Alfabeto para combater a pobreza – H como Humanismo
Nnca ouvi, nem li, em alguma parte que finalistas duma escola privada qualquer da cidade de Maputo resolveram, como forma de angariar fundos para o baile final, dar aulas gratuitas de explicação à crianças internadas em hospitais ou em situação difícil, carregar o saco dos deficientes de regresso à casa após a visita às lojas muçulmanas na sexta-feira ou distribuir a roupa ou brinquedos a mais que têm em casa aos necessitados, tudo isso em troca do compromisso dos pais de lhes financiar o baile. Repito: nunca ouvi, nem li, mas pode ser que já tenha acontecido. O que sei que tem acontecido, e aí abano a cabeça incrédulo, é que finalistas se metam em concorrência com os meninos da rua invadindo os parques de estacionamento para também lavarem carros em troca de pagamento para poderem financiar o seu baile final. O leitor também devia abanar a cabeça incrédulo, ou envergonhar-se, se ao ver isso tiver achado a ideia genial.
Nunca ouvi, nem li que os vários padres e pastores que temos pelo país fora alguma vez tivessem ido a um hospital ou a algum bairro suburbano lavar os pés de gente doente ou pobre, João 13:1-7 é coisa da Bíblia, não da vida real. Alguns deles preferem os dízimos dos pobres que são mais limpos do que os seus pés. Já ouvi falar de concertos para as vítimas do Tsunami, mas nunca ouvi, nem li que os nossos artistas tivessem organizado “Ajuda ao Vivo” para as crianças da rua, desempregados da Matola, bairros sem água potável, etc. Repito: nunca ouvi, nem li, mas pode ser que já tenha acontecido. Cada um de nós sabe, e consegue, indignar-se em relação a tudo quanto o Governo não faz para aliviar a pobreza, mas todos os dias passa por mendigos a quem nem um olhar lança, discute o preço que deve pagar ao menino que guardou e lavou o carro só para logo a seguir pulverizar a diferença numa mensagem de telefone celular sem nenhuma utilidade, estilo “ok”, “está bem”, “obrigado” ou então uma anedota qualquer picante em changana enviada a todos quantos constam da sua lista de contactos.
Nunca ouvi, nem li que os vários padres e pastores que temos pelo país fora alguma vez tivessem ido a um hospital ou a algum bairro suburbano lavar os pés de gente doente ou pobre, João 13:1-7 é coisa da Bíblia, não da vida real. Alguns deles preferem os dízimos dos pobres que são mais limpos do que os seus pés. Já ouvi falar de concertos para as vítimas do Tsunami, mas nunca ouvi, nem li que os nossos artistas tivessem organizado “Ajuda ao Vivo” para as crianças da rua, desempregados da Matola, bairros sem água potável, etc. Repito: nunca ouvi, nem li, mas pode ser que já tenha acontecido. Cada um de nós sabe, e consegue, indignar-se em relação a tudo quanto o Governo não faz para aliviar a pobreza, mas todos os dias passa por mendigos a quem nem um olhar lança, discute o preço que deve pagar ao menino que guardou e lavou o carro só para logo a seguir pulverizar a diferença numa mensagem de telefone celular sem nenhuma utilidade, estilo “ok”, “está bem”, “obrigado” ou então uma anedota qualquer picante em changana enviada a todos quantos constam da sua lista de contactos.
Também passo por mendigos, discuto o preço com os meninos da rua e... recebo essas mensagens.
Em certa medida, portanto, o problema da pobreza é também o problema da nossa capacidade de aceitar o sofrimento dos outros. Qual é o seu tamanho? Em que medida é que o sofrimento dos outros nos incomoda? Quando digo “incomoda” não estou a fazer uma observação estética do estilo daqueles que consideram a pobreza um problema na medida em que coloca aqueles meninos todos sujos na rua e dá má imagem à cidade. Não, não se trata desse tipo de incómodo. Refiro-me ao nosso sentido humano, à ideia que temos de como homens iguais a nós deviam viver. Uma coisa é escrever tratados abrasivos sobre desigualidades, comentários inflamatórios sobre a “podridão”, estudos repetitivos sobre a corrupção e outra coisa, bem diferente, é chegar à casa, olhar para o empregado ou empregada, pensar no esforço que ele ou ela terá despendido para chegar a tempo ao serviço, tentar ajuizar se o vencimento que lhe dou é suficiente para alimentar a sua família, sonhar e realizar os seus sonhos. Que conclusão tiro? Chega dizer que é culpa do governo, da corrupção, da incompetência, dos maus espíritos, do colonialismo, etc.? Não chega.
Seria necessário extrair desse exercício de introspecção ilações relacionadas com a minha própria responsabilidade pela sorte dos outros. Os filósofos desenvolveram uma máxima que nos pode ajudar: se podes impedir que uma coisa má aconteça a um preço baixo para ti, então faça. Não é grande coisa, mas já é um início. Salva-nos da exigência, por exemplo, de darmos tudo o que temos para aliviar o sofrimento de outros e proporciona-nos uma plataforma de decisão sobre quando podemos intervir de forma útil. Não vou insistir com a metáfora. A ideia básica é de que, se calhar, o que precisamos mesmo de promover entre nós é o humanismo que vai fazer com que a pobreza fira o nosso mais profundo sentido de justiça. Precisamos, portanto, de humanismo, ou coisa parecida.
E. Macamo
Maputo, Quinta-Feira, 15 de Abril de 2010:: Notícias