Ao Excelentíssimo
Presidente da República Portuguesa, Professor Marcelo Rebelo De Sousa;
Ao Excelentíssimo
Senhor Primeiro Ministro da República Portuguesa, Dr. António Costa;
Ao Excelentíssimo
Provedor da Justiça, Professor José de Faria Costa;
Aos Excelentíssimos
Ministra da Administração Interna, Doutora Constança Urbano de Sousa, e
Ministro do Trabalho e Solidariedade Social, Dr. José António Vieira da Silva.
Aos Exmos. Senhores
Presidentes / Demais cargos dirigentes da União das Misericórdias: Manuel
Augusto Lopes de Lemos, José Albino da Silva Peneda, Francisco Rodrigues de
Araújo, Licínio Pina, Paulo Gravato, Rui Filipe Rato, Carla Nunes Pereira,
Joaquim dos Santos Guardado
Venho, por este meio,
na qualidade de irmã da Sara Elisa Dinis Costa (mãe do menor de 7 anos, X),
falecida no incêndio de Pedrógão Grande, questionar onde é que estão as ajudas
tão apregoadas.
Agradou-me o facto de
ter recebido uma mensagem do Excelentíssimo Presidente da República, o
Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no funeral, mas por outro lado choca-me não
ter sido contactada por ninguém com responsabilidades mandatado para o auxílio
das vítimas. Também gostaria de saber qual o destino das doações recentemente
efetuadas à “causa” das vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande.
Uma vida não tem preço
e associado a esse facto há imensos custos inerentes a uma vida que se perde,
bem como às vidas que ficam (não me estou somente a referir ao trauma com que o
meu sobrinho, filho da minha falecida irmã, ficou, desde o conhecimento da
morte da sua mãe mas também o trauma com que, quer eu quer o meu marido
ficámos).
Fui eu que tive de me
mexer para que ele tivesse tido apoio — fui eu que fui ao meu médico nos HUC,
na cirurgia Cardiotorácica de Coimbra, pedir apoio psicológico, fui eu que
arranjei um psicólogo para o meu sobrinho, ligando para o 112, e sou eu que
estou ainda a gerir o seu trauma, uma vez que as consultas do psicólogo são
caras. Temos uma maneira de não pagar tanto, mas que nos sobrecarrega a nível
emocional… E entretanto, daqui a uns dias, faz precisamente um mês desde que a
tragédia aconteceu e temos de nos levantar todos os dias.
Também não entendo como
ainda ninguém se propôs a pagar os funerais das vítimas, que foi o primeiro
custo direto que se teve desta fatídica tragédia, uma vez que as doações em
género efetuadas, graças à extrema solidariedade do povo português, serviram, e
acredito que continuam a servir, perfeitamente para cobrir os custos mais
urgentes.
Vou contar um pouco
acerca da situação da minha família:
O filho da minha irmã,
está connosco há cerca de 2 anos e meio, uma vez que a minha irmã não tinha
condições psicológicas para tomar conta dele, tal como acontece com o seu pai.
A minha irmã era estudante e nunca trabalhou “en continuum” (sem descontos para
a Segurança Social) e o seu pai, divorciado da sua mãe, tem problemas de
dependências e possui trabalhos ocasionais
Desde o acordo de
promoção e proteção que temos arcado com todas as custas da subsistência,
educação, saúde e lazer, e aquando da solicitação do apadrinhamento civil do
menor por mim e pelo meu marido estava, nesse contrato, o acordo de ambos os
pais procederem ao pagamento de 75€/mês, para despesas dele. O apadrinhamento
civil ainda não se encontra homologado pelo tribunal.
Já nos foi apresentada
a conta do funeral e, sendo um gasto extraordinário e não expectável, não temos
como o pagar e a única ajuda seriam os 200 e poucos euros da Segurança Social.
Não sou uma pessoa
rica, apesar de os meus pais nos terem deixado bens, bens esses que não
conseguimos vender ou tirar rendimento deles (alguns destruídos e danificados
pelo fogo) e que são dispendiosos de manter.
Encontro-me atualmente
desempregada, sendo que os únicos rendimentos da minha família são os do
trabalho do meu marido e do meu subsídio de desemprego desde junho do presente
ano (embora ainda não tenha recebido qualquer prestação de desemprego). Possuo uma
incapacidade devido a problemas cardíacos e de AVC (de 61%), que não
comprometem um normal ritmo de trabalho, desde que não haja trabalhos
extraordinários ou em que se necessite de fazer deslocamentos que acresçam ao
horário de trabalho (o que não acontece nas obras, trabalho que efetuei durante
cerca de 10 anos).
Todos os que nos
conhecem (nomeadamente todos os da aldeia de Vila Facaia, da Vila de
Castanheira de Pera e bancos) sabem que gostamos de cumprir com as nossas
obrigações e felizmente conseguimos pagar praticamente todas as dívidas que o
meu pai deixou aquando da sua morte (em 2013), e pretendemos também fazê-lo com
as dívidas da minha irmã, pelo que não gostamos de ficar a dever nada a ninguém
— estamos a dever o nosso apartamento ao banco, sendo essa a nossa única
dívida. Possuímos somente uma pequena poupança, fruto do nosso árduo trabalho,
e que já está destinada.
Felizmente o meu marido
aufere mais que 1,5xIAS, mas, devido a tal facto, o X não irá ter direito ao
subsídio de orfandade e muito menos ao subsídio de morte (uma vez que a mãe não
fez descontos).
Por fim, pretendo dizer
que as dívidas que as Santas Casas da Misericórdia espalhadas pelo país têm, é
real e o seu conhecimento é de âmbito nacional, pelo que solicito uma descrição
pormenorizada da canalização dos fundos que está a ser executada, bem como de
todos os orçamentos escolhidos, face aos solicitados.
Como cidadã
inconformada por esta morte, e como vítima desta tragédia, tenho direito em
saber pormenores da canalização destas verbas, uma vez que tenho a cargo um
menor que sofre todos os dias a perda da sua mãe.
E que estuda (e gasta
inúmeros bens escolares);
E que lê imenso (porque
já sabe ler desde os seus 4 anos);
E toma banho todos os
dias;
E que pertence a um
clube de xadrez (do qual é campeão do 1º e 2º anos do ensino básico), pago (e
cujo valor não entra no IRS);
E que gasta luz e
aquecimento, quando necessário, e cuja roupa é lavada todos os dias;
E que tem AECS (pagas,
e cujo valor não entra no IRS);
E que come (ainda que
gostássemos que comesse mais);
E que vai à piscina 2
vezes por semana, porque é importante para o seu desenvolvimento global e
harmonioso, bem como para a sua destreza física;
E que usa roupas
(muitas, porque os seus 7 anos não são estáticos e, como se trata de uma
criança extremamente saudável, rasga umas calças a cada 15 dias);
E que rompe em média
umas sapatilhas por mês (em meses bons, pois ainda prefere a trotinete — em que
pode travar com os pés – à bicicleta de rodinhas);
E que vai a festas de
anos (por ser um miúdo popular, vai ‘a todas’ e deve contribuir com um
presente);
E que precisa de ter
atividades lúdicas e educacionais — muitas, porque se trata de uma criança
deveras inteligente que necessita de resposta às suas perguntas e precisa que a
sua inteligência seja estimulada;
E que usa óculos
(possui 8 graus de hipermetropia num olho e 7 graus da mesma incapacidade no
outro, o que constitui óculos muito grossos – tentamos diminuir ao máximo o seu
peso, tornando-se extremamente caros) que têm de ser mudados uma vez por ano (e
tem de ter dois, porque dada a sua atividade e extrema ‘reguilice’ tem uns para
brincar e outros para estudar);
E que precisa ser
deslocado, de carro, de autocarro, de comboio;
E que rasga os joelhos
(quando as calças estão rasgadas ou se usa calções) ou parte a cabeça ou apanha
gastroenterites (e espero que se fique por aqui…).
Agradeço uma resposta
célere a este email, pois possuo uma dívida de mais de €1300 para pagar, pelo
funeral, fora gastos com psicólogos, transportes e burocracia para tratar de
diversos assuntos que este fatídico incêndio provocou.
Agradeço igualmente que
me seja informado quem irá pagar a mensalidade que a minha irmã, mãe do X, iria
ficar responsável de fazer, após a homologação do apadrinhamento civil, pois a
lei não prevê tal pagamento.
Não pretendo que o X
sofra mais ou que seja estigmatizado pela morte da mãe. Ele está ainda a
processar esta morte terrível, ainda dorme comigo e com o meu marido e chora
todas as manhãs e todas as noites, quer antes de dormir, quer com pesadelos.
Mais informo que
criámos uma conta para o meu sobrinho, para que nós tenhamos possibilidade de o
dotar de todas as ferramentas para que ele possa crescer. Almejamos que tenha,
no futuro, a possibilidade de desenvolver a sua inteligência num curso
superior, ou algo mais, pois acreditamos que ele tem todo o potencial para
desenvolver a sua genialidade.
Esta sua conta foi
aberta com 175,50€ que o X tinha num porquinho mealheiro, de algumas ofertas
que lhe foram dando entretanto (aniversários, ofertas de familiares e de um
casal muito sensato e com bastantes conhecimentos, que o X gosta muito, e a
quem faz muitas perguntas) e que, com esforço, conseguimos não mexer.
A consulta dos
movimentos desta conta (com as devidas justificações de levantamentos) estará à
disposição para os beneméritos que aqui depositem o seu contributo.
Grata pela atenção
dispensada ao presente e-mail,
Atenciosamente,
Ana Catarina Costa
Por Jornal ZAP
aeiou.pt, 18 de Julho de 2017