-1993), diplomata e ministro dos Negócios Estrangeiros durante o Estado Novo, além dos depoimentos de Mário Soares e Jorge Sampaio.

Para lá da documentação relacionada com os diários de Salazar, o livro revela também a correspondência diplomática norte-americana de Lisboa para Washington, “onde é patente a preocupação do embaixador William Bennett sobre as consequências da morte política de Salazar”, destaca José Pedro Castanheiro.

O livro aprofunda ainda questões relacionadas com “a luta pelo poder”, a “galeria dos derrotados” do regime e a “longa marcha de [Marcelo] Caetano”.

“Há muito trabalho que deixamos aos historiadores que tem de ser obviamente completado e corrigido”, nota José Pedro Castanheiro, frisando que o livro é apenas um contributo jornalístico “para que outros continuem a investigação“.

“Há realmente muita coisa nos arquivos ainda por descobrir e há muitos relatos de memória oral que vale a pena registar”, conclui José Pedro Castanheira.


Fonte: ZAP - 12 Novembro, 2018