10 de junho de 2010

"Nação Pária" é o título da obra do escritor moçambicano Adelino Timóteo


Homens de uma nação que não existe

“Nação Pária” de Adelino Timóteo

Uma terra que desaparece é o ponto de partida para “Nação Pária”, um livro de prosa do jornalista Adelino Timóteo. A obra questiona a organização social de uma nação e o que os homens têm feito para a preservação da terra.

“Pode uma terra desaparecer?”. Com esta pergunta, Adelino Timóteo regressa à problemática de “um país que não existe”, iniciado no nacionalismo moçambicano dos anos 1950/60, onde José Craveirinha se apresenta: “vim de qualquer parte/ de uma nação que ainda não existe...” e recupera também “um país que deixa de existir”, sugerido por Mia Couto em “Último Voo de Flamingo”.

Em “Nação Pária”, o autor faz um retorno aos medos de uma nação deprimida devido aos desentendimentos do seu próprio povo. Mas esta é uma hipótese, como se narra no livro. “Hipótese segunda: se atribuía o mistério às guerras intestinais, lá iam mais de duas gerações.”

Mas o belicismo é quase a introdução do livro. Ele pode ser a hipótese mais válida, que nos obriga a procurar os culpados. “A guerra degolara a esperança aos homens. Quem seriam os culpados? Deus? Os antepassados?”.

A busca incansável pelo culpado transforma-se em desespero, pois a terra sumira sem deixar rastos. Mas não é que ela não se despedira: “Eu vou seguir meu caminho, não volto mais!”. Mesmo com uma tentativa de dissuasão, “É autêntica vergonha. No lugar de ires embora, assumindo papel rebelde, expulsa os insurgentes!” – a terra se rebela. Foge. A Nação deixa de existir.
“Vós sois estúpidos e doídos. Tendes morto uns aos outros na corrida pela riqueza. Mas aviso-vos. Nenhum de vós, estúpidos, grosseiros, ireis governar-me...”

Voltamos assim a uma “nação que ainda não existe” – ou “que deixou de existir” –, trazendo com ela uma série de crises. Os grupos inimigos depõem as armas e iniciam uma incensante busca à “terra perdida”, pedindo mesmo apoio à Comunidade das nações.

Mas que ajuda pode a Comunidade das nações - esta será uma versão literária e ficcionada das Nações Unidas? - dar a uma terra que não existe?

“Como poderemos dar alimentos a um país que nem sequer existe geograficamente?” – atira a Comunidade das Nações.

A mesma crise surge eternamente quando se exige aos cidadãos – podem existir cidadãos sem nação? – um bilhete de identidade. “Que identidade se pode exigir quando todos andamos à procura do mesmo país?”.

Em “Nação Pária”, Adelino Timóteo, jornalista formado em docência de língua portuguesa, testa os temores de um povo que se torna órfão da sua terra. A busca por um lugar com o qual se identificar os torna cúmplices e adversários. Os poderosos querem manter o seu lugar no pódio do estado, uma pretensão recusada pela população.

A busca incansável pelo culpado transforma-se em desespero, pois a terra sumira sem deixar rastos.

É um livro que procura questionar o nosso conceito de nação, olhando para toda a estrutura e relações em que nos envolvemos. Como nos podemos identificarmos sem existirmos como nação? É uma espécie de moralismo, de questionamento da nossa própria existência.

No entanto, o constante desaparecimento de uma nação, pelo menos na literatura moçambicana, avaliando pelas obras de Mia Couto e de Adelino Timotéo, leva-nos a pensarmos em como esta parte do índico é vista. É uma história de destruição e de fuga. Uma desistência da própria terra que devia dar sustento ao homem que nela sobrevive. A literatura diria que o próprio homem “destrói a terra”, tornando-a não produtiva.

“Nação Pária”, que sai pela Alcance Editora, é lançado hoje no Instituto Camões da cidade da Beira. A apresentação do livro será feita por Ungulani Ba Ka Khosa.

Policarpo Mapengo
O País, Terça, 08 Junho 2010