Esta segunda-feira, dia 22 de Novembro, assinala-se o 10 º aniversário da morte do jornalista moçambicano Carlos Cardoso, assassinado ao início da noite desse dia na Avenida Mártires da Machava quando o carro em que seguia foi alvejado por vários tiros. Na altura, Cardoso dirigia-se a casa depois de mais uma jornada de trabalho no ‘Metical’, o periódico onde era editor.
Carlos Cardoso nasceu na Beira no ano de 1951. Estudou primeiro em Moçambique e depois a nível secundário e universitário na África do Sul, na universidade de Witwatersrand, onde foi expulso e deportado para Portugal pelas suas posições anti-apartheid.
Após a independência de Moçambique, em 1975, ao contrário da família e da grande maioria dos elementos da comunidade branca, Cardoso resolve ficar e engaja-se profundamente nos ideais da Frelimo, revendo-se sobretudo nas posições do primeiro presidente Samora Machel. Em 1980, é nomeado editor da AIM (Agência de Informação de Moçambique). Anos depois, torna-se conselheiro de imprensa de Samora Machel e prevê que algo de muito grave está para se passar com o presidente, sendo um dos que desaconselha a viagem do presidente para a viagem fatídica, em Outubro de 1986.
A morte de Samora marca-o profundamente e inicia nesta altura o seu afastamento em relação à Frelimo. Em 1989, desencantado, abandona o jornalismo e dedica-se à pintura.
Porém, em 1993, está de volta à escrita, estando na origem da criação da Mediacoop, uma cooperativa independente de jornalistas que lança os jornais Mediafax e, pouco tempo depois, o Savana.
Por divergências com outros jornalistas, abandona a Mediacoop e funda, em 1997, o ‘Metical’, diário electrónico versado sobre temas económicos. Aqui, os seus editoriais começam a incomodar as altas esferas do poder com constantes denúncias de casos de corrupção.
À data do seu assassinato, investigava o maior escândalo financeiro do país desde a independência: o desvio de uma soma aproximada a 14 milhões de USD do Banco Comercial de Moçambique (BCM), entretanto extinto. Nos seus artigos, tinha citado Momade Abdul Satar, conhecido por Nini Satar, e Vicente Ramaya, dois homens de negócios muito influentes em Moçambique.
Após a morte do jornalista, Nini Satar acusou o filho do ex-Presidente da República de Moçambique Joaquim Chissano de estar envolvido no caso. O empresário apontou ainda Aníbal dos Santos Júnior (Anibalzinho), como o chefe da quadrilha que executou Carlos Cardoso.
Em 2003, seis pessoas foram condenadas a penas entre os 23 e os 28 anos de prisão pela morte do director do jornal "O Metical". Anibalzinho nunca prestou declarações em tribunal, porque durante o julgamento fugiu da cadeia, pelo que foi condenado à revelia.
O tribunal aplicou-lhe uma pena quase 30 anos de prisão por ter chefiado a quadrilha que assassinou Carlos Cardoso.
Anibalzinho tem no seu currículo três fugas da cadeia. Entre os anos 2002 e 2004, o prisioneiro mais famoso do país chegou à África do Sul e ao Canadá, países de onde foi extraditado para Moçambique. Depois de mais duas fugas, está hoje encarcerado numa cela do Comando da Polícia na cidade de Maputo.
Durante o processo, Momade Abdul Satar acusou ainda o filho de Joaquim Chissano de ser o responsável pela fuga de Anibalzinho, para o impedir de dar o seu testemunho no caso Cardoso.
Mas não foi só Nympine Chissano quem viu o seu nome envolvido no escândalo. A empresária moçambicana Cândida Cossa viu-se envolvida no caso, o que forçou as autoridades da justiça a instaurarem um processo autónomo.
Devido à lentidão da justiça, ambos perderam a vida sem ser ouvidos: Nympine morreu em Novembro de 2007 e Cândida Cossa em Novembro deste ano. O processo autónomo foi arquivado.
Já esta semana, em declarações ao semanário Savana, o jornalista Marcelo Mosse, colega de Cardoso no ‘Metical’ e co-autor do livro biográfico sobre Cardoso ‘É proibido pôr Algemas nas palavras’ afirmou: “Hoje continuamos a ter os problemas que tínhamos há 10 anos. Mas com outras roupagens. As elites já não pilham na banca ou no Tesouro”, disse Marcelo Mosse, indicando que o assassinato de Cardoso, e depois de Siba Siba, chamou a atenção para reformas drásticas nesses sectores, com muita pressão dos doadores que alimentam o Orçamento do Estado.
Hoje, critica, as elites refastelam-se nas preferências noutro tipo de património público, como no sector de concessões minerais, na manipulação do procurement, fingindo-se transparência e integridade. "Cardoso faz falta, 10 anos depois, lamenta.”
SAPO MZ, 22 de Novembro de 2010