4 de julho de 2017

SELO: Salários e o Aeroporto do Xai-Xai - Por José Maria de Igrejas Campos



O governo comunicou recentemente as subidas que irão sofrer os salários. No que diz respeito ao Aparelho de Estado e Função Pública houve uma primeira informação que se referia a uma subida de 21,5% para no dia seguinte se informar que tal percentagem de incremento se aplicava apenas aqueles que recebem o salário mínimo, recebendo os restantes trabalhadores do Estado apenas um aumento de 500 (quinhentos) meticais.

Eu gostava de saber o que pensa a ministra da Saúde quanto ao impacto desta subida salarial no desempenho dos médicos, enfermeiros e outros técnicos do sector da Saúde, tendo em conta a taxa de inflação.

Gostava de saber, também, o que pensa a ministra da Educação quanto ao impacto desta subida salarial no desempenho dos professores e outro pessoal técnico do sector, face à inflação.

Diz o Governo, quando anuncia esta subida salarial, que é aquilo que é possível.

Entretanto, os órgãos de informação dizem que o Governo está a contrair novos empréstimos e que a dívida pública está a aumentar e a aproximar-se dos 100% do PIB.

O FMI num relatório recente mostra certas preocupações em relação a estas novas dívidas que estão a ser contraídas por este Governo. Como se justifica que o Governo vá construir um Aeroporto Internacional no Xai-Xai apresentando fundamentos para a sua efetivação que nos dão vontade de rir: onde está o turismo na zona do Xai-Xai que justifique um aeroporto? Durante quantos dias por ano este aeroporto servirá de aeroporto de recurso?

Quanto a mim nenhum, pois não me recordo de o Aeroporto de Mavalane ter encerrado por razões climáticas ou outras, e se as houver, essas razões irão atingir o projectado aeroporto do Xai-Xai que se prevê se situe apenas a 217 Km de Maputo. Podem acusar-me de misturar gastos correntes com investimento. Estou a falar de dinheiro gasto em coisas inúteis.

Ao referir isto é de suspeitar que no orçamento de gastos correntes haja igualmente má utilização de fundos acrescido aos desfalques que os nossos dirigentes e seus associados fazem diariamente conforme nos vem informando a imprensa, rádio e televisão, com a complacência da P.G.R. Pelo menos não tenho conhecimento de que nos últimos tempos alguém tenha sido detido, acusado, julgado com sentença transitada em julgado e devidamente encarcerado, mesmo com o nome e o dinheiro roubado escarrapachado em vários órgãos de informação e organizações da sociedade civil.


Acho por isso que não é verdade que não se possam melhorar mais os salários. Sinceramente não acredito que isso não seja possível. Gostaria de fazer uma pergunta/provocação: porque cargas de água é que um trabalhador de um banco como o B.M. deve ganhar mais que um médico ou um professor?

O Chefe de Estado visitou recentemente Gaza. Com que impressões é que ficou? Viu alguma indústria a funcionar? Viu o regadio do Chókwè apelidado pelos diversos Ministérios da Agricultura como «celeiro da Nação» Que arroz está a produzir? Quantos milhões de dólares americanos se gastaram na manutenção desse regadio? O valor do arroz produzido cobre o que foi gasto em manutenção? Em meu entender a terra onde está o regadio é boa para a criação de gado mas não para a agricultura.

O engº Trigo de Morais, com o devido respeito, era uma besta e um lacaio fiel de Salazar. O regadio foi feito para transferir portugueses pobres e analfabetos para Moçambique. A agricultura era algo que vinha por arrasto e nunca o objetivo principal.

Fiz uma aposta de 10.000 meticais com o falecido ministro da Agricultura, Zandamela, em como o distrito que mais arroz produzia na província de Gaza era Manjacaze, muito superior ao do Chókwè. Ele aceitou a aposta que era de valor elevado, pois estava certo de ganhar. Manjacaze possui regadios naturais, que não necessitam de investimento ou manutenção. Vi regadios semelhantes na zona de Hanoi no Vietnaam. O Ministro foi a Manjacaze e comprovou o que eu lhe tinha dito, quis pagar a aposta, mas eu não aceitei.

Voltando a Gaza, o Senhor Presidente só viu o que lhe quiseram mostrar.

A Província de Gaza é de longe a menos desenvolvida do país. Até o comércio esta em crise e mal abastecido, se por exemplo precisar de um pacote de manteiga, tem de vir compra-lo a Maputo. O interior da Província é uma zona de pobreza estrutural onde a pluviosidade é de cerca de 300 mm por ano e onde vive uma população nómada. Contaram-lhe isto?

Sabe, é minha opinião, primeiro promove-se o desenvolvimento e depois fazem-se os aeroportos e os portos. Quando fui colocado lá em 1968 já tinham parado as carreiras de carga semanais do navio Limpopo entre Xai-Xai e Lourenço Marques. Porque parou se me dizem que ia sempre cheio? Porque é fechou a fabrica Mocita que descascava 5000 toneladas de caju por ano?

Mas o desenvolvimento tem vindo decrescer nas ultimas décadas devido à presença de Governadores e edis preguiçosos, corruptos e cleptómanos. Pobre província de Gaza.

Costumo acompanhar aquilo que escrevo com um pensamento ou um poema.

Escolhi duas poesias do poeta Reinaldo Ferreira, filho de um popular escritor de livros policiais que usava o pseudónimo de repórter X. O poeta nasceu em Barcelona a 2O de março de 1922 tendo vindo para então Lourenço Marques no fim do ano de 1941 e aqui estudou até ao 7º ano do liceu. Dedicou-se à poesia, ao teatro como autor e encenador; foi muito popular como autor de teatro radiofónico na popular rubrica semanal «Teatro em Sua Casa» do então Rádio Clube de Moçambique. Se a Rádio Moçambique possui nos seus arquivo as peças radiofónicas escritas pelo Reinaldo Ferreira seria importante publica-las e quiçá ressuscitar a rubrica «Teatro em sua Casa », fora das horas das telenovelas.

Faleceu nesta cidade em Junho de 1959. Depois da sua morte, os amigos fizeram uma coletânea da sua obra poética que fizeram publicar na Imprensa Nacional de Moçambique. Mais tarde a Portugália Editora, publica em Lisboa esta obra poética que em 1966 já ia na 4ª edição. Tem prefácio do poeta José Régio que o compara a Fernando Pessoa, Cesário Verde, António Nobre e outros poetas portugueses.

1. O Ponto

Mínimo sou,

Mas quando ao Nada empresto

A minha elementar realidade,

O Nada é só o resto.

2. Noturno

O poema que a seguir vou transcrever lembra a Rua Araújo do tempo colonial e merecia levar ao lado uma fotografia de Ricardo Rangel que tão bem fotografou os cabarets dessa rua.

Dancing with Rosie ( a taxi-girl )

Eu, Rosie, eu se falasse dir-te-ia

Que partout, everywere, em toda a parte,

A vida égale, idêntica, the same,

É sempre um esforço inútil,

Um voo cego a nada.

Mas dancemos; dancemos

Já que temos

A valsa começada

E o Nada Deve acabar-se também,

Como todas as coisas.

Tu pensas

Nas vantagens imensas

Dum par Que paga sem falar;

Eu, nauseado e grogue,

Eu penso, vê lá bem,

Em Arles e na orelha de Van Gogh...

E assim entre o que eu penso e o que tu sentes

A ponte que nos une e estar ausentes.



Por José Maria de Igrejas Campos

Médico especialista em saúde pública

Docente da Faculdade de Medicina da UEM

Membro do partido Frelimo


@Verdade, 4 de Julho de 2017