À volta das instalações da Praça de Touros são visíveis pequenos amontoados de lixo enquanto os cantos junto à parede servem de urinóis
A antiga praça de touros de Luanda vai ser transformada em Palácio da Cultura. As obras de requalificação do edifício começam no próximo ano, após a conclusão do estudo de viabilidade, garantiu o director nacional de Acção Cultural, Carlos Vieira Lopes.
Erguida na década de 1960, a praça de touros de Luanda foi inaugurada a 1 de Março de 1964, mesmo sem estar concluída. A abertura do recinto teve honras de primeira página nos jornais da época, ao trazer a Angola alguns dos nomes mais sonantes da tauromaquia em Portugal.
Localizado no distrito urbano da Maianga, o edifício, que chama a atenção pela sua forma circular, nunca foi concluído porque “os empresários portugueses que estavam à frente da construção do imóvel ficaram descapitalizados”, diz Pascoal Diniz, morador do bairro da Calemba há mais de 50 anos.
Depois da independência, o Ministério da Cultura, com o intuito de aproveitar o recinto, assumiu a gestão da praça de touros, onde passaram a realizar-se, esporadicamente, espectáculos culturais. Alguns deles trouxeram a Angola nomes famosos da música internacional, como foi o caso “do primeiro projecto espectacular denominado Kandando Angola-Brasil, no qual participaram músicos dos dois países, entre os quais Chico Buarque, Djavan, Martinho da Vila, Alcione e muitos outros”, recorda Carlos Vieira Lopes.
A gestão, feita por uma comissão composta apenas por funcionários do Ministério da Cultura, “faliu por falta de meios, como o equipamento de iluminação e a aparelhagem de som, o que impediu que se pudesse continuar a realizar espectáculos e eventos culturais”, afirmou o director nacional de Acção Cultural.
“Os organizadores de espectáculos e eventos culturais não aceitavam realizá-los num recinto a céu aberto, onde o sol e a chuva acabavam por estragar os equipamentos, até o palco de madeira se estragou”, acrescentou.
Por tudo isto, a praça de touros “ficou votada ao abandono por algum tempo, os marginais aproveitaram-se do local para fazer das suas e só saíram de lá com a intervenção da Polícia”. Para que o recinto não fosse reocupado, sobretudo por marginais, e para garantir a sua manutenção, o Ministério da Cultura atribuiu a gestão da praça à empresa Organização Kizomba, mas, antes, teve de reservar espaços para instalar a Brigada Jovem de Literatura, o Ballet Nacional e a Associação Provincial do Carnaval.
Além disso, cedeu compartimentos para escritórios a diversas instituições colectivas, “porque, como se sabe, esses grupos têm várias dificuldades, incluindo de espaço”, realçou Carlos Vieira Lopes, acrescentando que a praça está aberta a quem quiser realizar eventos.
Pascoal Diniz reconheceu que, com a gestão da empresa Organizações Kizomba, tem sido possível garantir, com algumas deficiências, a manutenção da infra-estrutura.
“Antes, quando o imóvel estava abandonado, nós, os moradores mais próximos, tínhamos o perigo à porta devido ao vandalismo, prostituição e consumo de drogas praticados pelos bandidos que ali se alojaram, situação que só teve fim com a intervenção da Polícia. A situação, em termos de higiene, era lastimável”, referiu.
Apesar da forma arquitectónica atractiva, pela sua estrutura em forma de círculo com bancadas de cima a baixo, a praça apresenta uma imagem exterior de abandono, com imensa poeira nas paredes, cuja cor de confunde com o castanho original. À volta, vêem-se pequenos amontoados de lixo, os cantos junto à parede servem de urinóis e à volta existe uma mistura de casebres e residências de construção definitiva.
Hoje, a praça está mais voltada para actividades comerciais, entre oficinas de automóveis e motorizadas, lojas de material de construção civil, electrodomésticos e produtos alimentares, uma pensão, um salão de beleza e lanchonetes, num corredor, com cadeiras e mesas brancas expostas, barracas de comes e bebes, lavadores de carros e muitas outras actividades.
Comes e bebes
Apesar da falta de higiene, o local é muito frequentado por trabalhadores de instituições e empresas que funcionam nas redondezas e, aos fins-de-semana, recebe convivas, não apenas da zona, mas de outras partes da cidade que, apesar da pouca iluminação, tornam mais activos os negócios realizados na parte exterior do edifício, por norma até ao amanhecer.
No interior, a actividade termina por volta das 21h00.Maria de Fátijma, 60 anos, vende bebidas e comida há mais de quatro anos na barraca número 28, depois de ter passado à reforma. Diz que a concorrência no ramo é grande, mas não desiste. “Apesar das dificuldades, já estou habituada. É daqui que sai o dinheiro para alimentar a família”, afirma. A vendedora lamentou o estado em que se encontra a infra-estrutura, mas desconhece as razões por que as obras não estão concluídas.
“Sei que esta obra teve início ainda no tempo colonial, mas depois o dono abandonou-a sem concluir e foi-se embora. Agora, cabe ao Executivo zelar por este espaço”.Maria de Fátima explicou que, para poder vender aí, teve a autorização de um elemento da administração da praça, e paga actualmente cerca de oito mil kwanzas por mês.
Ana Paula, 38 anos, proprietária de uma lanchonete, diz ter conseguido o espaço por intermédio do falecido marido, que esteve ligado à Cultura, pelo que não precisou de pagar qualquer valor. Após a morte do companheiro, há seis meses, decidiu gerir o espaço para sustentar a família e paga 1.500 kwanzas por mês à administração local. Serve pratos caseiros, como feijoada, calulu, mufete, bitoques e hambúrgueres.
Angelina Dala, 43 anos, está há mais de dois anos na praça, onde procura, todos os dias, usar os dotes de culinária que afirma possuir para ajudar o marido no orçamento do lar. O professor de dança Domingos Suibinzanga, responsável do Ballet Nacional, afirmou que o espaço utilizado para os ensaios foi cedido pelo Ministério da Cultura, a título provisório, após o encerramento do Teatro Avenida.
Requalificação para breve
O Executivo, através do Ministério da Cultura, vai requalificar a antiga Praça de Touros de Luanda e transformá-la no futuro Palácio da Cultura.
Projecta-se uma infra-estrutura que sirva para todas as actividades culturais, pelo que a sua requalificação vai mais além do edifício e abranger a área circundante, como os acessos, o sistema de saneamento e iluminação, e até mesmo as habitações existentes em redor, prevendo-se a substituição dos actuais casebres por casas melhor estruturadas e serviços de apoio ao Palácio da Cultura.
“Antes do início do processo de requalificação, vai ser realizado, ainda este ano, um estudo de viabilidade sobre o imóvel, para depois ser constituída uma comissão de avaliação e realizado um concurso público para a gestão do mesmo”, garantiu, o director Nacional para Acção Cultural, Carlos Vieira Lopes.
“Neste momento, está a ser feito o levantamento de todos os inquilinos do local, o que vai permitir, no próximo ano, tal como está programado, dar início ao processo para desalojar as pessoas e dar-se início à efectiva requalificação”, acrescentou.
O director do Gabinete Jurídico do Ministério da Cultura, Aguinaldo Cristóvão, salientou que todo o trabalho está a ser realizado com um elevado nível de organização e o espaço destinado à Cultura vai ser melhor aproveitado.
Aguinaldo Cristóvão garantiu que a praça não está abandonada, ao contrário do que se possa supor. “Tratando-se de um património público, existem regras e procedimentos próprias, que o Ministério deve observar antes de tomar qualquer decisão”, referiu o jurista do Ministério da Cultura.
Jornal de Angola, 3 de Agosto de 2013